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Como é que os ciganos ajudaram a reconquistar a independência de Portugal. A História que Ventura desconhecia

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Mário Cruz / Lusa

O elogio de Marcelo Rebelo de Sousa aos ciganos que “deram a vida” pela independência de Portugal do domínio espanhol, no golpe revolucionário de 1640, estão a motivar aplausos e críticos. Mas, afinal, qual foi o papel desta etnia no episódio que colocou D. João IV no trono?

Na sua mensagem a assinalar o Dia da Restauração da Independência nesta quinta-feira, 1 de Dezembro, Marcelo destaca, em particular, o ‘cavaleiro fidalgo’ Jerónimo da Costa e 250 outros ciganos que serviram nas fronteiras e morreram por Portugal, salientando o “esquecimento e discriminação” de que esta etnia tem sido alvo no nosso país.

Uma mensagem que merece elogios do presidente da associação cigana Letras Nómadas, Bruno Gonçalves. “Pela primeira vez, em cinco séculos, alguém tem a coragem de lembrar que os portugueses também são ciganos, que lutaram, que estiveram também nos registos históricos que muitas vezes não aparecem nos manuais escolares ou nos programas educativos”, aponta em declarações à agência Lusa.

Bruno Gonçalves lamenta ainda “o ódio que está a ser espalhado por um partido” e que diz estar “a fazer com que o estigma secular das comunidades ciganas cada vez mais cristalize”.

Queremos ser cidadãos de pleno direito neste país. Estamos a lutar [por isso], mas não é fácil viver numa sociedade em que o comportamento de alguns idiotas, que existem em qualquer grupo”, seja tido como o generalizado de uma comunidade, acrescenta.

O líder da Letras Nómadas apela ainda ao Presidente da República que “promova políticas de inclusão” para acabar com a situação de actual de uma comunidade que vive “mergulhada na extrema pobreza“, com níveis de educação muito baixos, uma esperança de vida que é 15 a 18 anos inferior à média e com 30% a viver em casas insalubres.

Ventura pede “exercício crítico” sobre ciganos

O líder do Chega, André Ventura, critica a referência de Marcelo aos ciganos no âmbito do Dia da Independência e afirma que desconhece a intervenção da etnia nesse evento histórico.

“Não tenho conhecimento da participação da comunidade cigana nesse processo da independência, certamente que foi uma nota histórica da Presidência da República“, aponta, rejeitando que o Chega alguma vez tenha “colocado em causa” ou desprezado esta comunidade, apesar das repetidas declarações críticas que tem feito ao longo dos anos.

Ventura chegou a sugerir um plano de confinamento específico para a etnia cigana nos primeiros meses da pandemia de covid-19.

“Ao mesmo tempo que as autoridades públicas se regozijam com a participação cigana na vida nacional, que é importante”, deviam igualmente de ser “capazes de chamar a atenção da comunidade cigana quando esta também tem que ser chamada à atenção”, aponta Ventura.

“Quando é para fazer um exercício laudatório pode dizer-se que é a comunidade cigana, mas quando é para se fazer um exercício crítico já não se pode mencionar a comunidade cigana”, lamenta ainda.

A participação cigana na luta pela independência

Centenas de ciganos participaram na luta de Portugal contra o domínio da dinastia filipina que tomou o poder no nosso país após o desaparecimento do rei D. Sebastião em África, na Batalha de Alcácer-Quibir. Não tendo deixado um herdeiro, houve uma crise de sucessão em 1580, que acabou com o reino de Castela a tomar o trono português.

A comunidade cigana acabou por ter um papel relevante nas batalhas que se realizaram na fronteira entre Portugal e Espanha.

Esses factos históricos são reportados pelo procurador da coroa, durante o reinado de D. João IV, Tomé Pinheiro da Veiga (1566-1656), que fala “d’aquelle pobre cigano” que serviu a pátria “três anos contínuos com suas armas e cavallo à sua custa, sem soldo“, conforme cita o Público.

Os mesmos eventos são recordados no livro “Os ciganos de Portugal: com um estudo sobre o calão” de Adolfo Coelho, onde este nota que que “mais de 250 homens d’essa raça” foram “alistados no exército português, desde a restauração do reino” e serviram “nas fronteiras com zelo e valor com que já foram muito apremeados”.

O antropólogo José Gabriel Pereira Bastos também recorda, num artigo de 2008 para o Centro de Estudos de Migrações e Minorias Étnicas, que o reino de Portugal autorizou a participação dos ciganos nas lutas pela independência apesar de proibir esta comunidade de usar os seus trajes, de ler a sina e de ordenar a retirada dos seus filhos “a partir dos 9 anos de idade”.

Após a reconquista da independência, D. João IV determinou, em 1649, que as ordens de prisão e degredo que eram aplicadas aos ciganos portugueses não se destinavam aos 250 ciganos que serviam o exército nas fronteiras.

No caso específico de Jerónimo da Costa, D. João IV determinou que a sua “mulher e filhos sejam havidos como naturais do reino” e que este “seja feito cavaleiro fidalgo”. Além disso, decidiu que os seus “descendentes não tenham ofício mecânico” e “sirvam como soldados”.

