Um novo estudo revela que o cancro pode desenvolver-se exclusivamente a partir de alterações epigenéticas, desafiando a crença convencional de que as mutações genéticas são necessárias para a doença.
Uma equipa de investigadores do CNRS / Institut de Génétique Humaine, em Montpellier, França, descobriu que o cancro, uma das principais causas de morte em todo o mundo, pode ser causado inteiramente por alterações epigenéticas.
As alterações epigenéticas podem afetar como os genes são ligados ou desligados, mas não modificam a sequência do DNA em si.
São reversíveis e frequentemente influenciadas por fatores ambientais, como a dieta, o stress e a exposição a toxinas, e explicam em parte por que razão, apesar de um genoma idêntico, um indivíduo desenvolve células muito diferentes, como os neurónios, células da pele, etc.
Embora já existam estudos que descrevem a influência destes processos no desenvolvimento do cancro, esta é a primeira vez que os cientistas demonstram que as mutações genéticas não são essenciais para o aparecimento da doença.
Esta descoberta obriga-nos a reconsiderar a teoria que, durante mais de 30 anos, assumiu que os cancros são doenças predominantemente genéticas causadas necessariamente por mutações do ADN que se acumulam ao nível do genoma — na prática, a ideia de que a principal causa de cancro seria o azar.
Para o demonstrar, a equipa de investigação centrou-se nos fatores epigenéticos que podem alterar a atividade dos genes, explica um comunicado publicado no site do CNRS.
Ao provocar uma desregulação epigenética em moscas Drosophila, e depois restaurar as células ao seu estado normal, os cientistas descobriram que uma parte do genoma permanece disfuncional.
Este fenómeno induz um estado tumoral que se mantém de forma autónoma e continua a progredir, mantendo na memória o estado canceroso destas células, apesar de o sinal que o provocou ter sido restaurado.
Os autores do novo estudo concentraram-se em fatores epigenéticos chamados proteínas Polycomb, que regulam a expressão de genes-chave e que estão desregulados em muitos cancros humanos.
Quando estas proteínas são removidas experimentalmente, a atividade dos genes visados é perturbada: alguns podem ativar a sua própria transcrição e auto-manter-se.
Quando as proteínas Polycomb são novamente integradas na célula, um subconjunto de genes é resistente às proteínas e permanece desregulado durante a divisão celular, permitindo que o cancro continue a sua progressão.
Os resultados do estudo, que foram publicados esta quarta-feira na revista Nature, abrem novas vias terapêuticas em oncologia — e provam que, afinal, o cancro pode não ser uma questão de azar.