Coco: o site de predadores que permitiu que Gisèle Pelicot fosse violada por 51 homens

Guillaume Horcajuelo/EPA

Gisèle Pelicot

“Parecia inocente, mas quando se entrava, era uma selva”. Website de chat anónimo abriu portas aos crimes que chocaram França e o resto do mundo.

Uma plataforma de chat anónimo lançada em 2003, Coco, foi encerrada pelas autoridades europeias em junho deste ano após ser associado a milhares de crimes horrendos, incluindo o caso que chocou França este ano: a violação em massa de Gisèle Pelicot, com o seu ex-marido ao leme.

Dominique Pelicot foi o principal responsável de orquestrar um plano absolutamente macabro, que culminou esta quinta-feira com a sua condenação à pena máxima de 20 de anos de prisão. Durante uma década, o francês utilizou o site Coco sob o pseudónimo “à son insu” (“sem o seu conhecimento”), para atrair meia centena de homens e os convidar a violar a sua mulher.

Era no Coco que Dominique encontrava outros violadores e coordenava os seus abusos. Alegava no site que ele e a esposa partilhavam fetiches sexuais, incluindo um que envolvia ter sexo enquanto ela estava inconsciente.

Contudo, as investigações revelaram que Dominique drogava Gisèle para permitir que os ataques sexuais ocorressem. Mas Gisèle, que entretanto se tornou um símbolo da luta de todas as vítimas de agressão e violência sexual, registou mais de 20 mil vídeos destes atos violentos e teve a coragem de os apresentar como provas em tribunal.

O caso culminou num julgamento em Avignon, onde esta quinta-feira 47 homens foram condenados por violação. Outros quatro foram condenados por tentativa de violação ou agressão sexual.

Homicídio, pedofilia e muito mais

Gisèle, inconsciente dos crimes durante anos, foi vítima de abusos horrendos facilitados pela ausência de moderação na plataforma Coco, frequentemente associada a assassinatos, abusos sexuais de crianças e ataques homofóbicos.

O Coco permitia que utilizadores criassem perfis com idades e identidades fictícias, criando um ambiente propício a atividades ilícitas. O site foi citado em mais de 23 mil relatórios de atividade criminal e vinculado a pelo menos 480 vítimas em investigações judiciais, segundo os procuradores franceses do caso Pelicot, citados pelo The Guardian.

Apesar do escrutínio, o site esteve mais de 20 anos imune à intervenção das autoridades.

“Parecia uma selva”

O site “parecia muito inocente”, recorda Sophie Antoine, responsável pela defesa legal da organização francesa de combate à prostituição infantil ACPE ao jornal britânico, “mas quando se entrava, parecia uma selva“.

Embora o site pedisse aos utilizadores para confirmarem que tinham mais de 18 anos, estes podiam rapidamente mudar de idade assim que obtivessem acesso à plataforma e conversar com um nome de utilizador inventado.

“Era muito acessível e muito explícito — não havia qualquer controlo sobre isso“, disse Antoine, que detalhou o conteúdo do site. Havia uma lista de vários fóruns de conversa dedicados a vários assuntos, na sua maioria, de natureza sexual e criminosa, sem moderação.

As autoridades começaram a investigar Dominique em 2020, depois de este ter sido apanhado a tentar filmar mulheres num supermercado. Foi a partir desse momento que a investigação foi alargada pela Junalco, a autoridade nacional francesa de combate ao crime organizado, que acabou por encerrar o Coco em junho de 2024. A plataforma ainda tentou transferir o domínio do site para Guernsey, mas a pressão internacional garantiu o fim da plataforma.

Ainda não é claro se os procuradores irão acusar Isaac Steidl, fundador do Coco, que ainda não disse nada sobre um dos casos mais mediáticos do ano. No entanto, ficou claro em tribunal que os abusos, escondidos durante anos, não teriam sido possíveis sem o Coco.

Tomás Guimarães, ZAP //

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