No seu artigo em 2008, José Gabriel Pereira Bastos propõe que Jerónimo da Costa seja o “patrono nacional dos portugueses ciganos, com direito a estátua e avenida”.

ZAP // Lusa

32 Comments

  1. Nessa perspetiva de plenitude e de íntegracao comecemos por exigir a Todos os membros dessa etnia que,
    Vivam sem subsidios, habitem em imoveis proprios, declarem os rendimentos na totalidade, cumoram com a legalidade fiscal, nao pretendam excecionalidades em cada local público ou privado que frequentem, se comportem de modo a permitir a sa coabitação com os demais cidadãos.

    • Perfeitamente de acordo com Manuel Pereira. Se querem benefícios e ser tratados de igual forma que os restantes, têm de trabalhar e contribuir com impostos para o país no seu todo. Isso é que tá quietinho, pagar impostos, nem pensar, e um dos grandes culpados é o sr costa, mas como teve os vossos desta etnia, não mexe nem uma palha…

  2. Tenho 73 anos estudei história e nunca li nem ouvi falar que membros de etnia cigana tinham ajudado na independência de Portugal. Hoje, os políticos e neste caso concreto o PR, inventam tudo para ficarem bem na “fotografia”. Gostava que o PR apresentasse documentos a comprovar tal.

    • ?!?!!? Estudou ou diz que estudou?!??? Isso é do conhecimento de alguém que tenha “estudado” minimamente a história de Portugal!!!

    • É o rescrever da história para encaixar na narrativa, quantos lusitanos estiveram nessa luta? Se calhar muitos milhentos mais e no entanto não tem os beneficios que as “minorias” têm.

      • Essa é a verdadeira questao? Os nao ciganos que defenderam a independencia de Portugal sao ignorados pelo PR…?

    • As palavras têm vários significados. Pergunto-em se ao chamar a Jerónimo da Costa “cigano”, não estava apenas a referir-se a ele como nómada, errante, sem qualquer relação específica com a etnia.

      Além do mais importaria analisar em primeiro lugar quem eram de facto esses ciganos de 1600, de onde vieram, como se integraram ou não na sociedade da época – onde a pobreza era generalizada por toda a população – e que relação têm ou não com a comundiade atual.

  3. Ena, ena, 250 ciganos fizeram alguma coisa de util em 1600 e carqueja.
    Não seria uma boa ideia pensar em dar mais um pequeno subsidio aos actuais como prémio ?

    Aliás, tal como o artigo diz ( nada tendencioso por sinal ) apenas o Ventura desconhecia esta história, todos os outros portugueses estão bem conscientes da importância dos ciganos na sociedade actual e passada.

  4. Agora entendo o porquê do regime de exceção que graça relativamente a essa comunidade, afinal devemos agradecer tudo o que eles fazem, porque sem eles Portugal não existiria…..

  5. O Ventura confessou aquilo que ja todos/as sabiamos, que é um total ignorante da historia, um populista foleiro, e oportunista, que só criou o Chega por no PSD nao ter hipotese de chegar á frente do PSD.

  6. Numa Sociedade dita Civilizada e Democrática , todos , (sim … Todos !) independentemente da Etnia a que pertencem, merecem o devido respeito , de Todos Nós . E quando digo “todos nós” , isso vale também para esta Comunidade , que tem o direito de usufruir de Direitos mas não pode descartar os Deveres e Leis , regimentadas na nossa Constituição!

  7. Os ciganos foram ao ultramar?
    Estive lá e nunca conheci ninguém dessa etnia?
    Na recruta, também não vi nenhum?
    Na especialidade, também népia…
    Só 250 em 1640? nós somos 10.000.000.
    E agora se fosse obrigatório defender a pátria? sim… e hoje?
    Mandavam os seus filhos para a guerra defender Portugal?
    Bem… armas têm eles, ilegais claro… mas , para defender a pátria ?
    E se fosse algum, certamente diria : QUANTO PAGAS?
    Odeio o Ventura, mas que LÁS HAI… LÁS HAI…

  8. No tempo de Viriato eram nómadas, foi assim que foi falado e escrito na nossa História de Portugal! Se formos ao dicionário ver o que quer dizer nómada, quer dizer pessoa sem morada fixa, vagabundo! então naturalmente para correr com os Filipes daqui para fora, se calhar foram necessários pessoas rudes, porque os Filipes não queriam deixar de mandar em nós! E como em tempo de guerra vale tudo, eles juntaram-se aos restantes portugueses!! Se descendemos deles temos que os aceitar para viverem como nós, em casas como deve ser, vestirem-se como nós e trabalharem como nós e irem à escola como nós! Os que se recusam, deixá-los viver como gostam, mas longe de nós, porque não temos que os aturar sujos e rotos! Não devemos ofendê-los! Deus não gosta. Os nómadas comiam o que cultivavam! temos tantas terras no Alentejo ou Trás os Montes ou Beira Baixa! que se podem cultivar, podiam aproveitá-los para trabalharem nessas terras! darem-lhes um salário e casas para se abrigarem! era um princípio, tudo na vida, tem princípio!!

