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Chuva “não chega para colmatar necessidades hídricas” do país

skohlmann / Flickr

O investigador Pedro Teiga, especialista em reabilitação de rios, considera que a chuva tem melhorado a situação de seca no país, no entanto, só por si “não é o suficiente para colmatar as necessidades hídricas”, principalmente na região sul.

“Se olharmos para os campos, vemos como já estão verdejantes e a responder positivamente a estas chuvas, com alguns rios que podem entrar em situação de cheia e causar inundações”, indicou à Lusa Pedro Teiga, investigador do Centro Interdisciplinar de Investigação Marinha e Ambiental (CIIMAR), da Universidade do Porto.

Contudo, o engenheiro ambiental acredita que os “cenários problemáticos” vão continuar caso a utilização da água a nível doméstico, industrial e agrícola se mantenha igual à do último ano, o que não permitirá criar os armazenamentos necessários para os diferentes usos, que são crescentes.

O grande problema não é a seca em si, mas sim os padrões atuais de utilização e as pressões” exercidas sobre os cursos de água, frisou, acrescentando que “um agricultor vai continuar a regar o seu campo de milho, quer se esteja em situação de seca ou em cenário de escoamento normal de água”.

O volume de água que “vai utilizar para ter produtividade é que terá impacto no rio”, esclareceu.

Segundo o investigador, os rios têm capacidade de responder naturalmente aos períodos de seca, assim como as espécies autóctones estão, de uma forma geral, prontas para se adaptarem às variações de caudal, encontrando abrigo em pequenos núcleos de água.

O problema, no entanto, surge quando esses núcleos são utilizados para a agricultura ou para sistemas industriais, ficando a balança do equilíbrio hídrico “altamente descompensada”, com “consequências graves nas espécies ribeirinhas”.

“Existem várias espécies de peixes e de macroinvertebrados a morrer ao longo das margens dos rios, devido ao stress hídrico e à falta de água, que este ano se fez notar não só a meio da encosta, mas também nas galerias ribeirinhas”, contou.

Pedro Teiga disse que, apesar de contribuir para contornar a situação de seca no país – enchendo açudes e albufeiras -, a água das chuvas não deve ficar retida somente nesses locais, sendo também necessária para aumentar o caudal dos rios, responsável pela limpeza desses recursos.

“As descargas de poluição – que ocorreram muitas vezes em período de verão e em períodos de seca – e as pequenas lamas que ficam no fundo dos leitos precisam levantar e entrar na corrente, para que o rio faça o seu transporte, distribuição e autodepuração ao longo de todo o seu trajeto”, desde a nascente até à foz, referiu o engenheiro ambiental.

O especialista está atualmente envolvido na reabilitação de rios em diferentes zonas do país, nomeadamente em Pedrógão Grande (distrito de Leiria), um dos locais atingidos pelos incêndios do ano passado.

Das diferentes ações, destacou o controlo das espécies invasoras e a recuperação das galerias ribeirinhas, retirando o material queimado e estabilizando as margens dos rios e o domínio hídrico, através de técnicas de engenharia natural.

Para o investigador, é importante identificar os focos de atuação imediata, trabalhando em conjunto com os proprietários dos terrenos, que, na sua opinião, devem ser envolvidos no processo.

O engenheiro ambiental salientou ainda a necessidade de uma manutenção constante e da continuidade deste trabalho por parte dos proprietários, a par dos municípios.

A boa notícia”, avançou, é que, de uma forma geral, “as cinzas acumuladas nas margens dos rios nos locais dos incêndios não estão a chegar às linhas de água, o que acaba por ser ótimo porque não se acumulam nos açudes”.

Com as intervenções de reabilitação, Pedro Teiga espera evitar que essas cinzas cheguem às linhas de água e alterem a sua qualidade, em termos químicos e físicos.

Poluição dos rios diminuiu mas qualidade da água é inferior à desejada

Pedro Teiga, afirma ainda que o estado de poluição dos cursos de água em Portugal diminuiu na última década, mas a qualidade da água continua inferior à desejada.

“Neste momento, como foi verificado em vários estudos do Plano de Gestão de Região Hidrográfica, continuamos a ter bastantes rios com uma qualidade da água inferior à desejada nas normas da Diretiva Quadro da Água”, indicou o engenheiro ambiental, referindo-se ao instrumento da União Europeia que estabelece ações para proteção das águas.

Embora os casos mais recentes e mediáticos de poluição estejam associados ao rio Tejo, referiu, existem “pontos negros pelo país fora, com problemas recorrentes”, provocados pelas indústrias, pelas estações de tratamento de águas residuais (ETAR), pelas explorações agrícolas e pelos aglomerados habitacionais.

Quando os rios passam pelas cidades, vilas e aldeias ficam piores do que estavam antes, o que significa que os sistemas de saneamento também ainda não estão nos níveis aceitáveis”, explicou.

