Dois bispos contrariam Cardeal e afastam padres suspeitos. Abusos analisados no Parlamento

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Cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente

Os bispos de Évora e de Angra do Heroísmo contrariaram as palavras do Cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, e afastaram padres suspeitos de abusos sexuais. Isto enquanto o Parlamento aprovou a criação de um grupo de trabalho para analisar as denúncias e alterações à legislação.

PS, PSD, Bloco de Esquerda, PCP, Iniciativa Liberal, PAN e Livre subscreveram um requerimento para a constituição de um grupo de trabalho para avaliação de alterações à legislação sobre abusos sexuais praticados contra menores. Este requerimento só não foi subscrito pela bancada do Chega.

O grupo de trabalho vai funcionar no âmbito da Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias e vai discutir as conclusões do relatório “Dar Voz ao Silêncio” da Comissão Independente para o Estudo de Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica Portuguesa.

“A gravidade dos testemunhos apresentados e a extensão dos abusos e o sofrimento das vítimas tornam premente uma reflexão profunda sobre o que deve ser feito para, na medida do possível, reparar os danos sofridos pelas vítimas e prevenir a ocorrência desta criminalidade grave no futuro”, aponta o requerimento a que a Lusa teve acesso.

Os partidos subscritores notam que o relatório “merece análise mais detida”, nomeadamente no sentido de “uma possível intervenção legislativa a desencadear e/ou tramitar em sede parlamentar”.

A actuação deste grupo de trabalho estará “centrada na ponderação das necessidades das vítimas e nos seus direitos” e vai levar a cabo as audições “que se afigurem pertinentes” no âmbito das conclusões da Comissão Independente.

D. José Ornelas vai ser ouvido no Parlamento

Já foram aprovadas audições parlamentares ao presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, e à ministra da Justiça, entre outras entidades.

D. José Ornelas diz, em declarações à Rádio Renascença, que tanto ele como a CEP estão “totalmente disponíveis para prestar todas as informações e esclarecimentos necessários na Assembleia da República”.

O presidente da CEP promete também que serão tomadas “medidas” nos “próximos dias” que serão “sinal de compromisso sério da Igreja em Portugal e de um total empenho em erradicar os abusos sexuais das crianças e dos jovens”.

“Isto é algo não só devastador para as vítimas, mas também completamente contraditório com aquilo que é a Igreja, ao seu papel e aquilo que ela pretende fazer”, sublinha D. José Ornelas.

Bispos de Évora e Angra contrariam Cardeal e suspendem padres suspeitos

O presidente da CEP, bem como outras altas figuras da Igreja Católica portuguesa, têm estado debaixo de fogo pelas recentes declarações, onde sublinharam que os padres citados no relatório, suspeitos de abusos sexuais, não seriam afastados, recusando o que chamaram de “caça às bruxas”.

O cardeal-patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, também notou que o afastamento de padres não poderia ser feito pelos bispos das dioceses envolvidas, mas apenas pela Santa Sé.

Contudo, contrariamente a estas ideias, os bispos de Évora e de Angra do Heroísmo resolverem suspender padres suspeitos de abusos sexuais de menores.

O bispo de Angra (Açores), D. Armando Esteves Domingues, revela que na lista da Comissão Independente “constam dois nomes” de padres da sua diocese, “um sacerdote de São Miguel e outro da ilha Terceira”.

Após ter falado com ambos, foi acordado que os dois padres ficarão impedidos do exercício público das suas funções até ao final do processo de investigação prévia, que já foi iniciado na diocese e de acordo com as normas canónicas.

A par disso, também seguiu uma “participação ao Ministério Público”, acrescenta o comunicado do bispo de Angra.

“Pedir perdão é pouco”

“Esta decisão não é uma assunção de culpa dos próprios, nem uma condenação por parte do bispo diocesano”, mas o cumprimento do que o Papa Francisco tem recomendado como norma e prática da Igreja em matéria de abusos, aponta ainda D. Armando Esteves Domingues.

O bispo defende que “depois da vergonha e do escândalo”, “é tempo de acção”. “Pedir perdão é pouco”, nota ainda, prometendo “tolerância zero para com os abusadores”.

D. Armando Esteves Domingues também abre a porta a eventuais indemnizações “para a reparação do mal infligido”.

Arcebispo de Évora não podia manter em funções padre suspeito de abusos

O arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, também afastou um padre suspeito de abusos de menores, considerando que, apesar da “presunção de inocência”, não podia manter-se em funções na diocese.

“A pessoa não foi julgada, nós não sabemos se aquilo é verdade. É uma pessoa que tem presunção de inocência, mas não podemos, nesta circunstância, perante a acusação, manter esta pessoa ligada às suas funções”, afirma.

D. Francisco Senra Coelho explica que tomou a decisão de afastar cautelarmente este padre de funções após avaliar o caso e ouvir “três juristas de especialidade canónica”.

A arquidiocese de Évora também está a investigar as denúncias contra este padre que remontam à década de 1980, no Seminário Menor de São José, situado em Vila Viçosa. A informação também seguirá para o Ministério Público.

Havia outro padre da diocese de Évora referido no relatório da Comissão Independente, mas “morreu há alguns anos” e, por isso, “o processo considera-se extinto”, refere o Arcebispo.

“Se a Igreja for condenada, tem que indemnizar”

D. Francisco Senra Coelho defende também que se a Igreja Católica for condenada pela justiça, “tem que indemnizar” quem sofreu abusos sexuais.

“Se a Igreja, como instituição, tiver responsabilidades e for chamada a indemnizar, claro que tem que indemnizar. Quanto? É o poder judicial que o diz“, afirma o prelado alentejano.

Mas para lá das decisões judiciais, a Igreja deve estar sempre ao lado das vítimas. “Tem que ajudar a vítima, tem que estar com o sofrimento da vítima, não é Igreja se não o fizer”, assinala.

Esse apoio pode ser dado, por exemplo, com o pagamento de uma “operação, consultas ou levar a pessoa a um médico no estrangeiro, se for preciso”, refere, notando que não é com “uma indemnização no sentido estrito do termo jurídico”.

ZAP // Lusa

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