Foi um dos crimes de ódio mais marcantes da democracia portuguesa. Ainda hoje, há extremistas que celebram a morte do actor cabo-verdiano.
Um dos autores do ataque que ocorreu esta terça feira, 10 de junho, ao actor d’A Barraca Adérito Lopes esteve envolvido no assassinato de Alcindo Monteiro, há 30 anos, na mesma data.
Segundo apurou o Público, dois dos atacantes desta terça feira são membros do grupo de extrema-direita “Sangue e Honra” (Blood & Honour), mencionado na versão provisória do Relatório Anual de Segurança Interna (RASI) de 2024. Foi eliminado na versão final.
No mesmo dia, em 1995
“Eu diria que esta é uma história que me impacta pessoalmente há muito tempo”.
Miguel Dores lembra-se perfeitamente: ir ao Bairro Alto, em Lisboa, era sinónimo de ouvir falar sobre Alcindo Monteiro. “Na primeira vez que fui ao Bairro Alto, com amigos do meu irmão mais velho, lembro-me perfeitamente de me contarem a história do Alcindo Monteiro com o dedo apontado ‘foi aqui que aconteceu’ e mostrarem-me o trajecto todo”.
“E o Bairro Alto sempre foi um lugar de ritualização desta tensão social que era o possível encontro de skinheads neonazis”, continuou, no jornal A Voz do Operário.
Miguel Dores foi o autor do documentário Alcindo, um filme que estreou há quatro anos.
É uma obra sobre o assassinato de Alcindo Monteiro, em 1995. Naquela madrugada do 10 de Junho, Alcindo Monteiro “saiu para se divertir com os amigos e nunca mais voltou”, como recorda Joana Mortágua, 30 anos depois.
Alcindo Monteiro foi atacado por um grupo de skinheads no Bairro Alto, num crime de violência racial – e um dos crimes de ódio mais marcantes da democracia portuguesa. Foi espancado brutalmente naquele momento. Morreu dois dias depois.
Era luso-cabo-verdiano. Tinha apenas 27 anos.
Ainda há portugueses (poucos, pequenos grupos de extrema-direita) que desvalorizam — ou até celebram — a morte de Alcindo Monteiro.
Voltando a Miguel Dores, autor do documentário: “Depois, mais tarde, com a minha participação na cena punk, o que se passou era muito lembrado nesse seio como a história que não perdoamos e a história que queremos que não seja esquecida“.
O filme procura, a partir deste caso, “discutir uma forma sistémica de racismo e como é que a sociedade se estrutura para a produção de linchamentos sociais e para a produção de um patrulhamento e de um clima de segurança associado a figuras que se tornam inimigos públicos”.
“Então, o filme parte dessa estrutura de explicar o que é que aconteceu nesse momento, escutar as vítimas diretas deste caso, a família e os amigos do Alcindo, mas também observar como é que a sociedade se posiciona sobre este caso e como é que a sociedade se vinha construindo durante os anos 90”, explica Miguel.
“Gesto genocida”
E Miguel Dores foi mais longe nessa entrevista: “Acho que há um grande desconhecimento sobre a forma como este linchamento racial se sucedeu. É colectivo, há uma intencionalidade e as agressões são feitas todas da mesma forma”.
“Com intensidades diferentes, nesta noite vários espancamentos são feitos com recurso ao cerco em grupo, com desferimento de golpes letais à cabeça das vítimas, e constantes verbalizações de vontade expressa de matar pessoas negras durante o trajecto; tudo isto provado em tribunal”.
Miguel Dores não tem dúvidas: o ataque no dia 10 de Junho de 1995 foi um “gesto genocida”.
Agora em 2025, homenagem a Alcindo Monteiro em Lisboa: “Há muitos anos, morreu aqui uma pessoa porque tinha uma cor da pele diferente da minha. E eu não quero que façam isso ao meu pai”, diz Xavier, que tem 6 anos e pele branca. É filho de um moçambicano.
30 anos depois, o 10 de Junho ficou marcado em Portugal por outro crime na rua. Mais uma agressão, mais uma em Lisboa. Com contornos diferentes.
Sensações… dizem os retardados mentais.