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Já não podemos contar com a chuva: ciclo global da água desequilibrado pela primeira vez na história da humanidade

R.E. Barber/Flickr

Produção alimentar mundial poderá entrar em colapso nos próximos 25 anos se mantivermos a trajetória atual, prevê novo relatório. “É uma tragédia, mas é também uma oportunidade para transformar a economia da água”.

As alterações climáticas e as alterações na utilização dos solos perturbaram o ciclo global da água, com os padrões de precipitação a tornarem-se cada vez menos fiáveis e a má gestão da água estão a colocar uma pressão “sem precedentes” sobre os sistemas hídricos mundiais.

De acordo com um novo relatório da Comissão Mundial sobre a Economia da Água, “estamos a desequilibrar o ciclo global da água pela primeira vez na história da humanidade” e, se não travarmos este desequilíbrio, haverão consequências catastróficas para a produção alimentar, para as economias e para o bem-estar humano.

O relatório, publicado a 17 de outubro, descreve esses perigos ao longo de 202 páginas: quase 3 mil milhões de pessoas e mais de metade da produção alimentar mundial já estão a ser afetados, e se a atual trajetória se mantiver, a produção alimentar mundial poderá entrar em colapso nos próximos 25 anos.

Escassez de água e impacto global

“Atualmente, metade da população mundial enfrenta a escassez de água”, afirmou Johan Rockström, diretor do Instituto de Investigação do Impacto Climático de Potsdam (PIK) e um dos quatro co-presidentes da comissão, em comunicado de 16 de outubro.

O responsável alertou para o facto de que, à medida que a água se torna mais escassa, a segurança alimentar e o desenvolvimento humano serão postos em causa e a estabilidade da economia global será prejudicada — “e nós estamos a permitir que isto aconteça.”

A precipitação, a fonte de toda a água doce, já não é fiável devido às alterações climáticas e de utilização dos solos causadas pelo homem, o que compromete a base do bem-estar humano e da economia global”, sublinha Rockström.

O relatório da comissão prevê que, em 2050, até 8% do produto interno bruto (PIB) mundial se perderá devido à escassez de água. Os países de baixo rendimento serão os mais afetados: podem perder até 15% do seu PIB.

Subestimamos a água

O relatório sublinha que muitos governos subestimam grosseiramente a quantidade de água necessária para uma vida digna. Embora a norma geralmente aceite seja de 50 a 100 litros por pessoa por dia para a saúde e a higiene, a comissão argumenta que a verdadeira necessidade se aproxima dos 4.000 litros por pessoa por dia quando se considera a água incorporada na produção de alimentos, vestuário e outros bens.

Esta disparidade, lembra a comissão, coloca uma pressão adicional sobre as regiões que atualmente já lutam para obter recursos hídricos suficientes.

A importância da “água verde”

Os esforços atuais para resolver a crise da água centram-se em boa parte na “água azul”, isto é, a água dos rios, lagos e aquíferos. Mas o recente relatório sublinha a importância da “água verde”, que se refere à água contida no solo e nas plantas que impulsiona os ciclos da água na atmosfera.

Esta água verde é considerada fundamental para manter os padrões de precipitação e sustentar os ecossistemas. As áreas que dependem fortemente da água verde — como a Índia, a China, a Rússia e outras partes da Europa — são particularmente vulneráveis a alterações nos sistemas meteorológicos, que se estão a tornar cada vez mais erráticos devido às alterações climáticas.

Regiões como a floresta tropical amazónica e a Europa já têm vindo a sofrer com secas graves, derretimento de glaciares e fortes inundações. Na América do Norte, prevê-se que quase metade das bacias de água doce dos Estados Unidos fique aquém da procura até 2071.

“Transformar a economia da água”

Uma das principais recomendações do relatório consiste em reavaliar a forma como a água é avaliada e gerida a nível mundial.

“A crise mundial da água é uma tragédia, mas é também uma oportunidade para transformar a economia da água e começar a valorizar a água de forma adequada, de modo a reconhecer a sua escassez e os muitos benefícios que proporciona”, afirmou Ngozi Okonjo-Iweala, diretora-geral da Organização Mundial do Comércio e copresidente da comissão, no mesmo comunicado.

Em muitas regiões, o preço da água é baixo, o que permite que a sua utilização seja desviada para indústrias como as centrais elétricas a carvão e os centros de dados, mas sobrecarrega ainda mais as reservas limitadas.

Fixar preços, dar subsídios para uma utilização eficiente da água, promover dietas à base de plantas e reciclar as águas residuais são algumas das soluções apresentadas pela comissão para uma distribuição mais equitativa deste bem tão precioso.

Tomás Guimarães, ZAP //

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