“O jogo acabou”. Deputados Tory pedem demissão de Truss (e até Biden lhe puxou as orelhas)

Os rumores passaram a palavras a alto em bom som e já três deputados pediram publicamente a demissão de Liz Truss. A primeira-ministra britânica vai reunir-se com os parlamentares nos próximos dias, mas as fontes de Downing Street admitem que a posição é muito frágil.

O recuo de Truss nos cortes de impostos que tinha proposto e a demissão de Kwasi Kwarteng do cargo de Ministro das Finanças não está a acalmar os seus opositores internos — pelo contrário, o rebuliço dentro do Governo está apenas a convencer mais os Conservadores de que a primeira-ministra não é a pessoa certa para liderar o Reino Unido, que está à beira de uma recessão económica.

Já na semana passada circulavam burburinhos na imprensa britânica de que vários deputados e membros do Comité 1922, que define as regras do partido e é fundamental para a convocação de eleições internas, estavam insatisfeitos com o trabalho de Truss no seu primeiro mês em Downing Street, especialmente depois da turbulência que o seu mini-orçamento causou nos mercados.

“Já chega”

Agora, há mesmo deputados a pedirem a cabeça de Truss em público. O primeiro foi o veterano Crispin Blunt, que considera que “o jogo acabou” para a primeira-ministra. Numa entrevista ao Channel 4, Blunt lembra que haverá eleições em 2024 e acusa a liderança de Truss de pôr em causa o futuro dos Conservadores.

“Temos apenas dois anos até a próxima eleição e temos que nos controlar e mostrar ao país que somos capazes de fazer investimentos sólidos e ter uma administração sólida. As últimas semanas foram chocantes, recebemos uma lição muito dura dos mercados, estamos a aprender uma lição ainda mais dura nas sondagens, e temos que nos organizar para que o país tenha um Governo efectivo nos próximos dois anos”, atira o deputado.

Blunt acrescenta que ficaria “muito, muito surpreendido” se houvesse “pessoas dispostas a sacrificarem-se” para defenderem Truss. “A maioria dos deputados percebe claramente que a autoridade da primeira-ministra Liz Truss está fatalmente danificada. Precisa de sair agora, uma vez que não consegue ganhar ou manter a confiança dos seus colegas, muito menos do público e dos incansáveis media”, refere ainda num comunicado que publicou no seu site.

“O nosso partido tem de responder colectivamente a este momento de crise suprema para nós. A nomeação de Jeremy Hunt é uma parte necessária, mas insuficiente da mudança no topo. Uma equipa de liderança com Rishi Sunak, Penny Mordaunt e Jeremy Hunt, apoiada por uma maioria substancial do partido parlamentar, traria um enorme alívio ao país”, recomenda.

Andrew Bridgen rapidamente ecoou o sentimento de Blunt. Bridgen, que apoiou Rishi Sunak na corrida à liderança dos Conservadores, acusa Truss de ser “afundado a sua liderança e o potencial regresso do seu antecessor, tudo ao mesmo tempo e em tempo recorde”, cita o The Telegraph.

O deputado vai ainda mais longe e diz que a primeira-ministra está “cercada” e “ficou sem amigos“. “A sua campanha apenas teve o apoio de um terço dos deputados. Devemos esperar mais fogo de artifício no Parlamento esta semana. A não ser que isto seja resolvido rapidamente, estamos a caminho de uma eleição geral”, aponta, isto depois de Truss já ter descartado este cenário na semana passada.

Já Jamie Wallis acusa Truss de ter prejudicado “a credibilidade económica britânica” e de ter fracturado os Conservadores “de forma irreparável“. “Já chega. Escrevi-lhe uma carta onde lhe peço que se demita por já não ter a confiança deste país”, refere no Twitter. Wallis revela ao The Telegraph que está a ponderar sair dos Tories caso Truss continue na liderança.

Biden passa raspanete a Truss

As críticas à primeira-ministra britânica até já estão a vir do outro lado do Atlântico. Se já tinha deixado claro que não era fã dos planos de Truss para reverter o protocolo da Irlanda do Norte assinado com a União Europeia por causa do Brexit, Biden revela agora que também não é adepto das políticas económicas da primeira-ministra.

“Não fui o único a pensar que era um erro. Acho que a ideia de cortas nos impostos aos mais ricos numa altura [como esta] – enfim, discordo da medida, mas acho que fica ao critério da Grã-Bretanha fazer esse julgamento, não a mim.”

Biden disse ainda que não “está preocupado com a força do dólar”, que tem ganhado terreno face à desvalorização do euro e da libra, mas sim “com o resto do mundo”.

Truss reúne-se com deputados em rebelião

Cercada de críticas, a primeira-ministra está a tentar acalmar os ânimos e evitar ser a próxima vítima de um regicídio dentro do seu próprio partido. Truss vai reunir-se com os seus Ministros em Downing Street esta noite e terá encontros nos próximos dias com os deputados descontentes com o seu trabalho.

A incerteza não tem sido acalmada pelos comentários de Jeremy Hunt, com o novo Ministro das Finanças a não descartar nenhum cenário, desde mais recuos nas medidas do mini-orçamento até mais cortes na despesa pública.

O Governo está agora à espera para poder acessar a resposta dos mercados à mudança do Ministro das Finanças, no meio de receios de que a queda livre da libra pode continuar e levar a que a moeda britânica em breve valha tanto como o dólar.

No domingo, Truss recebeu um apoio de peso vindo de Penny Mordaunt, que também foi candidata à liderança, a escrever uma coluna de opinião no The Telegraph onde apela aos colegas de partido para não correrem com a primeira-ministra.

Para Mordaunt, o país precisa de “estabilidade, não de uma novela“. “A missão nacional é clara, como disse a primeiro-ministra. É nisso que todos nos devemos concentrar agora. Precisa de pragmatismo e trabalho em equipa. Precisa que trabalhemos com a primeira-ministra e o seu novo Ministro”, refere.

No entanto, este apoio deve ser insuficiente e fontes de Downing Street reconhecem que a posição da primeira-ministra é frágil. “A sua decisão de incluir o Jeremy dá-nos algum tempo. O orçamento será muito diferente agora. Mas estamos a levar isto um dia de cada vez”, cita o The Guardian.

Outra fonte governamental considera que a demissão de Truss seria “uma aposta muito arriscada” para o partido, já que não há um sucessor óbvio. Um rebelde dentro do partido, no entanto, diz não saber “como a Liz vai sobreviver”. “O Jeremy é um homem bom, mas a credibilidade dela está abaixo de zero“, acusa.

 

Tories podem perder 219 lugares

Mesmo que consigam afastar Liz Truss, as dores de cabeça dos Conservadores estão longe de ficarem por aqui. Se o país for a eleições antecipadas — algo que as sondagens mostram ser a vontade da maioria dos britânicos — os Tories arriscam sofrer uma derrota histórica.

Uma sondagem da Opinium feita para o Congresso dos Sindicatos estima que, se as eleições fossem agora, os Trabalhistas teriam uma enorme vitória semelhante à que alcançaram em 1977, conquistando 411 dos 650 lugares da Câmara dos Comuns.

Já os Conservadores sofreriam uma pesada derrota, perdendo 219 deputados e ficando apenas com 137 lugares. A sondagem indica ainda que os Ministros Jeremy Hunt, Jacob Rees-Mogg e Thérèse Coffey perderiam os seus lugares, assim como o ex-primeiro-ministro Boris Johnson.

Adriana Peixoto, ZAP //

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