O nosso destino está nas mãos do DNA?

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ZAP // Pngtree; BarbaraALane / pixabay

Porque é que alguns de nós temos olhos azuis? E cabelos encaracolados? A resposta óbvia é – porque está nos nossos genes. As nossas características são determinadas pelo DNA que herdamos dos nossos progenitores.

Certas condições de saúde, como a predisposição para o desenvolvimento de cancro, pode também estar “escrita” no nosso código genético. Podemos dizer que, de alguma forma, somos escravos do nosso “destino genético”.

No entanto, embora não possamos alterar o DNA, as nossas células conseguem fazê-lo de uma forma muito subtil. Estamos a falar da Epigenética, um recente ramo da Biologia que tem intrigado os geneticistas.

A comunidade científica olhou sempre para o DNA como uma molécula estável, incapaz de sofrer alterações. Cada um de nós tem um código genético que permanece inalterável ao longo da vida.

Em parte, isto é verdade, mas não na sua totalidade. Nas últimas décadas, a ciência descobriu outras formas de modificar a molécula de DNA, explicadas pela Epigenética.

“Ao contrário do que podemos pensar, o destino genético não é predeterminado”, escreveu Aubrey Milunsky, no seu livro “Your Genetic Destiny: Know Your Genes, Secure your Health, Save your Life”, publicado em 2001. “Apesar da nossa herança genética, há muito que podemos fazer para garantir a nossa saúde – e até mesmo salvar a nossa vida e a dos nossos familiares”.

Epigenética – o novo ramo da Biologia que veio intrigar os geneticistas

A informação que está codificada nos nossos genes é “lida” e convertida no seu produto final, proteínas. Este é conhecido como o Dogma Central de Biologia.

De uma forma simplificada, e para melhor compreensão, podemos dizer que cada gene tem as instruções necessárias para produzir, pelo menos, uma proteína, num processo designado por expressão genética.

Estas proteínas, por sua vez, desempenham um role de funções essenciais que determinam as nossas características físicas e intelectuais.

A molécula de DNA é composta por quatro bases – adenina, citosina, guanina e timina (A, C, G e T). A forma como estas bases se conjugam, ao longo da cadeia de DNA, determina o nosso código genético, que é único para cada indivíduo.

De facto, este código é estável e não sofre alterações ao longo da vida. Porém, existem mecanismos que afetam a forma como o DNA é lido e que são explicadas pela Epigenética, o mais recente ramo da Biologia.

A Epigenética é a ciência que explica as mudanças que afetam a expressão genética sem alterar o código genético. O nome “epi” deriva da palavra grega “além”. Epigenética significa, portanto, “além do genoma” e procura explicar estes processos subtis que alteram a forma como o DNA é lido.

Por outras palavras, podemos dizer que enquanto a Genética se ocupa da informação que está nos genes, a Epigenética explica a forma como essa informação é interpretada.

É óbvio que os genes desempenham um papel muito importante na determinação da nossa identidade, mas esta não deixa de ser uma versão muito simples do processo. As alterações epigenéticas afetam a forma como o código genético é lido, levando à ativação e/ou desativação de determinados genes.

Curiosamente, as alterações epigenéticas estão intrinsecamente ligadas aos nossos comportamentos e são afetadas pelo ambiente externo – o tipo de alimentação ou a prática de exercício físico podem levar a mudanças epigenéticas que, por sua vez, alteram o processo de expressão genética.

Tudo isto acontece sem alterar a sequência de DNA. Este tipo de alterações genéticas são, portanto, reversíveis.

De que forma é que a Epigenética modifica o DNA?

Se a sequência de DNA é exatamente a mesma e não é alterada ao longo da vida, de que forma é que estas misteriosas alterações epigenéticas acontecem? Pode ser confuso, mas vamos tentar simplificar.

Embora não seja possível alterar a sequência de DNA, há outras formas de o modificar. Uma delas é conhecida como metilação, o processo de adição de um grupo químico metil.

Quando um ou mais grupos metil são adicionados a um gene, as proteínas responsáveis pela expressão genética não se conseguem ligar ao DNA. Por conseguinte, a leitura de DNA não acontece e este gene fica desativado. A metilação, e os grupos metil, podem ser vistos como marcadores que impedem a leitura do DNA.

Um outro tipo de alteração epigenética é feito através de histonas. As histonas são proteínas que se ligam ao DNA e o ajudam a enrolar-se, sob a forma de cromossomas.

Ora, quando o DNA está empacotado, em torno de várias histonas, está menos acessível às proteínas responsáveis pela sua “leitura”. Como tal, esta parte do DNA não será expressa. As histonas funcionam assim como desactivadores de genes, tal como os grupos metil.

Tanto a metilação como as histonas interagem com o DNA de forma a tornar os genes mais ou menos acessíveis à sua leitura e consequente expressão genética. É uma inteligente forma de “ligar” e “desligar” genes, sem alterar a sua sequência.

“Mudanças epigenéticas incluem também alterações na expressão genética durante a embriogénese (desenvolvimento do embrião), que pode levar a que um único ovo fertilizado indiferenciado se transforme numa gama de diferentes tipos de células e tecidos (cérebro, coração, músculo, etc) no embrião em desenvolvimento”, afirma David Scott Wishart, professor do Departamento de Ciências da Computação e Ciências Biológicas da Universidade de Alberta.