No entanto, apesar “ainda não ser o suficiente”, o especialista reconhece que os rios registaram melhorias significativas ao longo da última década, devido sobretudo aos investimentos nas ETAR e às exigências da população, que está mais informada e que quer utilizar os rios como espaços balneares.

“Se há mais de 10 anos encontrávamos rios quase completamente mortos, neste momento esses cenários só acontecem em situações limite, relacionados com descargas pontuais”, notou, dando conta de uma melhoria progressiva.

No entanto, se hoje em dia é possível dizer que há água em boas condições e de excelente qualidade quando se abre a torneira, ainda não se pode dizer que os rios portugueses estejam no mesmo nível: “Muitas das mesmas ETAR e dos sistemas de tratamento não conseguem dar essa garantia”, salientou o investigador.

Além da poluição proveniente da utilização doméstica e industrial, o especialista destacou o papel das práticas agrícolas intensivas – como as pecuárias – em zonas “já conhecidas”, como o rio Liz e a ribeira dos Milagres, em Leiria.

De acordo com Pedro Teiga, as zonas mais problemáticas nesta matéria localizam-se na Grande Lisboa e no Grande Porto, locais onde as linhas de água e as ribeiras se encontram “em pior estado”, devido ao facto de estarem entubados ou à ineficácia dos sistemas de saneamento.

São poucas as grandes cidades que não têm problemas de saneamento” e “poucos os sistemas que eu conheço que, em 365 dias do ano, estejam a funcionar corretamente, de dia e de noite”, indicou.

As zonas menos críticas, continuou o especialista, são aquelas que ainda não sofreram grandes impactos e nas quais as pressões nas margens dos rios e nas utilizações são menores, como é o caso do Gerês, do Alvão-Marão, da serra da Estrela e dos sistemas montanhosos da Lousã.

“O meu desejo é que todos os rios em Portugal atinjam um nível de qualidade que garanta que qualquer criança, político ou pessoa que viva na sua envolvente – seja aldeia ou cidade – se possa aproximar, molhar os pés e, se mandar um mergulho e beber um pirolito, possa ter a segurança de que não vai parar ao hospital por estar doente”, afirmou.

É preciso preparar rios para cheias ou seca

O especialista em reabilitação de rios afirma ainda que as alterações climáticas vão tornar eventos como a seca e as cheias “cada vez mais extremos e frequentes”, devendo os cursos de água ser preparados para essas situações.

Temos de preparar os nossos rios já não somente para um funcionamento e caudal normais, mas dar-lhes força e capacidade de resistir aos impactos” provocados pelas secas e cheias, frisou.

Segundo Pedro Teiga, a utilização humana destes recursos naturais originou episódios de pressão, cortes da vegetação ribeirinha, descargas de poluição e construções em cima dos seus leitos, tendo estes perdido a capacidade de se autorregenerarem e de responderem aos efeitos das alterações climáticas.

No entanto, ressalvou, todo este sistema poderá trabalhar de forma positiva se agora se fizer o trabalho contrário, “criando células e processos de reabilitação a médio e longo prazo”, dotando “os rios de espaços para inundação” e “recargas juntos às cabeceiras e ao longo das margens, com a vegetação ribeirinha a funcionar como corredor ecológico, e “potenciando a fixação de água e evitando evapotranspiração”.

“Normalmente, quando os rios estão em situação de cheia ou de seca, aparecem como os maus da fita, mas a culpa não é do rio, por si só. O rio está dentro de um sistema, que é de leis naturais, do qual nós, como seres vivos, fazemos parte. Temos de entender as leis naturais e respeitá-las”, disse.

De acordo com o engenheiro ambiental, enquanto seres vivos, os cidadãos fazem parte das transformações despoletadas pelas alterações climáticas, sendo responsáveis por decisões que influenciam, entre outros aspetos, a qualidade da água dos rios e dos produtos e bens que dependem da mesma, como é o caso dos alimentos.

“As minhas pequenas decisões vão influenciar a qualidade da água dos nossos rios e todo o seu funcionamento, nomeadamente no que respeita ao tipo de alimentos que colocamos no prato, de onde vêm e qual é o sistema agrícola utilizado na produção, se é sustentável ou não”, indicou.

Pedro Teiga acredita que o ser humano está perante uma mudança de paradigma em termos de mentalidade, devendo, por isso, estar atento aos eventos da natureza e “não viver numa cidade e numa aldeia em que não se interessa como vai ser o dia de amanhã, se vai chover ou se vai estar sol”.

O investigador considera ainda que só com o cumprimento das normas estabelecidas para preservação e recuperação dos rios será possível contornar os danos e os problemas causados às populações pelo agravamento desse tipo de eventos.

// Lusa

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