José Coelho / Lusa

O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, tem o poder de veto político nas suas mãos.
Todos os cidadãos da CPLP necessitarão de visto para entrar em Portugal caso lei siga em frente. Marcelo estará dividido. Brasil está atento e lembra “estatuto especial” de portugueses no Brasil.
A lei de estrangeiros, proposta de lei conjunta da Aliança Democrática (AD) e do Chega aprovada na quarta-feira na Assembleia da República, altera a entrada em Portugal de cidadãos lusófonos, que passam a ter de pedir na origem um visto de trabalho ou de residência para obterem autorização de residência.
Atualmente, no caso dos timorenses e brasileiros, podem entrar em Portugal como turistas sem visto e depois requererem a autorização de residência. Em relação aos restantes cidadãos da comunidade, devem apresentar vistos de turismo na entrada do país e depois pedir as autorizações de residência.
Mas caso esta lei venha a ser promulgada pelo Presidente da República, todos os cidadãos da CPLP necessitarão de visto para entrar em Portugal, mesmo para turismo (com a exceção de timorenses e brasileiros).
Marcelo está acordado (e pode vetar)
O diploma já foi enviado para promulgação pelo Presidente da República, que estará ainda de pé atrás. Isto porque Marcelo Rebelo de Sousa promulgou outros dois diplomas — a criação da Unidade Nacional de Estrangeiros e Fronteiras (UNEF) e alterações ao IRS — no dia em que lhe chegou o diploma da lei dos estrangeiros às mãos, que optou por não promulgar de imediato.
O Expresso avança que o presidente poderá enviar a lei para fiscalização preventiva no Tribunal Constitucional ou mesmo vetá-la politicamente.
A oposição à esquerda do PSD também está mobilizada contra esta legislação. O PS, que não pode pedir fiscalização preventiva neste caso, admite recorrer à fiscalização sucessiva caso Marcelo não intervenha.
“Grande preocupação” no Brasil
O secretário de Estado das Comunidade portuguesas disse esta quinta-feira que o Governo brasileiro lhe transmitiu “grande preocupação” relativamente à nova lei.
“Essa foi claramente a grande preocupação que me foi transmitida pela senhora ministra-adjunta. Há neste momento uma grande preocupação e apreensão no brasileiro com esta alteração à leis estrangeiras e fronteiras”, afirmou à Lusa Emídio Sousa.
Emídio Sousa terá procurado transmitir à secretaria-geral das Relações Exteriores do Brasil, a embaixadora Maria Laura da Rocha, que esta lei não é contra o imigrante brasileiro.
“O que eu procurei transmitir à senhora ministra é que Portugal sentiu a necessidade de olhar para a situação da imigração com muita urgência, porque recebemos nos últimos seis anos, cinco, seis anos, um excesso de pessoas e que este processo completamente desregulado que estava a acontecer, não estava a ser bom nem para quem procura Portugal, nem para quem lá está”, disse, frisando que “estava a ser, do ponto de vista humanista, mau”.
“Nós como país, um Estado de direito que somos, um país humanista, um país de imigrantes que somos, e fomos e seremos” e onde “as questões sociais são levadas muito a sério”, não pode “aceitar que as pessoas cheguem a Portugal e não tenham condições dignas de vida”, sublinhou Emídio Sousa.
“Nós queremos e vamos continuar a precisar de receber imigrantes em Portugal”, garantiu o secretário de Estado, até porque existem vários setores de atividades económicas que precisam da força de obra imigrante.
“Nós temos essa plena consciência e queremos continuar a receber imigrantes, só que não pode ser desta forma absolutamente descontrolada, que provocou fenómenos que nós já tínhamos erradicado há anos”, insistiu o responsável, acrescentando que “o país manifestamente não tinha nem tem condições assim imediatas para responder a esta avalanche de pessoas”.
Emídio Sousa, desta forma, disse que procurou transmitir que “não é nada nem de perto nem de longe contra o imigrante brasileiro” até porque a comunidade brasileira “sempre bem vista e bem vinda a Portugal”.
“É muito mais pela defesa da dignidade do imigrante”, afirmou.
