Xadrez e ensino superior unidos por motivo improvável. Do caso do campeão do mundo aos exames em Portugal: “Damos aulas há 30 anos e nunca vimos isto”.
O xadrez está sob xeque. Não mate, mas perto disso.
A Sinquefield Cup, um torneio nos Estados Unidos da América, apareceu nas notícias em diversos pontos do planeta porque há suspeitas de batota.
Hans Niemann, um jovem de 19 anos, quase desconhecido, derrotou o melhor jogador do mundo, Magnus Carlsen – que já não perdia há 53 duelos e lidera o xadrez a nível mundial há mais de uma década.
Após essa partida da terceira ronda, Magnus Carlsen anunciou que iria desistir do torneio.
Sem justificação.
Apenas recordou José Mourinho, numa frase do treinador português em 2014: “Prefiro não falar. Se disser o que sinto, terei problemas” – na altura, Mourinho queixava-se da equipa de arbitragem num jogo do Chelsea.
I’ve withdrawn from the tournament. I’ve always enjoyed playing in the @STLChessClub, and hope to be back in the future https://t.co/YFSpl8er3u
— Magnus Carlsen (@MagnusCarlsen) September 5, 2022
Do outro lado, o vencedor Hans Niemann comentou: “Deve ser embaraçoso para o campeão mundial perder com um idiota como eu”.
E o “idiota” pode ser mesmo um idiota – no sentido de ter ideias “fora da caixa”.
É que Hans Niemann já foi expulso de um portal de jogos de xadrez online, por chamada de vídeo, por ter utilizado um computador para analisar os movimentos do adversário.
Hikaru Nakamura, sexto melhor jogador do planeta de acordo com a tabela mais recente, foi directo: “Acho que o Magnus Carlsen acredita que o Hans Niemann fez batota. Mas não há provas“.
O próprio Hans Niemann reagiu a estas sugestões, após o jogo da ronda seguinte, rejeitando qualquer truque ilegal: “Eu foco-me no xadrez há anos, estudo. Fiz jogadas arriscadas, resultaram“.
O portal Big Think também afasta as suspeitas de batota. Porque os computadores não “pensam” como os humanos. Porque Niemann “merece o benefício da dúvida” e simplesmente foi melhor neste duelo.
E apresenta uma hipótese que considera mais provável: alguém da equipa do campeão mundial era um “espião”. Cada jogador de xadrez de topo tem equipas que o preparam para cada jogo – e alguém dessa equipa de Magnus Carlsen pode ter passado informações, estratégias para o adversário.
Até porque, pergunta o Big Think, “se um jogador utilizasse um computador para o ajudar num torneio de xadrez, como é que iria receber as instruções em directo, durante o jogo, em frente ao seu adversário?”
Há alunos em Portugal que respondem a essa pergunta.
Ouvir respostas durante exame
É que a “batota tecnológica” não se fica pelo xadrez. Nem pelo desporto.
Já chegou ao ensino. E já chegou a Portugal, pelo menos às universidades portuguesas.
O primeiro momento peculiar relatado ao ZAP por uma professora universitária – que preferiu manter o anonimato – aconteceu há alguns anos.
O estreante foi um aluno que “parecia que estava a rezar” durante um exame. Estava a falar sozinho e num volume muito baixo.
“Começámos a olhar uns para os outros”, relata a professora. Mais tarde, recebeu a indicação (muito provável) de que o aluno estaria a ouvir as respostas ao exame durante o próprio exame.
Como? Tinha um dispositivo muito pequeno colocado no ouvido, que só saía com um íman. Ou seja, estaria com um microfone ligado a um telemóvel – ambos escondidos – dizia as perguntas e ouvia as respostas pelo tal auricular minúsculo, também ligado ao telemóvel através de bluetooth.
(aqui está uma resposta à questão do Big Think.)
“Mas não conseguimos provar nada. Ele podia alegar que estava a ler o enunciado para ele próprio, há alunos que fazem isso”, recordou a professora.
No ano lectivo passado, o grau de sofisticação aumentou. Novamente durante um exame.
Um aluno começou a levantar a folha de enunciado na vertical, como se estivesse a fazer o movimento de um scanner. A sua camisola estava a ajudá-lo.
“Comecei a achar estranho, fiquei com a sensação de que tinha uma câmara no peito, que estava a filmar as perguntas. É que já me tinham dito que há óculos da Google ou canetas que conseguem filmar. Agora ter um dispositivo na t-shirt…é mais complicado decifrar”, relata.
A professora passou a estar mais atenta ao aluno, também por outro motivo: achou “muito estranho” o aluno ter começado a responder a diversas perguntas de escolha múltipla em poucos segundos.
