Um novo tratamento médico experimental conseguiu fazer crescer um fígado no interior do corpo de um paciente, no que é considerado um marco na medicina regenerativa.
Após uma década de desenvolvimento, a empresa de biotecnologia LyGenesis anunciou que, pela primeira vez, foi administrado a um doente humano um cocktail de células hepáticas doadas para, assim se espera, transformar um dos seus gânglios linfáticos num fígado pequeno — mas funcional.
Segundo a revista Wired, a injeção de terapia celular foi realizada a 25 de março, num ensaio clínico de Fase 2a que prevê o tratamento de 12 adultos com doença hepática em fase terminal (ESLD).
Cerca de 4,5 milhões de adultos nos Estados Unidos são diagnosticados anualmente com doença hepática e mais de 50.000 morrem da doença, de acordo com dados dos CDC – Centros de Controlo e Prevenção de Doenças norte-americanos.
Ao fazer crescer mesmo que uma pequena quantidade de massa hepática, o tratamento pode proporcionar um alívio significativo a doentes graves que não podem receber um transplante.
“Estamos a usar o nódulo linfático como um bioreactor vivo“, disse à Wired o cofundador e CEO da LyGenesis, Michael Hufford.
Os fígados, como praticamente todos os órgãos humanos, estão sempre em falta. A lista de espera para um transplante de fígado nos EUA é de quase 10.000. Mesmo os que são recebidos intactos podem não ser adequados para um transplante.
Os investigadores da LyGenesis afirmam que podem utilizar estes fígados descartados, necessitando apenas de um pequeno número de células extraídas, chamadas hepatócitos, para cada tratamento.
Isto significa que um único destes órgãos deitados fora pode fornecer material suficiente para tratar até 75 pessoas.
Para tratar o seu doente humano, os investigadores canalizaram milhões de hepatócitos para os gânglios linfáticos próximos do fígado, utilizando um tubo guiado por uma câmara e imagens de ultra-sons.
Os gânglios linfáticos, que constituem uma parte essencial do nosso sistema imunitário e que se contam às centenas, são locais de crescimento ideais porque as suas células podem dividir-se a um ritmo rápido.
Um fator crucial é a capacidade única do fígado para se curar a si próprio, através de sinais químicos enviados pelo tecido danificado, que dizem ao tecido saudável para se regenerar. Ao escolher nódulos linfáticos próximos do fígado, o crescimento dos hepatócitos injectados pode beneficiar destes sinais.
Até à data, este método foi testado em animais com resultados convincentes. Um estudo de 2020 realizado por investigadores da LyGenesis concluiu que os ratos injectados com a pasta de células conseguiram desenvolver tecido hepático suficiente nos gânglios linfáticos para compensar os seus fígados doentes.
Outro estudo realizado nesse ano por alguns dos mesmos pesquisadores descobriu que os porcos que receberam o tratamento não apenas recuperaram a função do órgão, mas também desenvolveram novos fígados — que eram tanto maiores quanto mais danificados estavam os originais.
Ainda assim, há muitas incertezas quanto à forma como a abordagem funcionará em humanos. Segundo a Wired, os investigadores não sabem ao certo quantas células terão de ser injectadas para fazer crescer um fígado funcional. A fase atual começa com 50 milhões de células, mas as futuras poderão chegar aos 250 milhões.
“Se o nosso estudo for bem-sucedido e obtivermos a aprovação da FDA, a nossa terapia celular alogénica poderá permitir que um fígado doado trate muitas dezenas de doentes com ESLD, o que poderá ajudar a desequilibrar a atual oferta e procura de órgãos a favor dos doentes”, afirmou Hufford em comunicado da empresa.