Financiamento de contas vinculadas ao Hamas reacende debate sobre ativos digitais após o ataque do grupo radical islâmico a Israel. Organizações criminosas e terroristas usam criptomoedas para driblar leis e sanções.
Israel é uma das nove potências nucleares globais e possui um dos sistemas de defesa aérea mais avançados e interconectados do mundo. Há anos que o Iron Dome tem sido bastante eficaz em repelir ataques aéreos do Hamas — grupo radical islâmico que governa Gaza desde 2007 e é classificado como organização terrorista pela União Europeia, Estados Unidos, Alemanha, Japão, Israel e outros.
Em 7 de outubro de 2023, porém, o Hamas conseguiu superar tal sistema de defesa, disparando mais de 2 mil foguetes contra Israel a partir da Faixa de Gaza. Os atentados deixaram, até agora, mais de 1.400 mortos em cidades fronteiriças israelitas e num festival de música, e a retaliação militar de Israel já matou mais de 2.600 em Gaza.
Mas como é que o Hamas conseguiu juntar recursos para um ataque tão sofisticado contra um dos exércitos mais bem preparados do mundo? De acordo com os analistas, as criptomoedas tiveram um papel significativo.
O financiamento milionário do Hamas
Sendo uma organização terrorista, o Hamas enfrenta sanções e não participa no sistema bancário internacional. As medidas globais de combate ao financiamento do terrorismo rastreiam qualquer tentativa de arrecadação de fundos pelo grupo. Mesmo assim, os relatórios mostram que o Hamas recebeu financiamento considerável em forma de criptomoeda nos últimos anos.
Entre agosto de 2021 e junho de 2023, o Hamas recebeu 41 milhões de dólares (38 milhões de euros), de acordo com a empresa de software e análise de criptofinanças BitOK, sediada em Telavive. A Jihad Islâmica Palestina, cujos militantes se juntaram ao Hamas para o ataque, recebeu outros 93 milhões de dólares em criptomoedas, conforme a empresa de pesquisa do setor cripto Elliptic, com sede em Londres.
As brigadas Al-Qassam, a ala militar do Hamas, também receberam milhões de dólares em transferências de criptomoedas, segundo análise da Elliptic. Essas transferências vieram na forma de bitcoin, tether e outros ativos criptográficos, incluindo dogecoin, uma criptomoeda pela qual Elon Musk tem expressado simpatias, inicialmente inventada como uma brincadeira.
Alguns desses grupos estão até mesmo envolvidos em mineração de criptomoedas, segundo a Elliptic, o que lhes permite ganhar mais dinheiro com a manutenção básica das redes de dinheiro digital.
Criptografia permite driblar sanções
A mando do Hamas, Gaza enfrenta um isolamento económico severo por parte de diversos países. Os vizinhos Israel e Egito bloqueiam e restringem a circulação de mercadorias e pessoas.
Apesar das restrições, a revista americana Forbes nomeou o Hamas como um dos grupos terroristas mais ricos do mundo em 2014, quando a sua faturação anual foi estimada em até mil milhões de dólares. Esse valor provém de impostos e taxas, bem como de ajuda financeira e doações. Grande parte do financiamento do Hamas vem de palestinos no exterior ou contribuidores privados da região do Golfo.
O Irão é considerado um dos mais proeminentes financiadores do Hamas. De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, o país fornece ao Hamas e a outros grupos terroristas palestinos cerca de 100 milhões de dólares por ano. O Catar e a Turquia também têm apoiado o Hamas financeiramente.
As criptomoedas facilitaram o driblar de sanções em áreas consideradas hostis por parte de apoiantes do Hamas.
Em 2019, as brigadas Al-Qassam pediram, através do Telegram, que os apoiantes lhes enviassem bitcoins. “A realidade da jihad é o gasto de esforço e energia, e o dinheiro é a espinha dorsal da guerra“, escreveu o Hamas nessa publicação, anexando um endereço de carteira que acabaria por “sugar” cerca de 30 mil dólares em bitcoin naquele ano.
Autoridades investigam pagamentos
Em abril de 2023, o Hamas informou no Telegram que suspenderia a arrecadação de fundos por bitcoin, devido aos “esforços redobrados de inimigos contra todos os que tentam apoiar a resistência por meio da moeda”.
As criptomoedas ainda estão longe de ser a maior fonte de financiamento para o terrorismo, mas há um foco crescente em cortar esse canal do Hamas. Após os ataques terroristas de 7 de outubro, autoridades israelitas anunciaram ter congelado várias contas de criptomoedas ligadas ao Hamas e que o grupo havia organizado outro pedido para arrecadação de fundos nas redes sociais.
“A Unidade Cibernética de Polícia e o Ministério da Defesa tomaram medidas imediatas para localizar e congelar essas contas, com a ajuda da plataforma de criptomoedas Binance, a fim de direcionar os fundos para o tesouro do Estado”, disse um comunicado da polícia.
A Binance é a maior operadora de criptomoedas do mundo. No entanto, embora esteja a cooperar com as autoridades israelitas, também está sob investigação pelo papel indireto, porém significativo, que desempenhou no financiamento do terrorismo.
Nos últimos anos, autoridades tentaram apreender criptomoedas mantidas em dezenas de contas da Binance ligadas ao Hamas, conforme relatórios do The Wall Street Journal. O Departamento de Justiça dos EUA também está a investigar a empresa por deixar de prevenir lavagens de dinheiro.
Cumplicidade entre operadoras e terroristas?
As comunicações internas da Binance reveladas nos processos judiciais indicam que, embora a empresa não procure diretamente clientes que cometam crimes, está ciente e tolera essa prática.
Numa mensagem interna, o ex-chefe de compatibilidade Samuel Lim afirmou que os terroristas geralmente enviam pequenas quantias, uma vez que as grandes constituiriam lavagem de dinheiro. “Não dá para comprar um [fuzil] AK 47 por 600 dólares”, responde um colega.
A Binance não respondeu aos pedidos de comentário da DW.
A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que as criptomoedas correspondem a 20% do financiamento do terrorismo no mundo e a recente apreensão das contas do Hamas reacendeu este debate.
Críticos afirmam que as criptomoedas são a ferramenta de financiamento perfeita para criminosos, pois os pagamentos podem ser difíceis de localizar, fugindo assim às regulamentações financeiras.
ZAP // DW
Guerra no Médio Oriente
-
29 Outubro, 2024 Hezbollah tem novo líder. Quem é o xeque Naim Qassem?
-
25 Outubro, 2024 Guterres esteve com Putin. “É só paleio. Não foi nada tratar da paz”Também em: Guerra na Ucrânia
Falta referir que 80% do financiamento a terroristas e corruptos é feito na moedas mais conhecidas dollar e euros com a ajuda de bancos!
Olhei para as caras dos homens na foto que acompanha este artigo e tentei ler as expressões dos rostos que são todas muito semelhantes. Perante a situação de um palestino ferido, não é de ódio, não é de raiva, não é de sofrimento ou de impotência, são expressões de resignação.