Estas e outras mudanças epigenéticas influenciam a forma como os nossos genes são expressos ao longo da nossa vida, contribuindo assim para o nosso “destino genético”.

Quais são as causas das alterações epigenéticas?

Quanto à razão por detrás destas mudanças, existem inúmeras razões, explicou Wishart.

“As mudanças epigenéticas surgem através de gradientes químicos ou de proteínas dentro das células (embriogénese) ou através da ação de substâncias químicas, proteínas ou pequenos fragmentos de RNA (siRNA, miRNA), que levam a alterações reversíveis na forma como o DNA é lido e transcrito”.

“Alterações epigenéticas, podem também surgir através da oxidação do DNA (através de produtos químicos) ou ainda da expressão de certas proteínas ou fragmentos de RNA que interferem na expressão genética”, acrescentou Wishart.

O ambiente em que estamos inseridos pode também desempenhar um importante papel neste processo. “Alguns destes efeitos podem dever-se ao stress, dieta, exposição a certos produtos químicos, vírus, bactérias e até à presença de certas proteínas. De uma forma geral, as mudanças epigenéticas refletem os efeitos ambientais no genoma”.

No entanto, Wishart acrescenta que este é um acontecimento raro. “Muitas das exposições ambientais a que estamos sujeitos não levam a alterações epigenéticas”.

“É importante observar que tipo de ambientes se convertem em eventos epigenéticos. O ambiente por si afeta-nos muito mais do que ao DNA e alguns destes efeitos são muito mais profundos e significativos para a nossa saúde do que eventos epigenéticos ou mesmo mutagénicos”, acrescenta.

Quais os efeitos por detrás da Epigenética?

As alterações epigenéticas podem ter um efeito profundo na expressão dos nossos genes e, portanto, no nosso destino genético. Mas como é que estas alterações afetam o nosso desenvolvimento, o nosso fenótipo e a nossa saúde?

De facto, as alterações epigenéticas que acontecem nos nossos genes podem influenciar os nossos descendentes e até mesmo os nossos “netos”, tornando-nos em autênticos ditadores do destino para as próximas gerações.

Segundo Wishart, a Epigenética é fundamental no desenvolvimento do embrião humano. Esta desempenha um crucial papel na formação dos nossos órgãos e na diferenciação de células e tecidos.

Já em idade adulta, as alterações epigenéticas influenciam o desenvolvimento de doenças como a obesidade, cancro, diabetes e doenças cardíacas. “Estas doenças são ambientais”, explicou.

“Algumas destas modificações podem ser causadas por, por exemplo, uma dieta pobre. Contudo, mesmo que uma pessoa altere a sua dieta para uma alimentação saudável, as modificações epigenéticas podem persistir ainda durante algum tempo e podem até ser transmitidas às gerações seguintes”.

É também importante ressalvar que as alterações epigenéticas não acontecem só em humanos. No Reino Animal, a epigenética pode afetar a determinação do sexo em tartarugas, que por sua vez depende da temperatura. Já no mundo das plantas, a epigenética pode influenciar, por exemplo, o processo de floração.

Genética, epigenética, e que mais?

Quando se trata de destino, sabemos que a genética tem um papel crucial. Mais recentemente, ficamos a saber que a Epigenética é também importante e que a sua influência não deve ser negligenciada. Mas qual destas tem um maior peso no balanço do destino genético?

O código genético é mais importante para determinar o nosso destino do que a epigenética”, clarifica Wishart. “No entanto, tanto a genética como a epigenética desempenham um pequeno papel no nosso destino em geral.”

“Há outros fatores mais importantes que não são genéticos nem epigenéticos. Efeitos diretos do ambiente, alimentação, estilo de vida, microbioma, exposição a bactérias e vírus desempenham um papel muito maior na determinação da nossa saúde, qualidade de vida e, até, quanto tempo iremos viver.”

Todos estes fatores fazem parte do expossoma, um termo bastante recente, sugerido por Christopher Paul Wild, em 2005.

O expossoma é nada mais do que o conjunto de todos os fatores ambientais e externos capazes de afetar o nosso organismo. Grande parte destes fatores não estão relacionados com o DNA, mas sim com as nossas proteínas, tecidos, células ou órgãos.

Segundo Wishart, apenas 5% das mortes podem ser explicadas através dos nossos genes. “Os outros 95% das mortes são o resultado daquilo a que fomos expostos.

Bactérias e infeções virais causam cerca de 30% de todos os cancros; a exposição ao fumo ou à poluição do ar mata dezenas de milhões de pessoas devido aos danos diretos provocados nos tecidos pulmonares; uma alimentação desequilibrada é responsável pela maioria das doenças cardíacas, derrames e diabetes.”

Embora os nossos genes sejam, até certo ponto, responsáveis pela determinação das nossas características, não podemos equipará-los a uma bola de cristal, capaz de revelar o futuro. O DNA não prevê, necessariamente, o nosso destino, e tal não se deve apenas à epigenética.

O expossoma tem um contributo muito maior naquilo que será a nossa vida enquanto seres humanos. Felizmente, o expossoma é o único fator da equação que podemos controlar.

“É difícil mudar o nosso genoma, mas é fácil mudar o expossoma”, terminou, assim, Wishart. “É por isso que o nosso destino está nas nossas mãos, e não no DNA.”

Patrícia Carvalho, ZAP //

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1 Comment

  1. Assunto com mais de 10 anos de existência. Nada de novo, mas algo importante para os que vende predição pelo DNA.

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