Caso BPP: banco pede arquivamento por insolvência e Rendeiro quer prescrição

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João Rendeiro

João Rendeiro

O BPP pede o arquivamento do processo contraordenacional em que foi condenado ao pagamento de três milhões de euros alegando estar em insolvência, situação pela qual responsabiliza os ex-administradores, que acusa de terem atuado “no seu próprio interesse”.

No recurso ao processo contraordenacional decretado pelo Banco de Portugal (BdP) no final de outubro de 2013, que começa a ser julgado a 23 de junho no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, o Banco Privado Português (BPP) entende que não se justifica a aplicação de sanções porque já não exerce qualquer atividade.

Já o ex-presidente do BPP, João Rendeiro, alega que não lhe podem ser imputados fatos posteriores à renúncia do cargo (em novembro de 2008), nomeadamente no que respeita ao encerramento das Contas de Recuperação (assentes em sociedades offshore e ocultadas da contabilidade do banco).

O fundador do BPP apresentou em tribunal oito questões que considera suficientes para impugnar a decisão do Banco de Portugal (BdP) contra si, entre as quais, a prescrição das acusações anteriores a 2004.

O BdP considera que as várias infrações descritas foram praticadas a título doloso “pelos titulares de cargos de direção, chefia ou gerência ou por mandatários, representantes ou trabalhadores em nome do interesse do ente coletivo”.

Refira-se que, além de Rendeiro, apenas a Privado Holding (PH) apresenta nas suas alegações de recurso à condenação do BdP a questão da prescrição dos factos, neste caso, praticados antes de 30 de maio de 2007.

A PH, à qual foi aplicada uma coima de 2,5 milhões de euros, alega no seu recurso a prescrição dos factos ocorridos antes de 30 de maio de 2007 e que era o BPP que assumia “de facto” as funções de holding do grupo, cabendo-lhe apresentar as contas consolidadas das Contas de Recuperação, sem qualquer intervenção da primeira nas infrações praticadas.

Questões centrais

Neste processo, uma das questões centrais prende-se com os produtos de retorno absoluto vendidos pelo BPP aos seus clientes, pelo menos, desde 2001, e até novembro de 2008.

O banco garantia aos clientes o capital investido mais o rendimento das aplicações, mas a crise financeira, cujo auge ocorreu em 2008, após a falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, provocou uma forte desvalorização dos ativos que levou a um desequilíbrio superior a 400 milhões de euros, levando à necessidade da intervenção estatal.

Só em meados de novembro de 2008 é que Rendeiro e Paulo Guichard, outro dos arguidos, comunicaram ao supervisor a existência de tais responsabilidades, derivadas do modelo de gestão discricionária, que assegurava aos clientes a totalidade do capital investido e uma remuneração mínima.

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    O Caso BPP

    Em causa no processo estão as designadas Contas de Recuperação, assentes em sociedades offshore e “mantidas deliberadamente fora do perímetro de consolidação do grupo Privado Holding para que os ativos e passivos detidos por essas sociedades não tivessem impacto nas demonstrações financeiras da instituição”, não obstante serem mantidas e geridas de facto pelo BPP.

    Os arguidos são acusados pela não inscrição na contabilidade do banco do modelo discricionário que permitia a garantia de capital e de remuneração mínima aos clientes que investiam em produtos de retorno absoluto, pela não constituição de provisões e pela realização de operações de “alisamento” de resultados da instituição, imputando operações que nunca existiram às Contas de Recuperação.

    Outras situações apontadas são a realização de operações de parqueamento, nas Contas de Recuperação, de ativos que se encontravam na carteira própria da instituição, ocultando assim os ativos, passivos e resultados da contabilidade do BPP, e pagamentos a membros da administração através de fundos obtidos por via dessas contas, sem que fossem refletidos na contabilidade da instituição.

    O processo inclui, portanto, acusações de “falsificação de contabilidade e inexistência de contabilidade organizada, inobservância de outras regras contabilísticas” que prejudicam “gravemente o conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade”, de prestação ao BdP de “informações falsas ou incompletas susceptíveis de induzir a conclusões erróneas de efeito semelhante a se fossem falsas”.

    Alguns dos arguidos são ainda acusados de “inobservância das normas de procedimentos contabilísticos” sem prejuízo grave para o conhecimento da situação patrimonial e financeira da entidade, em concreto pela não revelação contabilística de um contrato de opção celebrado entre o BPP e o Banco BPI.