Brasil vai retaliar? Já deixou a “dica” a Portugal: “portugueses têm “estatuto especial” no Brasil
Quanto a possíveis medidas de reciprocidade por parte do Brasil já admitidas numa entrevista à Lusa no início de julho por parte do ministro da Justiça brasileiro, Emídio Sousa demonstrou preocupação.
Esta quinta-feira, o embaixador Carlos Sérgio Sobral Duarte, Secretário de África e de Oriente Médio do Ministério de Relações Exteriores, que chefia a delegação brasileira na cimeira, disse que o Governo brasileiro “acompanha com atenção” as alterações à lei dos estrangeiros e não deixou de lembrar “‘status’ privilegiado” dos portugueses imigrados no Brasil.
“quaisquer medidas que possam impactar a mobilidade ou a regularização migratória de nacionais brasileiros naquele país são acompanhadas com especial atenção”, frisou o responsável.
Até pelo “’status’ privilegiado de que gozam os cidadãos portugueses no Brasil”, razão pela qual a diplomacia brasileira vai realizar um nova reunião da Subcomissão Bilateral de Assuntos Consulares e de Circulação de Pessoas com Portugal em Brasília, afirmou.
“[Nesta ocasião] será debatida a implementação de iniciativas em prol do bem-estar de nossas comunidades expatriadas”, disse o embaixador, recordando que, no âmbito do Acordo sobre a Mobilidade CPLP, “o Brasil tem buscado dar plena implementação ao acordo”.
“O Brasil reforça, assim, seu compromisso com o aprofundamento dos laços que unem os povos de língua portuguesa”, concluiu.
Mesmo assim, Emídio Sousa acredita na “consciência” e “razoabilidade” da governação brasileira.
“Embora eu pense que há aqui a consciência da parte dos governantes do Brasil que Portugal não depende exclusivamente da sua vontade” porque Portugal está inserido no espaço Schengen e por isso sujeito “a regras que não são apenas de Portugal, são da União Europeia”.
“Eu penso que os governantes brasileiros também têm essa consciência e eu espero que haja toda uma consciência, uma razoabilidade, em qualquer medida, que perceba este condicionamento que Portugal tem”, disse.
Família, trabalho, tribunais. O que muda?
Reagrupamento familiar
Uma das alterações mais impactantes incide sobre o reagrupamento familiar, que passa a estar limitado a residentes com autorização válida há pelo menos dois anos.
Além disso, será necessário provar que os familiares viveram anteriormente com o residente noutro país ou que dependem financeiramente dele.
A nova legislação exige ainda que o requerente tenha habitação adequada e meios de subsistência suficientes, sem recorrer a apoios sociais. A integração dos membros do agregado familiar passa também a depender do cumprimento de obrigações como a aprendizagem da língua portuguesa e dos valores constitucionais.
O prazo para análise dos pedidos de reagrupamento familiar aumenta de três para nove meses, sendo eliminada a figura do deferimento tácito. A apreciação dos pedidos poderá considerar fatores de ordem, segurança e saúde públicas, incluindo critérios definidos pela Organização Mundial de Saúde.
Restrição de vistos de procura de trabalho
Outra mudança relevante é a restrição dos vistos de procura de trabalho, que passam a ser atribuídos apenas para “trabalho qualificado”. Estes vistos destinam-se a estrangeiros com competências técnicas especializadas, cujo enquadramento será posteriormente regulamentado pelo Governo.
Entrou ilegal? 5 a 7 anos de penalização
A nova lei introduz igualmente uma interdição de reentrada em Portugal, durante cinco anos, para quem tenha entrado ou permanecido de forma ilegal. Este período pode ser alargado até sete anos em casos considerados como ameaça grave à ordem ou segurança públicas.
Acesso limitado aos tribunais
O acesso dos imigrantes aos tribunais também vai sofrer caso a lei seja aprovada.
O recurso à justiça administrativa só será possível quando estiver em causa uma violação grave e irreversível dos direitos fundamentais, que não possa ser salvaguardada por meios cautelares.
ZAP // Lusa