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É aceitável usar a Bíblia para fundamentar uma sentença. “Até se pode citar o Astérix”

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(cv) C.M.Loulé

Juiz Conselheiro João Silva Miguel

João Silva Miguel, diretor do Centro de Estudos Judiciários, considera que não há problema nenhum em citar a Bíblia num acórdão judicial. O coordenador de formação, Edgar Lopes, concorda: “Até já citei uma tirinha do Astérix.”

Em entrevista à TSF, o diretor do Centro de Estudos Judiciários (CEJ), João Silva Miguel, considera que os acórdãos judiciais devem ser “o mais secos possível com ausência de considerações que não sejam relevantes para a fundamentação”.

No entanto, João Silva Miguel considera que isso não impede que um juiz possa citar a Bíblia na fundamentação de um acórdão, uma vez que “tudo depende dos contextos em que as coisas ocorrem”.

“Imagine que um senhor magistrado, numa sentença que está a produzir, ou numa outra peça processual, procura fazer a evolução de uma determinada realidade ao longo da história. Pode socorrer-se daquilo que ele considera que é relevante nesse sentido”, argumenta o juiz conselheiro.

Questionado sobre se foi isso que fez o juiz Neto de Moura, João Silva Miguel recusa-se a comentar casos concretos. “O que digo é que a Bíblia é um livro que a sociedade usa, que está, porventura, na cabeceira de muitos portugueses. Se é ou não despropositada a referência naquele contexto, isso é outra coisa”, afirma o diretor do CEJ.

“Mas não creio que se possa afastar a Bíblia ou qualquer outro livro de uma referência num documento que está a ser preparado. Tudo depende do contexto”, remata.

Para o juiz conselheiro pode “ter cabimento mencionar a Bíblia, como mencionar qualquer outro livro”, dependendo das circunstâncias. “Se é despropositado naquele contexto ou não, isso é outro problema.”

Na opinião do diretor do CEJ “os magistrados são de grande qualidade e não devem ser estigmatizados por aquilo que uma outra pessoa possa fazer”, até porque “situação isoladas sempre acontecem”. Além disso, João Silva Miguel reforça que o sistema jurídico português tem “válvulas de segurança que permitem que, se houver decisões que não se conformem a uma determinada situação concreta, as leis permitem que haja recursos, que haja reexame da decisão anterior”.

Em relação ao caso particular da violência doméstica, o diretor do CEJ destaca que a formação que é dada aos juízes revela que, “no ano passado, 530 magistrados participaram nas ações de formação sobre o tema” e que o modelo que está atualmente em vigor é adequado. Apesar disso, reconhece que a lei possa ser alterada.

“Um dos problemas da justiça atualmente é a forma como ela é comunicada. A lei nem sempre é clara. Tem uma redação que não é facilmente percetível por todas as pessoas”, diz à TSF.

“Até se pode citar o Astérix. Eu já citei”

Edgar Lopes, juiz desembargador e coordenador de formação na escola de magistrados, o Centro de Estudos Judiciários, concorda com o conselheiro João Silva Miguel.

“As pessoas ouvem falar em citar a Bíblia numa decisão judicial e parece que é um crime de lesa-majestade. Mas claro que se pode citar a Bíblia, como pode citar-se o Corão, Saramago, um poema, Ary dos Santos, Eça de Queirós. Pode-se citar tudo o que venha a propósito para contextualizar o que se quer dizer, para reforçar o argumento e para o fazer mais compreensível. Não são as citações que tornam os argumentos melhores ou piores.”

No entanto, segundo o Diário de Notícias, Edgar Lopes sublinha que “não se pode tratar jamais de considerar a Bíblia como ‘fonte de Direito'”, como a Banda Desenhada também o não é.

Já citei uma tirinha do Asterix numa decisão. Foi numa ação que a Catarina Furtado pôs ao Tal & Qual. Na capa dizia ‘Catarina desanca Herman José’; o título dizia ‘Catarina critica Herman’ – e o texto dizia só: ‘Ele não diz as falas’. Sabe aquela cena do Astérix em que o druida dá uma poção ao centurião fingir que é a da força mas em vez disso lhe vai fazer crescer o cabelo? Ele toma aquilo e tenta levantar um rochedo. Não consegue e vai para uma pedra mais pequena. E como não consegue a seguir levanta uma pedrinha. Pus mesmo a tirinha na sentença”, conta ao DN.

