André Ventura apresentou dois caminhos a Miguel Arruda – o deputado escolheu um terceiro. Ventura nunca falou em presunção de inocência.
O deputado Miguel Arruda, suspeito de furtar de malas em aeroportos, confirmou nesta quinta-feira que vai passar a deputado não inscrito, deixando de integrar o Grupo Parlamentar do Chega, e desfiliar-se do partido.
“Passo à condição de independente única e exclusivamente para proteger o partido”, afirmou.
O deputado eleito pelos Açores falava aos jornalistas após uma reunião de cerca de meia hora com o presidente do Chega na Assembleia da República.
O parlamentar disse que, na reunião, André Ventura lhe transmitiu que, para continuar vinculado ao Chega, teria de suspender ou renunciar ao mandato.
“O presidente colocou-me à disposição duas opções, mas eu já trazia a minha opção definida”, indicou.
O deputado disse ser inocente, que as malas encontradas em sua casa são suas, e considerou que, enquanto se defende, não pode estar “conotado com qualquer tipo de partido”.
Questionado se tem condições para continuar como deputado da nação, Miguel Arruda respondeu: “Claro que sim, se eu me considero inocente, se eu durmo descansado e de consciência tranquila…”
“Estamos num Estado de direito, uma pessoa só é julgada e condenada no sítio próprio, perante um juiz, não é na praça pública”, defendeu.
Ventura não ficou esclarecido
Poucos minutos depois, André Ventura também falou com os jornalistas na Assembleia da República e recusou que Miguel Arruda seja um incómodo para o partido, apesar de considerar que “há factos que são perturbadores”.
“Não, incómodo seria nós lidarmos mal com uma questão que mete justiça, que mete polícia, que mete ética e transparência. Nós lidámos bem, tomámos a decisão certa, mesmo que isso cause transtornos pessoais, mostrámos que somos de uma fibra diferente de todos os outros partidos”, defendeu.
Ventura disse que as explicações dadas por Miguel Arruda “não são esclarecedoras”, reiterando que, para continuar vinculado ao Chega, o deputado teria de suspender ou renunciar ao mandato.
O presidente do partido indicou que transmitiu a Miguel Arruda que, “perante estas circunstâncias”, não poderia “permitir que continuasse no grupo parlamentar”.
“Há factos que não são uma questão da vossa interpretação, é uma questão do que nos entra pela casa. […] Ora, há factos aqui que são perturbadores, que é o facto de haver imagens de vigilância com três malas a entrar e uma a sair“, afirmou, considerando que “é bom que haja uma explicação muito razoável para isto”.
“Se as malas eram dele, que eu acredito que possam ser eventualmente algumas malas dele, a PSP certamente não se teria mobilizado para ir numa operação policial a casa para procurar descobrir essas malas”, referiu André Ventura.
Ainda assim, não quis diretamente dizer que não acredita que Miguel Arruda seja inocente.
“Eu guardo para mim essa posição, mas sei em que é que o partido acredita, o partido acredita que à justiça o que é da justiça, à política o que é da política, o partido acredita que não pode haver processos a decorrer com evidências deste tipo com a manutenção do mandato do deputado na Assembleia da República”, afirmou.
André Ventura salientou que “os deputados do Chega têm que dar um exemplo de transparência e de integridade” e afirmou que, “perante uma situação em que tem que tomar uma decisão de ética e de transparência, o Chega, ao contrário dos outros partidos, não vacilou”.
“Não mantemos aqui situações permanentes de dúvida e de suspeita”, argumentou. No entanto, o deputado vai continuar no parlamento, apesar de já não integrar o Grupo Parlamentar do Chega. Ventura demarcou-se dessa situação: “Isso já não é uma questão do Chega“.
O presidente do Chega avisou também Miguel Arruda que poderia ser alvo de uma ação disciplinar a nível interno do partido.
“Não diria que eu o obriguei a desfiliar-se, mas transmiti que teria que haveria consequências”, disse.
“Falta de liderança”
Ou seja, André Ventura apresentou dois caminhos a Miguel Arruda – o deputado escolheu um terceiro. Não obedeceu ao presidente do seu (ex-)partido.
Este processo revela um “problema estrutural” no Chega, segundo Nuno Ramos de Almeida.
O comentador da SIC considera que há muitos elementos do partido com “pouca bagagem” e “fracamente preparados” na preparação e na atitude – e isso vai ser mais visível nas eleições autárquicas deste ano.
Mas Nuno Ramos de Almeida deixa um aviso: este caso “não vai tirar nem um voto” ao Chega.
Rui Pedro Antunes disse, na mesma estação televisiva, viu um André Ventura “apertado” nas citadas declarações aos jornalistas. “Isto é péssimo para o Chega e para Ventura”.
O comentador contraria Miguel Arruda, que disse que sai do partido para defender os interesses do Chega: “Ele vai defender os interesses dele próprio!”.
Rui também contraria André Ventura, que alegou que Miguel Arruda não é um incómodo para o Chega: “Enquanto Arruda ali estiver (no Parlamento), vai ser uma espécie de maçã podre. Vai contaminar tudo o resto. Vai ser um problema todos os dias para o Chega, sempre que aparecer na Assembleia”.
Rui Pedro Antunes sublinha que Ventura queria mesmo forçar a saída de Arruda do Parlamento e colocar no seu lugar outro deputado eleito nos Açores. Não conseguiu: “Ao contrário do que Ventura tenta vender, isto demonstra falta de liderança. O que prevaleceu aqui não foi a vontade de André Ventura, foi a vontade do deputado”.
Já no Público, e citando expressões do próprio Chega, Ruben Martins sugeriu que Miguel Arruda é um “sem vergonha que está agarrado ao tacho”.
No mesmo programa, a comentadora Helena Pereira salientou outro aspeto: quando falou com os jornalistas, André Ventura nunca falou em presunção de inocência: “Não admite. Ficou à rasca” – e recusou sempre dizer que acredita que Miguel Arruda é inocente.
ZAP // Lusa