A revista francesa Cahiers du Cinéma faz uma homenagem de 36 páginas, na edição de maio, ao cineasta português Manoel de Oliveira, que morreu a 2 de abril com 106 anos.
“O cinema de Oliveira é visionário e messiânico, instintivo e oculto, monumental e íntimo“, escreveu o chefe de redação adjunto dos Cahiers du Cinéma, Jean-Philippe Tessé, num artigo intitulado “O homem e a circunstância”, na edição que chegou esta segunda-feira às bancas francesas.
“A obra é de uma grande sabedoria e de uma grande loucura. Árida em aparência, intimidante pela erudição monumental, desconcertante pelas audácias radicais que a aproximam, por vezes, do cinema experimental. Por mais árida, intimidante e desconcertante que seja, ela criou uma ligação particular com o seu público, nomeadamente aqui em França (e nos Cahiers)”, considerou o crítico de cinema.
A ligação com a revista é invocada no editorial, intitulado “O Espelho Mágico”, em que o chefe de redação Stéphane Delorme relembra a visita do fundador da revista André Bazin a Portugal, em 1957, quando foi guiado, no Porto, por um cineasta “quase desconhecido”, Manoel de Oliveira.
O sociólogo Jacques Lemière, especialista na obra de Oliveira, apresenta “o belo projeto de uma Casa Oliveira no Porto” e recorda a homenagem que o povo portuense lhe fez, no dia do funeral, a que ele próprio assistiu.
A homenagem neste número dos Cahiers conta, ainda, com textos dos atores Leonor Silveira, Luís Miguel Cintra e Diogo Dória, artigos de especialistas do cinema português e uma entrevista a Manoel de Oliveira, realizada pelos críticos de cinema Raymond Bellour e Serge Daney, na altura em que o cineasta estreara “Non ou a vã glória de mandar” e preparava “A divina comédia”.
O ensaísta Raymond Bellour admitiu não se lembrar “exatamente” quando foi feita a entrevista, indicando apenas que, durante “uma passagem por Paris, Oliveira disse a Serge Daney que gostaria de se encontrar com [o filósofo] Gilles Deleuze para falar do tempo“.
“O cinema é a câmara que colocamos como uma pistola ao ombro para ir à caça. Se gostamos de qualquer coisa, disparamos. (…) Mais tarde, recomeçamos. Caçamos num espaço que, para nós, é também o tempo, o tempo da descoberta. Ao olhar ou ao caminhar neste espaço histórico, agarramos coisas que são imediatamente presentes e que, por isso mesmo, já são passado. Daí a importância da memória e do livro, e de tudo o que resistiu”, respondia Oliveira.
A entrevista, publicada originalmente no nº 14 da revista fundada por Gilles Deleuze – a Chimères -, no inverno de 1991/92, acabaria por ganhar lugar na bibliografia sobre o cineasta, sob o título “O céu é histórico“.
Oliveira termina dizendo a Daney e Bellour: “Peço desculpa pela fraqueza das minhas respostas. Prefiro realizar filmes.”
/Lusa