Embora a ciência só tenha descoberto a causa da peste em 1894, no século XVII o Papa Alexandre VII decretou medidas sanitárias que, para muitos especialistas, contribuíram para que a letalidade da doença fosse muito menor na população romana.
De acordo com levantamento realizado pelo historiador italiano Luca Topi, professor da Universidade de Roma La Sapienza, entre 1656 e 1657 a peste matou 55% da população da Sardenha, metade da população de Nápoles e 60% dos que habitavam Génova.
No entanto, em Roma, foram 9,5 mil mortos num universo de 120 mil pessoas – menos de 8%. Calcula-se que a peste tenha dizimado cerca de metade da população europeia, em diversas ondas.
Alexandre VII tinha sido eleito Papa há um ano quando começaram a chegar relatos de mortes pela doença no reino de Nápoles.
Assim que surgiram as primeiras notícias de que a peste teria chegado a Roma, Alexandre VII colocou em alerta a Congregação da Saúde, que havia sido criada devido a um surto anterior.
A 20 de maio, foi promulgado um decreto que suspendia toda a atividade comercial com o reino de Nápoles – já fortemente afetado. Na semana seguinte, as restrições estenderam-se e ficou também proibido o acesso a Roma de qualquer viajante vindo da cidade.
No dia 29, a cidade de Civitavecchia, dentro dos domínios dos Estados Pontifícios, registou a chegada da peste e foi imediatamente colocada em quarentena.
As medidas de contenção tomadas por Alexandre VII
A partir de então, qualquer entrada tinha de ser justificada e registada.
A 15 de junho, Roma teve o primeiro caso: um soldado napolitano que morreu num hospital. Depois do sucedido, as medidas começaram a endurecer cada vez mais, sendo que poucos dias depois, uma lei passou a obrigar a todos infetados a informarem as autoridades do seu estado de saúde.
Assim, um documento papal passou a obrigar todos os padres, e os seus ajudantes, a visitar, a cada três dias, todas as casas das suas paróquias para identificar e registar os doentes.
Na época, esta foi a única forma encontrada de registar os infetados.
Com as notícias de mais mortes a chegar, a primeira ideia foi tentar isolar a região. Na noite do dia 22 para o dia 23 de junho, sob as ordens de três cardeais, vários trabalhadores ergueram um muro de contenção após nove horas de trabalho.
Depois disso, o endurecimento das regras foi gradual até que foi exigido um confinamento completo.
“Foram banidas várias atividades económicas e sociais. Festas, cerimónias públicas, civis e religiosas também foram canceladas”, refere o seminarista Gustavo Catania, filósofo do Mosteiro de São Bento de São Paulo.
Por outro lado, os “mercados foram suspensos e algumas pessoas que moravam na rua foram retiradas, porque podiam ser focos de contágio. A travessia noturna do Rio Tibre também foi proibida”, acrescenta o estudioso.
O Papa também determinou que naquele período ninguém deveria fazer jejum, numa tentativa de que as pessoas não se privassem de alimentos e, assim, se mantivessem mais saudáveis para o caso de serem infetadas.
Todas as pessoas que tinham pelo menos um caso na família estavam proibidas de sair de casa.
Para garantir a assistência, Alexandre VII separou os padres e os médicos em dois grupos: aqueles que teriam contacto com os doentes e os que não teriam, encarregando-se de zelar pelo restante da população.
Perante a nova medida “os médicos foram proibidos de fugir de Roma”, recorda Catania, lembrando que muitos tinham receio de ficar infetados com a peste.
Nos meses de outubro e novembro, quando a incidência da doença foi maior, chegou-se a prever pena de morte para quem não cumprisse as regras.
Vozes críticas
Apesar da gravidade da situação, nem todos acreditavam nas suas consequências.
“O Papa chegou a ser acusado de ter inventado a doença em benefício próprio, para ganhar popularidade”, conta a Mirticeli Medeiros, investigadora de história do catolicismo na Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma.
“Muitas pessoas não queriam que o pontífice adotasse as medidas para não alarmar a população”, complementa. “Até os seus colaboradores mais próximos o aconselharam a não fazê-lo. Temiam que, a partir do momento em que levasse a público a gravidade da situação, a economia passasse a sentir os efeitos”.
A BBC escreve que há relatos de que um médico teria divulgado notícias falsas acerca das reais motivações do confinamento. “Espalhou que essas decisões do Papa escondiam interesses políticos”, diz o historiador Victor Missiato, professor do Colégio Presbiteriano Mackenzie Brasília.
Outro caso foi o do religioso Gregorio Barbarigo. Quando foi eleito, o Papa Alexandre VII nomeou-o prelado da Casa Pontifícia, conselheiro e, em seguida, referendário do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica.
Contudo, o conselheiro acabou por ser uma voz crítica das medidas tomadas. “Questionava as medidas, dizia que estas provocavam mais mortes do que a peste, porque causavam mortes pela fome e pelo medo. Mesmo próximo ao Papa, tinha um olhar crítico”, frisa Araujo.
Quando o surto terminou em agosto de 1657, a celebração foi à altura.
Alexandre VII demonstrou o renascimento da Igreja com monumentos que marcam o Vaticano até hoje, como o conjunto de colunas da Praça de São Pedro, obra do escultor e arquiteto Gian Lorenzo Bernini.
Já havia negacionistas no século XVII. Vêm de longe…