Após muita contestação interna e o crash da libra, o Governo britânico voltou atrás na proposta para abolir o escalão mais alto de IRS. O mini-orçamento está a fazer mossa na popularidade de Liz Truss, que está na chefia do Governo há menos de um mês.
Depois de muitas críticas e agitação nos mercados, o Governo de Liz Truss decidiu voltar atrás na intenção de abolir a taxa de IRS de 45% aplicada aos britânicos com rendimentos mais altos. O anúncio da decisão foi feito pelo Ministro das Finanças, Kwasi Kwarteng, na manhã desta segunda-feira, no Twitter.
“Nós percebemos e ouvimos”, escreveu Kwarteng, que justifica o recuo dizendo que a medida se tornou uma “distração” de outras medidas previstas no mini-orçamento, como os limites nos preços da energia, e também da “missão primordial” do Governo de “responder aos desafios que o nosso país enfrenta”.
Esta é uma grande reviravolta nas políticas financeiras do novo executivo, que sempre assumiu a inspiração thatcheriana e tomou posse há pouco mais de três semanas. Nas várias entrevistas que deu a explicar o conteúdo do seu mini-orçamento, Kwarteng negou que os receios dos mercados tenham sido causados pelo anúncio das medidas, atirando as culpas para a conjectura internacional.
O Ministro das Finanças também se mostrou confiante sobre o impacto das medidas na recuperação económica, apesar de os cortes de impostos previstos no pacote serem financiados com mais endividamento, numa altura em que os juros da dívida pública estão a disparar.
Mas estas justificações não serviram para acalmar os mercados, que olharam com desconfiança para o pacote devido à falta de previsões económicas a longo prazo e à ausência de planos sobre como controlar a dívida. A venda em massa de várias classes de activos fez com que a libra caísse para mínimos históricos face ao dólar.
O próprio Banco de Inglaterra alertou para os “riscos reais para a estabilidade financeira britânica” e anunciou que irá voltar a subir os juros caso a inflação, que já está perto dos 10%, não abrande. As medidas também valeram um raspanete do Fundo Monetário Internacional ao Governo de Truss.
A mudança súbita surgiu depois de Downing Street se ter apercebido da oposição que as medidas tinham dentro dos próprios Conservadores, após o início do congresso partidário no fim-de-semana. Isto fez o Governo temer não conseguir o apoio de um número suficiente de deputados para a aprovação do pacote na Câmara dos Comuns.
Numa entrevista com a rádio BBC1, Kwarteng disse assumir a “responsabilidade” pela proposta de corte de impostos aos mais ricos. “Eu disse que ouvi. Eu entendo a reacção. Falei com muitas pessoas por todo o país, falei com os deputados e outras pessoas no nosso sistema político. Acima de tudo, ouvi os eleitores“, explica.
O responsável pelas Finanças acrescenta que decidiu “com a primeira-ministra” que a medida devia cair por estar a “afogar o bom pacote de intervenção na energia, um pacote forte de cortes nos impostos para a população no geral”.
Questionado sobre se este recuo deixa a sua credibilidade fragilizada, Kwarteng fugiu à pergunta, dizendo antes que está “100% focado” no plano de crescimento.
A verdade é que o impacto da reversão da medida foi logo sentido nos mercados, com a libra a recuperar e a voltar aos níveis antes do anúncio do mini-orçamento, valendo 1,125 dólares a certo ponto. Já ao longo da manhã voltou a cair ligeiramente para 1,119 dólares, nota o The Guardian.
Tombo na popularidade de Truss
Não são só os mercados internacionais que estão a olhar com apreensão para estas primeiras semanas agitadas de Liz Truss como primeira-ministra britânica — a prestação da líder do Governo também não está a agradar à população.
De acordo com uma nova sondagem do Observer, a popularidade de Truss é mais baixa do que a de Boris Johnson quando este se demitiu. A taxa de aprovação da primeira-ministra caiu de -9 para -37 em apenas uma semana, com apenas 18% dos inquiridos a aprovarem o seu trabalho, enquanto que 55% lhe dão nota negativa.
Estes valores significam que Truss está com uma popularidade mais baixa do que a de Boris Johnson na última sondagem antes da sua demissão, quando o ex-primeiro-ministro tinha uma taxa de aprovação 28 pontos no vermelho. No entanto, Truss continua acima valor mais baixo conseguido por Boris, que chegou a ter uma aprovação de -42 no pico do escândalo do Partygate.
A grande maioria dos eleitores (75%) considera que o Governo perdeu o controlo da crise económica e apenas 18% aprovam a sua resposta, incluindo 71% dos próprios eleitores Conservadores em 2019. 61% de todos os inquiridos acreditam que o mini-orçamento é uma má proposta e o valor também chega aos 56% dos eleitores que votaram no partido em 2019.
Dada esta má reacção da população ao pacote de medidas, não é surpreendente que a popularidade de Kwasi Kwarteng também tenha sofrido — apenas 15% aprovam o seu trabalho enquanto que 55% o chumbam.
O caos dos últimos dias complicou ainda mais as esperanças do partido de continuar no poder após as eleições de 2024. Uma sondagem publicada no The Times dá uma vantagem de 33 pontos percentuais ao Partido Trabalhista, algo inédito e que evidência a impopularidade do partido que está no poder há 12 anos.
Outra sondagem do instituto YouGov mostra ainda que 51% dos britânicos pensam que Liz Truss, que está no cargo há menos de um mês, devia demitir-se, incluindo 36% dos eleitores Conservadores.