As contradições e perguntas sem resposta na novela da TAP

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António Cotrim / LUSA

A presidente executiva da TAP, Christine Ourmières-Widener

Desde os motivos da demissão, passando por supostas intereferências políticas na administração da TAP, há muitas questões em aberto levantadas pelas audições parlamentares.

As polémicas em torno da TAP não dão sinais de abrandar. Desde quem sabia da indemização a Alexandra Reis passando por alegadas pressões políticas do Governo à presidente executiva da TAP, as audições parlamentares a Christine Ourmières-Widener e a Alexandra Reis estão a dar pano para mangas.

Um dos cernes de toda a situação é quem é que, afinal, decidiu demitir Alexandra Reis. As dúvidas surgiram depois de o PSD ter revelado que a gestora tinha posto o cargo à disposição em Dezembro de 2021, pouco antes da sua demissão, sendo que, neste cenário, poderia não ter tido direito à indemnização de 500 mil euros.

Nas declarações aos deputados, Christine Ourmières-Widener garantiu que a decisão foi sua, já que queria fazer uma reestruturação administrativa que iria extinguir o cargo da ex-Secretária de Estado.

A CEO considerou ainda que Alexandra Reis não tinha “perfil” para continuar na companhia aérea e diz que informou o então Secretário de Estado das Infraestruturas, Hugo Mendes, a 18 de Janeiro de 2022, da sua intenção de demitir a gestora.

Na sua audição, Alexandra Reis confirmou esta versão, tendo clarificado que a presidente executiva lhe terá mesmo dito: “Quero que saias da empresa“. Esta demissão terá acontecido durante uma “reunião muito curta”, presencial, a 25 de Janeiro de 2022.

A administradora afirma ainda que não contestou a saída “porque não queria, de forma alguma, criar um problema institucional no seio da comissão executiva da TAP”.

Os motivos da demissão

Apesar de concordarem sobre quem deu o primeiro passo para a demissão, Alexandra Reis e Christine Ourmières-Widener já dão versões diferentes sobre as razões para esta saída.

A CEO afirma que a ex-Secretária de Estado simplesmente não tinha o “perfil” desejado para ocupar o novo cargo de Chief Strategy Officer, mas Alexandra Reis considera que “as razões não são claras” e diz que não se revê na justificação de “divergências irreconciliáveis” apontada no relatório da Inspecção-Geral das Finanças.

“O que posso dizer é que, relativamente à minha actuação na empresa, sempre tive uma relação cordial e de trabalho com todos os membros do conselho de administração e da comissão executiva”, afirma.

No entanto, a gestora nota que discordou de Widener em sete temas — a mudança da sede da TAP, a renovação da frota automóvel, a contratação de altos quadros, o possível contrato com uma empresa onde trabalha o marido da CEO, a conversão de um empréstimo acionista em capital da TAP, a contratação dos ATR e alguns aspectos em torno do plano de reestruturação.

Apesar das divergências, Alexandra Reis sublinha que sempre manifestou as suas opiniões “de forma muito construtiva”.

 

Quem negociou a indemnização?

Menos claro ainda é quem é sabia do quê no processo de demissão e sobre o valor da indemnização paga a Alexandra Reis. Christine Ourmières-Widener sacode as culpas e garante que apenas fez a ponte entre os advogados e o Governo.

A gestora realça que recebeu uma mensagem de Hugo Mendes, a 2 de Fevereiro de 2022, a informar que Pedro Nuno Santos deu luz verde ao pagamento da compensação e que podia fechar o processo de demissão.

Gonçalo Pires, administrador financeiro da TAP, garante, por sua vez, que não esteve envolvido no processo e só soube alguns dias antes de forma informal. “Não estive na decisão, na elaboração, na negociação, nas conversas com advogados, nem com a tutela, nem conhecia os termos”, referiu na audição no Parlamento, apesar de afirmar que a saída de Alexandra Reis já era esperada porque “já era conhecida a intenção da CEO de fazer alterações na comissão executiva”.

Esta versão contraria as declarações da gestora francesa, que afirma ter tido “mais do que uma conversa” com Gonçalo Pires sobre os termos do acordo. No entanto, a CEO não confirma se o administrador financeiro sabia do valor da indemnização.

Pressões políticas e voo de Marcelo

As audições parlamentares também levantaram dúvidas sobre alegadas pressões políticas aos administradores da TAP. Alexandra Reis garante que nunca teve qualquer problema, mas Christine Ourmières-Widener tem uma versão diferente e diz que a “alta pressão política” dificultou o seu trabalho.

“Tem sido muito difícil e ainda é. É triste ver que toda a gente quer criticar e garantir que a companhia não chega a bom porto”, lamentou a gestora. Questionada pela Iniciativa Liberal sobre um email de Hugo Mendes, a CEO confirmou que o Secretário de Estado lhe pediu para adiar um voo para que Marcelo Rebelo de Sousa pudesse prolongar uma visita a Moçambique.

No email, Hugo Mendes terá realçado a importância do apoio do Presidente da República à companhia aérea. “Ele tem-nos apoiado relativamente à TAP, mas se o humor dele muda, está tudo perdido. Não estou a exagerar: ele é o nosso principal aliado político, mas pode tornar-se no nosso maior pesadelo“, escreveu.

Widener diz que fez questão de verificar se o pedido era mesmo oriundo de Belém. “No fim, não fiquei surpreendida ao perceber que o Presidente da República nunca nos pediria para mudar um voo, que teria impacto no resto dos passageiros”, afirma.

A Presidência da República também já garantiu que “nunca contactou a TAP, nem nenhum membro do Governo sobre tal assunto”. Fica assim em aberto qual terá sido o objectivo do pedido para adiar o voo e de quem terá partido.

Outro caso de intereferência política terá sido uma reunião com deputados do PS e membros do Governo a 17 de Janeiro de 2023, na véspera da sua primeira audição parlamentar, onde foi explicar as circunstâncias da demissão de Alexandra Reis.

A gestora francesa afirma que estiveram presentes vários “assessores, adjuntos e chefes de gabinete” do Ministério das Infraestruturas e que o encontro partiu de uma iniciativa do Governo.

No entanto, esta versão foi rejeitada por João Galamba, com o Ministro a frisar que foi a TAP, no dia 16 de Janeiro, que transmitiu “o seu interesse em participar na reunião com o Grupo Parlamentar do PS”, algo a que não se opôs, dado ser uma prática comum de “partilha de comunicação”. O deputado socialista Carlos Pereira acusou também os partidos da oposição de “criar casos e ‘casinhos’”.

Já na quarta-feira, o Ministério dos Assuntos Parlamentares referiu que só fez a “ponte” para marcar a reunião virtual, já que isso lhe foi solicitado, e que não incluiu por sua iniciativa convites Christine Ourmières-Widener.

Ana Catarina Mendes também afasta contradições nas reacções do Governo. “Não há nenhuma contradição. Leiam as duas respostas”, declarou.

 

Adriana Peixoto, ZAP //

3 Comments

  1. Sr. Presidente da República tenha coragem para demitir esta cambada de pseudo-governantes. Lá fora já consideram este desgoverno uma autêntica anedota. Até o sr. já começa a ficar chamuscado.

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