No entanto, o juiz separa as águas e admite haver uma diferença entre uma decisão judicial e um artigo de opinião. “Os juízes têm a obrigação de saber que uma sentença, um arquivamento, não é, nas palavras da ministra da Justiça numa sessão no CEJ, um diário pessoal, mas um documento da República“, defende.

Há, contudo, países em que é proibido fazer citações. Em Itália, por exemplo, “foi durante algum tempo, não sei se ainda é. Mas sabe o que acontecia? Tiravam as aspas e citavam na mesma”, aponta o magistrado.

Para o desembargador, “a decisão tem de passar de convencida a convincente”, e para se convencer, “é preciso argumentar, e há muitas maneiras de fazer isso“. “O relevante é que a decisão tem de ser o mais clara possível”, remata.

(dr)

LM, ZAP //

15 Comments

  1. A única coisa que um magistrado deve citar é a lei. Nenhum juiz aceitaria que um assassino fosse a tribunal fundamentar os seus crimes recorrendo a passagens bíblicas. A lei aplica-se a todos, SEM exceção.

  2. “Imagine que um senhor magistrado, numa sentença que está a produzir, ou numa outra peça processual, procura fazer a evolução de uma determinada realidade ao longo da história. Pode socorrer-se daquilo que ele considera que é relevante nesse sentido”, argumenta o juiz conselheiro.”

    Eu imagino sim,Senhor Doutor,ó Sabio,Juiz Conselheiro Miguel.Imagino citações do «Kamasutra»,de Verlaine,de Sade,de Gengis Khan, de Sarte,de SImone de Beauvoir,de HItler,de George Sande e Chopin,de Picasso,de Dali,de Da Vinci,de Wagner e do seu amor Luís II da Baviera,de Shoppenhauer,de Freud,de Tutamkhamom,de Carlos mAgno e de Alexandre o Grande,dos Mitos dos Esquimós,dos mitos Judaicos,dos mitos ameríndios,enfim de Toda a Enciclopédia Universal,tudo para fazer,como V.Exª propõe e muito bem, para o Juiz fazer “A EVOLUÇÃO DE UMA DETERMINADA REALIDADE AO LONGO DA HISTÓRIA”.Porque de facto,a Jurisprdência é um Oceano de SAbedoria e os juizes são,a bem dizer os profetas de uma nova era de Luz emando sobre estaimbecil HUmanidade.
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    António Da Franca Ribeiro

  3. A forma como estes senhores falam indicia claramente que julgam que somos todos estúpidos e que eles estão muito acima desta mediocridade, imbecilidade e ignorância em que vivem todos os que não são juízes!!! É óbvio que pode citar o que quiser, tanto o Astérix, como a Bíblia ou o Kamasutra! O que não pode é usar essas citações como fundamento duma decisão judicial! E foi exactamente isto que fez o Neto Moura, homem que já demonstrou cabalmente a sua falta de capacidade e de estatura moral para julgar seja o que fôr! E obviamente que lá vêm agora outros senhores juízes na defesa corporativa do colega (não vá precisarem também de alguma defesa em qualquer momento futuro ou mesmo passado!).

  4. Desde que ouvi um senhor, nao sei se ligado a justiça, se ligado aos meios de comunicaçao ou artístico, dizer que nao concebia que mulher sua saisse e/ou viajasse sozinha, fiquei elucidada sobre o que o “macho” pensa do seu sentido de posse sobre outro ser humano. a bíblia e outros textos arcaicos sao, neste caso, uma fonte inesgotavel para justificar este tipo de postura.
    Ja um grande pensador previu que a tendência da evoluçao humana seria entrar numa trajectória de inversao, de forma a fechar um círculo evolutivo, levando a humanidade a caminhar lenta e progressivamente para o ponto de partida, vivenciando as varias etapas evolutivas em sentido inverso até chegar de novo a pré-história. Enfim, um “Benjamin Button” aplicado a toda a humanidade.

  5. E quando citam e fazem referência, a coisas que nem sequer existe?… Ou então desvirtuam, conforme as conveniências. Estes senhores da justiça, estão convencidos que estão até acima das leis da natureza, e que não terão o mesmo fim que o comum dos mortais. Vão-se catar.

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