Ou seja, os primeiros instantes do exame terão servido para o aluno mostrar todas as perguntas a alguém no exterior, através da câmara minúscula.
Havia de facto alguém a dizer respostas ao ouvido: “Em momentos de maior silêncio, percebemos que havia uma voz dentro da cabeça dele (risos). A resposta era transmitida por alguém, ao ouvido. E começámos a estar sempre perto dele”.
Resultado: “Nas primeiras 20 perguntas, acertou 19. A partir daí, como estávamos perto dele, errou mais. Não conseguiu passar porque detectámos. Senão, teria passado”.
O problema para os professores – e copiar é mesmo uma espécie de ódio de estimação para muitos docentes – é que dificilmente evitam estes sistemas tecnológicos. Há regras que impedem um travão a estas novidades.
“Não sabemos como combater isto. Já combatemos as canetas, que agora têm de ser fornecidas por nós no momento do exame. Entregam o telemóvel quando entram na sala – mas podem levar dois telemóveis. E não pode haver revista. Nem podemos mexer no bolso, ou tocar no aluno. Também não dá para bloquear o sinal, o acesso à rede. É ilegal”, enumerou a docente.
Perante regras que dificultam esse combate, a própria professora tenta combater, da forma que consegue: “Os alunos são obrigados a desligar completamente os telemóveis. Se houvesse telemóvel ligado, tinha forma de detectar. Eu própria andei com o meu telemóvel, a andar pela sala, a ver se detectava alguma rede. Não detectei nada”.
Quando chega a altura de corrigir os exames, aí é fácil ver se houve esquema: “Se vários alunos escrevem exactamente a mesma frase, notamos. É que chegamos ao ponto em que está uma pessoa no exterior a dar resposta a seis pessoas ao mesmo tempo. Vimos seis exames muito semelhantes, as mesmas respostas correctas e as mesmas respostas erradas. Respostas certas é resultado de quem estuda. Respostas erradas serem iguais…é estranho“.
No entanto, fica (ainda) mais complicado travar estas batotas quando há um site que vende estes dispositivos para comunicar, auricular praticamente invisível. E o site explica como o esquema funciona e deixa claro: “Este dispositivo é o melhor para copiarem em exames”.
“Damos aulas há 30 anos e nunca vimos coisas assim”, lamenta a professora.
Abandono no reencontro
No dia seguinte à vitória sobre Carlsen, Niemann foi revistado ao pormenor antes de começar a jogar. Telemóveis, auriculares, transmissores de rádio… O corpo inteiro foi revistado. Nada foi encontrado.
Nesta segunda-feira houve reencontro entre Magnus Carlsen e Hans Niemann. Desta vez num jogo online, na Julius Baer Generation Cup
O melhor do mundo realizou uma jogada…e desistiu. Desligou a câmara de vídeo e não voltou.
Carlsen voltou a jogar no mesmo dia, no mesmo torneio. E apareceu. Sem qualquer palavra sobre o que tinha feito.
E há poucos anos, no exame para juiz, a grande maioria foi apanhada a copiar. Para quem deve zelar pelo cumprimento escrupuloso da lei…não é bonito. Depois, dá na justiça que todos conhecemos.
A solução não é difícil, mas dá mais trabalho, o que os srs prof não querem. Podem simplesmente fazer testes com consulta e aí nada disso interessa, ou percebem a matéria e respondem num período de tempo limitado ou não respondem.
Caro amigo Humberto esquece que mesmo testes com consulta não invalida que esteja alguém de fora a dar as respostas ainda de forma mais fácil “consulta”…
Por isso a sua solução não existe.
Boa tarde caro José
Nos testes com consulta, as respostas não são directas, exige raciocínio e conhecimento, sendo o grande adversário o tempo.
Mesmo para alguém que esteja de fora, e consiga resolver os problemas, tem o tempo para lhe ser transmitido o problema, o tempo para resolver o problema e o tempo para transmitir a resposta, o que dificulta sobremaneira a aldrabice.
Mas tem outra medida muito fácil para resolver o problema: bloqueadores de sinais de telemóveis e detectores de emissões nas salas.
Outra forma fácil de resolver o problema é pura e simplesmente expulsar do ensino superior quem for apanhado a aldrabar. Depois de alguns expulsos, sem qualquer possibilidade de voltar ao ensino público, a aldrabice concentrar-se-ia apenas no privado …
Só uma situação até ao momento não tem solução: a morte …
que novidade, há 20 anos atrás ja eu usava um minigravador no bolso com matéria gravada em varias tracks e um auricular no ouvido com o cabelo a tapar.
depois era só andar para a frente e para tras.
Ajudou-me MUITO em filosofia!