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Cartão vermelho ao Governo: mais de 20% dos jovens médicos desiste do SNS

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Número de vagas por preencher no internato médico é “motivo de preocupação”: 21,2% dos jovens médicos optaram por virar costas ao SNS. Formação de médicos de família — uma das maiores carências nacionais — entre as áreas mais afetadas. Pizarro pede mais tempo.

A Federação Nacional dos Médicos (FNAM) manifestou-se este domingo “muito preocupada” com o número de vagas por preencher no internato médico, considerando que compromete a formação de especialistas e revela desistência precoce do Serviço Nacional de Saúde (SNS).

“É com muita preocupação mesmo que se vê esta quantidade de vagas que sobram e sem dúvida que o Ministério da Saúde na terça-feira também deveria ter isto em conta”, começou por atirar a presidente da FNAM.

“Não é só o facto de termos serviços de urgência encerrados de norte a sul do país, vias verdes coronárias encerradas, que deixa a população para trás, é mesmo o facto de 20% dos jovens médicos desistirem do SNS”, disse à Lusa Joana Bordalo e Sá.

O concurso para a formação de médicos especialistas terminou no sábado com 1.836 das 2.242 vagas preenchidas, anunciou a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS).

A ACSS reconhece como “motivo de preocupação” a diminuição das escolhas pela especialidade de Medicina Interna — de vocação essencialmente cognitiva, dedicada a tratamentos “médicos” (não cirúrgicos) — onde foram ocupadas apenas 104 das 248 vagas a concurso, sendo que este número foi “só parcialmente compensado pela admissão de 68 candidatos na especialidade de Medicina Intensiva”.

Sobre o total de vagas por preencher, Joana Bordalo e Sá referiu que “21,2% dos candidatos optarem por não escolher uma vaga no SNS significa que desistem, numa fase tão precoce, do SNS”, sublinhando os números relativos a Lisboa e Vale do Tejo, onde ficaram 168 vagas por preencher, o que “provavelmente também reflete o elevado custo de vida nessa zona, sobretudo em Lisboa.

A presidente da FNAM olha com preocupação para o total de vagas sobrante em Medicina Geral e Familiar, que foram médicos de família, uma das grandes carências do país, mas também em Medicina Interna, que a ACSS reconheceu em comunicado como “uma especialidade nuclear para o funcionamento das unidades hospitalares”, motivo pela qual vai analisar a quebra de interesse na especialidade.

Bordalo e Sá frisou que a nível nacional 60% das vagas em Medicina Interna ficaram por preencher, com 144 vagas vazias, considerando “também preocupante que os dois grandes centros hospitalares de Lisboa – Lisboa Central e Lisboa Norte — só tenham tido duas vagas de Medicina Interna ocupadas”.

“No fundo, tudo isto demonstra a desesperança dos jovens médicos que acabam por não iniciar o internato médico no SNS. Isto é fruto da degradação das condições de trabalho também no SNS e é preciso dar nota que os médicos internos não são meros estagiários, são médicos e como tal têm uma grande responsabilidade nas suas mãos, a vida dos doentes nas suas mãos e representam neste momento um terço da força de trabalho no SNS”, disse.

A presidente da FNAM referiu que, atualmente, os médicos internos “passam a vida a tapar buracos”, substituindo especialistas nos serviços de urgência, o que por sua vez contribui para o desinteresse no internato médico no SNS, frisou. “Faltam médicos especialistas, isto vai ter repercussões depois nos médicos internos, porque os médicos internos são formados por especialistas”.

“A FNAM sempre defendeu que o internato médico deve ser reintegrado na carreira, exatamente porque os médicos internos são um terço da força de trabalho no SNS e deve ser o primeiro patamar da carreira, para que os jovens médicos possam estar protegidos e para que se consiga garantir uma formação mesmo de qualidade”, acrescentou.

“Cartão vermelho” ao Governo

A Ordem dos Médicos (OM) defendeu também este domingo que as centenas de vagas por preencher no concurso de internato médico são “um cartão vermelho” ao Ministério da Saúde, que acusou de incompetência e inoperância.

“São dados muito preocupantes e que espelham aqui efetivamente uma grande despreocupação e um trabalho muito mal feito da parte do Ministério da Saúde (MS)”, defendeu o bastonário dos médicos, Carlos Cortes, em declarações à Lusa.

Tal como os sindicatos médicos, também a OM está preocupada com a falta de candidatos a Medicina Geral e Familiar, que forma médicos de família, “uma área muito importante no SNS, uma porta de entrada dos doentes” com uma “importância muito grande na prevenção da doença”, mas também em Medicina Interna, “um pilar da resposta hospitalar transversal em todas as áreas”.

O bastonário acusa o MS de não ter levado a cabo “o trabalho que deveria ter sido desenvolvido” para uma “maior atratividade do SNS e para se poderem fixar mais médicos”, mas também de desaproveitar vagas para formação de médicos, frisando que nas últimas duas décadas a OM apresentou à tutela uma disponibilidade de formação nos serviços de mais de 40 mil vagas, tendo sido aproveitadas cerca de 38 mil. Nas contas da OM, foram desaproveitados quase seis mil lugares, “que fazem falta ao SNS”.

