Olhando para os Açores, recuamos até 2020 e até… 1987. Eis o falecido Partido Renovador Democrático. E o erro de Ramalho Eanes.
O novo Governo dos Açores, de coligação PSD/CDS-PP/PPM e presidido por José Manuel Bolieiro, tomou posse nesta segunda-feira.
Nesse contexto, num de muitos (centenas?) debates políticos das últimas semanas, surgiu uma recordação invulgar.
Em causa, na altura, a análise aos resultados das eleições regionais, que se tinham realizado no domingo anterior.
Pedro Mexia salientava na SIC Notícias a posição “anti-fascista condicional” do PS. Ou seja, os socialistas asseguram que o Chega nunca formará Governo – mas podiam aliar-se ao Chega nos Açores se derrubassem um Governo liderado pelo PSD: “Daria imenso gozo partir a direita clássica”.
João Miguel Tavares reverteu a questão e colocou-se no lugar de Luís Montenegro: o PSD ganhou as eleições em 2015 mas o PS juntou-se a PCP e BE e governou. “E agora, eu (AD) ganho as eleições, posso governar com maioria relativa, mas vocês não me apoiam e deixam-me na dependência do Chega, que pode chumbar o meu Governo? O PSD está eternamente nas mãos do PS”, avisou.
Foi aí que Ricardo Araújo Pereira apontou: “Isso é o que deveria ter sido feito nos Açores, nas eleições em 2020” – quando o PS ganhou mas o PSD ficou com maioria absoluta ao lado de CDS e PPM, numa coligação pós-eleitoral.
“O PSD deveria ter dado duas opções ao Chega: ou ficam caladinhos e deixam a direita governar”.
“Ou deitam abaixo o Governo e arriscam-se a ser o PRD. Porque, historicamente, os eleitores castigam o partido que deita abaixo um Governo legítimo”, explicou.
PRD?
Ficou aqui uma (eventual) ligação entre Chega e PRD.
Mas o que foi o PRD? Perguntam sobretudo os eleitores mais novos.
O Partido Renovador Democrático foi criado em 1985, como reacção à crise económica nacional – que foi mais visível em 1983 e 1984.
Um político é logo associado ao PRD: Ramalho Eanes. Presidente da República na altura, não foi o seu fundador (liderou o partido depois) mas deu uma espécie de patrocínio tácito.
O partido Eanista estava mais preocupado com a ética do que com a ideologia.
O seu fundador foi Hermínio Martinho. Mais virado à direita, à social-democracia, queria “moralizar a vida política nacional”.
Pretendia um presidente da República com mais poderes, Parlamento mais fiscalizado, reformar a Justiça e a Educação, reforçar os poderes de Açores e Madeira, mudar o modelo de crescimento económico, acabar com a dependência externa.
Tentou ser um “anti-partido”. Mostrava-se contra o sistema. Mas falhou.
Sucesso em 1985, queda (dupla) em 1987
Ainda teve sucesso nas legislativas em 1985: terceiro lugar, com praticamente 18% dos votos e 45 deputados.
Números de um partido criado três meses antes. O factor novidade (e o factor Eanes), a desilusão de muitos portugueses com os dois maiores partidos e a promessa de “mexer” com o sistema estavam a resultar.
Foi em Abril de 1987 que o PRD assumiu protagonismo. Apresentou uma moção de censura contra o Governo PPD/PSD liderado por Cavaco Silva. Esse Executivo não tinha maioria absoluta mas tinha apoio parlamentar do CDS e do… PRD.
A moção de censura foi aprovada por PRD, PS e PCP. O Governo caiu.
Para Portugal ter um novo Governo, eram precisas novas eleições.
Julho de 1987: legislativas antecipadas, maioria absoluta para PSD e… menos de 5% dos votos para o PRD. Tinha 45 deputados, passou a ter 7.
Voltamos a Ricardo Araújo Pereira: o povo português castigou o partido que derrubou o Governo (embora não o tenha feito sozinho).
Aos renovadores, pouco adiantou ser liderado por Ramalho Eanes, que agora era candidato a primeiro-ministro, por ser o novo líder do PRD – cargo que assumira em 1986, poucos meses depois de ter deixado de ser presidente da República.
O “partido de projecto”, como descreveu nessa fase o militante Ivo Pinho, começou aí a sua queda evidente.
Ramalho Eanes saiu logo a seguir, assumindo responsabilidades pela derrota nas legislativas de 1987; Manuel da Costa Braz iria ser candidato do PDR às eleições presidenciais de 1986, mas a candidatura foi cancelada.
Mais tarde, em 1989: derrotas nas eleições autárquicas (menos de 1% dos votos) e nas europeias (só um deputado eleito e porque estava nas listas do PS).
Militantes mais experientes, como o fundador Hermínio Martinho, deixaram o Partido Renovador Democrático – que desapareceu mesmo do Parlamento nas eleições de 1991. Zero deputados, consequência de 0,61% dos votos.
Vamos recuperar: em 1985 o PRD teve direito a pouco mais de 1 milhão de votos; em 1991, seis anos depois, teve 35 mil votos.
A dissolução oficial foi anunciada apenas em 2000.
“Entrei no PRD da pior maneira. Foi um erro meu“, admitiu Ramalho Eanes em 1988, na RTP.