Uma chilena recorreu à justiça para ter autorização para abortar, depois de ter sido uma das mais de 100 mulheres que tomaram pílulas com defeito distribuídas pelo sistema público de saúde.
Foi em outubro do ano passado que Javiera (nome fictício) descobriu que estava grávida. A notícia foi surpreendente porque a chilena, de 32 anos, tomava anticoncecionais há três anos. Segundo a BBC, foi então que descobriu que não era caso único.
Javiera foi uma das mais de 100 chilenas que foram vítimas de um escândalo que afetou de forma significativa o sistema público de saúde deste país sul-americano, que distribuiu uma pílula com defeito a milhares de mulheres.
De acordo com a emissora britânica, apesar de a maioria destas mulheres ter optado por levar as suas gravidezes para a frente, Javiera decidiu requisitar um aborto. Como tal, em dezembro do ano passado, dirigiu-se ao Centro de Saúde da Família (Cesfam) onde costuma ser atendida e apresentou o pedido.
Recorde-se que, no Chile, a interrupção voluntária da gravidez só é permitida em três casos: violação, se a vida da mãe estiver em risco, ou se o feto não tiver possibilidades de sobreviver após o parto.
Javiera considerou encaixar-se no segundo caso, argumentando que, como resultado desta situação, está a sofrer graves danos psicológicos. O Cesfam não respondeu ao seu pedido e, então, a chilena decidiu recorrer aos tribunais.
Desequilíbrio da sua saúde psíquica, crises de pânico, angústia, falta de apetite, sintomas de desânimo e falta de motivação que a levaram a ter “ideias suicidas” foram parte do quadro que relatou à Justiça chilena.
A mulher assegurou ainda que não tem os recursos financeiros ou a rede de apoio necessários para cuidar de uma criança, tendo em conta que ainda está a dar os primeiros passos na sua profissão.
Na semana passada, o Tribunal de Justiça de São Miguel, em Santiago, acedeu ao pedido de Javiera, que se encontra nas 23 semanas de gestação, abrindo um importante precedente para os direitos reprodutivos das mulheres no país.
Numa decisão unânime, o tribunal afirmou que, neste caso, houve violação ao direito à vida, integridade física e psíquica da mulher, além de uma violação ao seu direito à igualdade perante à lei.
Além disso, a sentença concluiu que, ao não responder ao pedido inicial, o Cesfam atuou não apenas de uma forma “caprichosa” e “arbitrária”, como também “ilegal”.
“Esta decisão é muito importante na possibilidade de se avançar, tanto em termos judiciais, como sociais, nos direitos reprodutivos das mulheres no Chile”, disse à BBC a advogada Laura Dragnic, do projeto Corporación Miles, que representou Javiera.
“A decisão fala da interrupção voluntária da gravidez como um direito legal. E isso é importante porque, no geral, a interpretação da legislação sobre aborto no Chile é para circunstâncias de extrema necessidade”, destacou.
“Até agora, não é compreendido propriamente como um direito. E isso é muito significativo, sobretudo tendo em conta as discussões que se aproximam quanto ao aborto legal dentro do processo constituinte”, disse ainda a advogada.