Vários historiadores acreditam que a nova hipótese baseia-se em provas pouco concretas e alertam para que possa alimentar estereótipos anti-semitas sobre judeus que se viram contra outros judeus.
Depois de seis anos de uma intensa investigação aos registos históricos com o recurso a algoritmos, uma equipa de historiadores liderada por um ex-agente do FBI revelou que Arnold van den Bergh, um notário judeu abastado, foi quem denunciou o anexo onde a família de Anne Frank estava escondida aos soldados da Gestapo.
O homem teria traído os Frank para salvar a sua própria família dos campos de concentração. A investigação foi detalhada no livro The Betrayal of Anne Frank: A Cold Case Investigation de Rosemary Sullivan.
A nova teoria até mereceu a felicitação da Casa de Anne Frank à equipa, com Ronald Leopold, director do muse, a saudar as “informações novas importantes” que foram reveladas”, mas a lembrar que são precisas “mais pesquisas” para sobre o notário para se fortalecer “a credibilidade desta história”.
O livro revela que, enquanto membro do Conselho Judaico de Amesterdão — um órgão que os nazis obrigaram os judeus a criar para controlarem a população — van den Bergh saberia onde os Frank estavam escondidos.
Uma das peças mais importantes deste puzzle foi também a revelação de uma carta anónima que Otto Frank, pai de Anne e o único sobrevivente, recebeu que dizia que teria sido van den Bergh a revelar a localização da sua família.
No entanto, há outros historiadores que já não estão muito convencidos com esta teoria. David Barnouw, o autor holandês do livro Who Betrayed Anne Frank?, não acredita nesta tese, escreve o The Guardian.
“Os investigadores sujeitam correctamente as suas descobertas a todo o tipo de ressalvas. Apesar de me perguntar se ele teve acesso a uma lista dos esconderijos dos judeus, o Conselho Judaico era demasiado obediente da lei para a ter, acho”, afirma o autor.
Barnouw também já estava familiarizado com o nome de van den Bergh devido ao bilhete que Otto recebeu e terá entregado a um detective, que descartou a possibilidade de ter sido o notário a trair a família. Para além desta carta anónima, não há outros indícios que apontem para van den Bergh, defende o autor.
Já Emile Schrijver, director do Quarteirão Cultural Judaico de Amesterdão, revela que recebeu uma cópia do novo livro e que as “provas são demasiado fracas para se acusar alguém” e que a investigação se baseia apenas “num trecho de informação”.
Laurien Vastenhout, investigadora especializada no Holocausto e na história do Conselho Judaico de Amesterdão, revela as suas dúvidas ao The New York Times. “Por que é que as pessoas escondidas dariam as suas moradas ao Conselho Judaico?”, questiona, apontando que o livro está “cheio de erros” e que só se baseia em termos como “provavelmente” ou “certamente”.
“O problema é que fazem esta acusação sem darem provas concretas. Novamente, a história é de que os judeus fizeram isto a si mesmos. Parece que voltamos à estaca zero”, critica, em alusão ao estereótipo anti-semita de que os judeus também tiveram culpa pelo Holocausto.
Sem querer alimentar este estereótipo, Otto Frank teria optado não revelar publicamente a identidade de quem traiu a sua família, segundo outras teorias, já que se especulava de que o pai de Anne sabia de quem se tratava.
Leopold também confirma que sabia dos boatos de que o Conselho Judaico tinha uma lista de moradas, mas que só os tinha ouvido de “fontes pouco confiáveis” e lembra isso seria “muito, muito arriscado” para o grupo dada a ocupação dos alemães.
Pieter van Twisk, o produtor holandês que reuniu a equipa que fez a nova investigação, já refutou algumas destas críticas. Apesar de confirmar que não tem a certeza de que a lista existia, “várias fontes” mencionaram a sua existência e estas “provas circunstanciais” também devem ser tidas em conta.
Já várias investigações tentaram decifrar este enigma, mas há outras teorias que apontam para que não tenha havido nenhuma traição e que os agentes da Gestapo tenham encontrado o anexo de Anne Frank por acaso, numa investigação paralela ao edifício em busca de um negócio ilegal de senhas de alimentação.
Hanco Jürgens, do Instituto da Alemanha em Amesterdão, acredita que é “muito mais provável que a detenção tenha sido acidental” já que cinco meses depois “dois funcionários foram presos pela troca clandestina de senhas”. “Pode ter sido uma visita regular que acabou com a descoberta do lugar de esconderijo”, sugere.
Entre teorias e hipóteses, as únicas certezas são de que Anne foi enviada para o campo de trânsito de Westerbork e que daí partiu para Auschwitz. A jovem de 15 anos acabou por ser levada para o campo de concentração de Bergen-Belsen, onde morreu em Fevereiro de 1945 com uma febre tifo.
O seu diário, que relatou com detalhe a sua experiência nos dois anos em que viveu escondida no anexo, foi publicado em 1947 e está traduzido para mais de 60 línguas, tendo já vendido mais de 30 milhões de cópias.