As comunidades ciganas têm um desfasamento de cerca de 30 anos em relação à restante comunidade, mas esta realidade está a mudar, uma vez que as mulheres, que definem a cultura cigana, estão a emancipar-se.
Prova disso está na realização do primeiro Encontro Nacional de Mulheres Ciganas, iniciativa que a Comissária para a Imigração e Diálogo Intercultural classifica como “histórica”.
“É a primeira vez que as mulheres ciganas se organizam e tentam tornar-se mais visíveis”, disse Rosário Farmhouse, explicando que o encontro servirá para discutir os seus problemas e desafios.
A responsável pela organização do evento e presidente da Associação para o Desenvolvimento das Mulheres Ciganas em Portugal (AMUCIP), Olga Mariano, lembra que as mulheres ciganas são “um veículo de mudança porque toda a cultura cigana assenta nos ombros das mulheres”.
De uma forma geral, nas comunidades machistas, as mulheres têm um papel preponderante no legado das tradições e na resistência no privado, acrescentou Mirna Montenegro, investigadora e consultora do Instituto de Comunidades Educativas para os projectos sobre as comunidades ciganas.
“Eu acho que o que se passa com as comunidades ciganas é uma décalage de 30 anos em relação à comunidade portuguesa porque eles reflectem exactamente os mesmos vícios e maleitas que nós tivemos quando aconteceu o 25 de Abril”, defendeu.
No entanto, Mirna Montenegro acredita que o caminho da emancipação da mulher cigana já está a ser feito, em parte graças à maior adesão à escolaridade.
Olga Mariano lembra que é preciso continuar a trilhar caminho, de forma a garantir que as crianças continuam os estudos. E, por isso, defende que o encontro serve também como alerta, para que as mães ciganas promovam os estudos dos seus filhos para que, “no futuro, possam ser tudo o que quiserem ser, independentemente de nunca deixarem de ser ciganos”.
Não se cansa de repetir que as mulheres ciganas são o veículo da mudança, mas será que a comunidade cigana reconhece o papel da mulher? “O reconhecimento é muito subtil. Para o resto da comunidade, sem dúvida que é o homem que manda. O homem não admite que pede opinião à mulher, mas sem sombra de dúvida que a mulher tem sempre uma palavra a dar, só que é por baixo do pano”, admitiu.
Rosário Farmhouse concorda que as mulheres ciganas têm um papel importante, mas muito invisível. Não deixa, no entanto, de acreditar que serão elas o motor da mudança, mas adivinha dificuldades e desafios, principalmente ao nível da igualdade de género.
“Esta noção do papel de cada um, do respeito entre cada um, da igualdade entre homens e mulheres, tem de ser mais desenvolvida dentro das comunidades ciganas”, apontou a Alta Comissária, frisando que esse trabalho não é exclusivo das comunidades ciganas.
Mirna Montenegro diz que há “um equilíbrio de algum poder no silêncio”, que as mulheres ciganas estão a adquirir, que aumenta consoante o nível de escolarização.
“Esse caminho está a ser feito paulatinamente, devagar, sem afrontar demasiado os poderes tradicionais, mas vai sendo feito, dentro das quatro paredes”, explicou.
Olga Mariano afirma que há tradições “muito bonitas”, mas não duvida que há outras que os ciganos podem “deixar pelo caminho”, como impedirem as meninas ciganas de estudarem, lembrando que a maior parte das mulheres se fica pelo quarto ano de escolaridade.
Durante o encontro, a violência doméstica será outro dos temas em debate, um fenómeno sobre o qual não há dados, sabendo-se apenas que são poucas as mulheres que fazem queixa à polícia ou pedem ajuda a associações.
/Lusa