    • Trabalhar?? Mas esse tipo de gente alguma vez trabalhou? Eles têm vivido do oportunismo, do roubo e agora têm subsídios e andam sempre de lombo direito. Nunca contribuíra em nada para o crescimento e bem estar, porque nunca fizera a ponta de um chavelho. Não pagam impostos. Regulam-se pelas suas leis, como por exemplo casar as filhas com doze ou treze anos. Dão-lhes casas o que mais ninguém recebe. Espatifam depois as casas, não pagam as pequenas rendas, nem agua nem luz. Em alguns casos nem a Polícia lá entra, quanto mais os contadores da água e da luz.
      Qual foi o iluminado que se lembrou agora desta?? Que apresente provas do que disse porque Ventura não sabia nada disso, assim como (tenho a certeza) 99,9% dos portugueses. Quando esses senhores atiram para nós mentiras mais valia reduzir os impostos de quem os paga.

  9. “Por General Raul Luis Cunha
    Reparei num pequeno pormenor da mensagem de S.Exa. o PR que talvez induza em erro quem a ler… e, embora não deseje que o que vou dizer seja tomado como uma atitude descriminatória da minha parte em relação à comunidade cigana, entendo que importa divulgar a verdade e todas as circunstâncias históricas envolventes.
    Disse o sr. prof. Marcelo (que, tal como em relação à história do conflito na Ucrânia, talvez devesse estudar História com mais profundidade e atenção, mas como a sua área é o Direito, compreendem-se as suas falhas):
    – “Ao lembrar tantos portugueses, de tantas origens, que se envolveram no movimento revolucionário, o Presidente da República quer lembrar também os portugueses de etnia cigana que, … , deram a vida pela nossa independência nacional”
    Ora, a história da participação de alguns ciganos nas tropas portuguesas é a seguinte:
    – D. João IV, alertado para as relações demasiado próximas entre os ciganos portugueses e os espanhóis, determinou a prisão e degredo dos ciganos, do território continental para as colónias, apenas podendo ficar no reino os que se alistassem no exército. Foram cerca de 250 os que o fizeram, com a promessa de que, desde que abandonassem os seus hábitos e vestes e se assimilassem com os seus vizinhos, poderiam viver livremente nas vilas e aldeias de Portugal. Não houve, portanto, nenhum acto voluntário para integrar a luta pela independência nacional, mas sim um negócio com os ciganos.
    E é assim que se desvirtua a História e, neste caso infelizmente, pela mão de um Presidente da República.”

    • Nao sou expert em historia mas esta sua exposicao corresponde ao que conheço e esta alcance de qualquer um.
      O resto é exactamente desvirtuar a historia.
      Obrigada pela partilha.

    • O Célinho o treteiro, é uma das piores nódoas. que podia ter aparecido no panorama político português. Mas enfim é o que merecemos.

  10. É só comentários xenófobos. Eu conheço ciganos que trabalham!!! E que estão totalmente inseridos na comunidade em que vivem. E sim, quem estudou história, devia conhecer este episódio!
    Vejo muitos a queixarem-se dos ciganos mas quem mais rouba no nosso país são políticos, banqueiros e militantes partidários. E aí não há ciganos.

    • Eu também conheço alguns que trabalham e são honestos, mas infelizmente conheço muitos mais que roubam e são desonestos. Zona de Beja, Serpa , Pias, Moura, Ferreira do Alentejo Montijo, Benavente, Algarve são muitos e acho que nenhum é honesto

  11. Convém não deturpar a história nem esquecer todos os que contribuíram para a independência do reino.
    Relembro, como historiador, uma passagem sobre o assunto:
    Em 12 de agosto de 1643, o Conselho de Guerra da Monarquia Portuguesa examinou uma petição enviada por Francisco de Almeida, cigano. O requerente pedia ao rei a autorização para levantar em Portugal uma companhia de cinquenta soldados ciganos e, em troca, solicitava a patente de capitão. Durante o debate que ocorreu em Lisboa, dois membros do Conselho de Guerra chamados Álvaro de Sousa e Fernão Teles ressaltaram as qualidades militares e a coragem de Francisco de Almeida, declarando-se favoráveis ao pedido do cigano aspirante a capitão. Os fidalgos também justificavam o seu parecer favorável ao requerimento de Francisco de Almeida argumentando que a formação de uma companhia de ciganos seria interessante “porque mais serviços farão os ciganos a V. Majestade no exército que espalhados pelo reino roubando os vassalos de V. Majestade e na companhia farão este dano aos inimigos”. ANTT, Conselho de Guerra, Consultas, Maço 3, Caixa 28, nº 119 – Sobre Francisco de Almeida, cigano.

  12. Tantos comentários xenófobos! O interessante é que estes comentários são escritos por pessoas com baixo nível cultural e sem domínio da norma culta da língua portuguesa.

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