“Não aproveitaram mais de seis mil vagas. Seis mil médicos corresponde sensivelmente ao número de horas extraordinárias que neste momento anualmente são utilizadas no SNS. Portanto, se os vários Governos tivessem feito adequadamente o seu trabalho muito certamente o SNS não teria as dificuldades que está a atravessar neste momento. Isto já não é um cartão amarelo, é um cartão vermelho à atuação do MS que tem sido incompetente para resolver todos os problemas do SNS”, acusou o bastonário.

Para Carlos Cortes esta falta de atratividade do SNS “é um grande sinal de alarme”, que não é sequer o primeiro, numa problemática que tem sido objeto de sucessivos alertas por parte da OM à tutela, sublinhou. “O MS tem sido inoperante nesta capacidade de atração dos médicos para o SNS e está à vista o mau trabalho que tem sido feito, que tem sido desenvolvido. (…) A verdade é que isto tem sido tratado com uma enorme negligência e incompetência por parte do MS”, disse.

Os sindicatos dos médicos e o Governo voltam a reunir-se na terça-feira, véspera da votação final do Orçamento do Estado para 2024, para tentar alcançar um acordo no âmbito de negociações que decorrem há 19 meses.

Pizarro admite: “precisa de mais tempo”

O ministro da Saúde reconheceu esta segunda-feira que precisa de “mais tempo” para reorganizar o funcionamento das urgências para que o sistema funcione, apesar do “problema crónico” da dependência das horas extraordinárias.

“Os médicos têm direito a não fazer mais do que aquelas horas extraordinárias na urgência e nós precisamos, de facto, de mais tempo para promover a reorganização do funcionamento das urgências que permita deixar de depender desta circunstância que são as horas extraordinárias. De facto, são um volume imenso que a certa altura torna o sistema difícil de gerir”, disse Manuel Pizarro.

“Estamos a falar de um problema crónico do nosso sistema que é a dependência de milhões de horas extraordinárias [de médicos]. Temos de criar um modelo que obvie essa circunstância e isso precisa de medidas que vão demorar tempo para fazer efeito. Portanto temos de garantir que as medidas de contingência que serão tomadas no entretanto dão resposta às necessidades dos portugueses”, referiu.

Dezenas de hospitais do país estão a enfrentar constrangimentos e encerramentos temporários de serviços devido à dificuldade das administrações completarem as escalas de médicos, na sequência de mais de 2.500 médicos terem entregado escusas ao trabalho extraordinário, além das 150 horas anuais obrigatórias, em protesto após 19 meses de negociações sindicais com o Governo.

Todas as semanas, a Direção Executiva do SNS tem divulgado deliberações que definem os encaminhamentos em caso de constrangimentos nos serviços de urgência de cada hospital.

ZAP // Lusa

4 Comments

  1. Estudam em Universidades Públicas com dinheiro do Povo e depois exploram esse mesmo Povo que os formou
    Quando saem das Universidades Públicas, deveriam ter um período OBRIGATÓRIO no SNS para assim contribuírem com o seu aprendizado a bem dos Portugueses que pagam as despesas com as Universidades.

  2. Oh José, é o povo que paga as propinas aos estudantes? e restantes despesas….deves pensar que é de graça estudar, mesmo no publico.
    É o povo que dá cabo da moleirinha durante varios anos para no fim ter o “prémio” de ir trabalhar para o SNS e levar com povo como tu que não tem onde cair morto?
    SNS= Trabalhar sem parar e da referida classe, ser a mais mal paga na Europa
    E eu não pertenço a essa classe..

    ignorancia que até arrepia

  3. José a minha filha mais nova vai fazer o ano comum num hospital publico a partir de Janeiro, neste momento está na Noruega a trabalhar numa feira de Natal e depois de pagar as despesas todas sobra-lhe mais dinheiro do que vai ganhar num hospital publico, por isso você está a falar do que não sabe, e nem imagina o dinheiro que se gastou para a sua formação.

  4. Acho engraçado que agora que os médicos estão a lutar por aumentos de 30% e menos horas de trabalho, a profissão de médico passou a ser das piores profissões em Portugal. No entanto é ver os estudantes a lutar pelas médias para entrarem no curso de medicina garantido uma vida prospera e com estatuto. Como dizia um médico ” um aluno com média de 19 e 20 são génios que deveriam investigar a cura contra o cancro e dificilmente os via a aturar velhinhos mijados, mal cheirosos etc…”
    Hoje temos profissionais desmotivados que pensavam que iam enriquecer em poucos anos, passariam muito tempo a viajar etc… e que a vida de médico fosse idêntica a serie “anatomia de grey” ou “ER”.
    A saúde precisa de uma grande reforma que começa na seleção e formação e acaba na gestão e produção quando isso estiver afinado depressa os salários elevados serão justificados.

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