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    A condenação em 2013

    29 de outubro de 2013, o Banco de Portugal condenou o BPP ao pagamento de uma contra-ordenação no valor de três milhões de euros, suspensa em metade do seu valor pelo período de três anos, e a Privado Holding ao pagamento de 2,5 milhões de euros.

    João Rendeiro foi condenado a pagar 1.995.191,58 euros, sofrendo ainda a sanção acessória de inibição do exercício de cargos em qualquer instituição de crédito ou sociedade financeira pelo período de 10 anos.

    No mesmo processo, Paulo Guichard foi condenado ao pagamento de 1,5 milhões de euros e inibição por um período de 10 anos, Fezas Vital a uma coima de 850 mil euros, acrescida de inibição por oito anos, e Paulo Lopes a pagar 400 mil euros, suspenso em metade do valor por cinco anos, e inibição de exercício de cargos no sector por cinco anos.

    Vitor Castanheira foi aplicada uma coima de 190 mil euros, suspensa em metade do valor por cinco anos, e inibição por dois anos, a Fernando Lima 275 mil euros, suspensa em metade do valor por cinco anos, e inibição por três anos, a Tiago Ferreira 240 mil euros, suspensa em cinco sextos do valor por quatro anos.

    Foram ainda condenados Rui Domingues, a uma coima de 90 mil euros, e Nuno Paramés, de 75 mil euros, ambas suspensas em cinco sextos do seu valor por quatro anos.

    Do total de arguidos, apenas Tiago Ferreira não impugnou a decisão do BdP, pelo que a mesma se tornou definitiva, conforme consta dos autos do processo consultados pela agência Lusa.

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    As alegações de João Rendeiro

    Na lista de alegações da equipa de advogados de defesa de Rendeiro, que integra os autos do julgamento de recurso do processo contraordenacional interposto pelo Banco de Portugal contra 11 arguidos do BPP , o sexto ponto refere-se precisamente à matéria da prescrição.

    Uma vez que Rendeiro foi notificado como arguido a 19 de fevereiro de 2009, a defesa do fundador do BPP alega que o mesmo não pode ser responsabilizado por qualquer contraordenação em data anterior a 18 de fevereiro de 2004.

    Mas Rendeiro, que segundo a acusação era o cérebro do BPP e o responsável máximo pela tomada de todas as decisões estratégicas das sociedades do grupo financeiro, aponta para outras questões que, no entender da defesa, contrariam a decisão do BdP relativamente a este arguido.

    Entre estas estão, nomeadamente, a alegada obrigatoriedade de constituição de arguido e da tomada de declarações na fase que antecedeu a dedução da acusação, a inconstitucionalidade do modelo de supervisão previsto no Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF), a violação do direito à não auto-incriminação, a existência de concurso entre o processo-crime e o processo de contraordenação, o tratamento diferenciado entre João Rendeiro e o BPP, a nulidade da decisão por falta de identificação dos elementos objetivos e subjetivos, e a impugnação da matéria de facto.

    Na resposta a estas alegações, como de resto aconteceu para todas as alegações dos restantes nove arguidos que recorreram da decisão do BdP (apenas um ex-diretor não impugnou a decisão da entidade liderada por Carlos Costa), os advogados do supervisor consideraram que as impugnações apresentadas pelos arguidos devem ser julgadas totalmente improcedentes, mantendo integralmente a decisão tomada a 29 de outubro de 2013.

Julgamento arranca a 23 de junho

O julgamento dos recursos apresentados por 10 dos 11 arguidos no processo contra-ordenacional interposto pelo Banco de Portugal no âmbito do caso BPP, que resultou em coimas totais superiores a 10 milhões de euros, arranca a 23 de junho.

Os trabalhos vão decorrer no Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em Santarém, estando prevista a realização de quatro sessões semanais (de segunda-feira a quinta-feira), durante todo o dia.

Na lista dos arguidos constam o próprio Banco Privado Português (BPP), em liquidação, a Privado Holding (PH), antiga dona do banco, João Rendeiro, fundador e ex-presidente, e mais oito antigos responsáveis do banco, entre os quais, os ex-administradores Paulo Guichard e Salvador Fezas Vital.

Neste processo, o BdP chama a depor 27 testemunhas, entre as quais, Fernando Adão da Fonseca e João Ermida, que foram, respetivamente, presidente e administrador do BPP por nomeação do BdP, depois da intervenção estatal no banco.

À luz da lei que rege os processos de natureza contraordenacional, a data limite para a conclusão de todas as tarefas processuais está fixada neste caso no dia 25 de novembro de 2016.

ZAP / Lusa

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