(cv) A Night To Remember
Deixando de parte o romantismo do filme de James Cameron, “A Tragédia do Titanic” tem o equilíbrio perfeito entre ficção e realidade.
Já se passaram 110 anos desde o naufrágio do Titanic. Mais de 1.500 passageiros e tripulantes morreram num dos desastres marítimos mais mortais em tempos de paz. A história do navio e dos seus passageiros há muito assumiu proporções míticas e saltou para o cinema várias vezes.
A oferta desajeitada de James Cameron de 1997 pode vir à mente primeiro, mas “A Night to Remember” [“A Tragédia do Titanic”], de Roy Ward Baker, de 1958, oferece um melhor retrato do desastre.
O Titanic fascina os cineastas porque tem tudo o que um dramaturgo poderia desejar: heroísmo, sacrifício, decência e elegância sob pressão. A covardia e a autopreservação também estão presentes.
O navio oferece um microcosmo da sociedade em que as divisões de classe recebem maior urgência quando a vida e a morte estão em jogo. O transatlântico luxuosamente decorado simbolizava uma nova era de prosperidade esperada pelos passageiros que se dirigiam ao Novo Mundo.
Tanto Baker quanto Cameron capturam essa atmosfera otimista nas primeiras cenas dos seus filmes.
“A Tragédia do Titanic” foi adaptada por Eric Ambler dos relatos de eventos de 1955 de Walter Lord. Este ainda é considerado um dos relatos mais precisos do desastre.
Ambler, mais conhecido como escritor de ficção de espionagem, elaborou um roteiro incisivo sem sentimentalismo. Ambler consegue um equilíbrio entre as personagens fictícias e as pessoas reais apanhadas no desastre.
A situação da família fictícia Lucas e dos devotados recém-casados que se recusam a separar são julgados e permitem que os contos lendários de personagens da vida real respirem. Figuras bem conhecidas da vida real, como a “inafundável” Molly Brown e Benjamin Guggenheim (que opta por afundar com o navio), recebem a quantidade certa de tempo de ecrã.
A história real milagrosa do padeiro bêbado Charles Joughin, que sobreviveu contra todas as probabilidades, é explorada por um potencial inesperadamente cómico.
O roteiro de Cameron, que ele mesmo escreveu, cobre muito do mesmo material, mas não consegue alcançar o mesmo senso de equilíbrio. Tudo é desordenado pela preocupação com o romance entre Jack (interpretado por Leonard DiCaprio) e Rose (Kate Winslet), e o seu noivo abandonado Cal (Billy Zane).
Embora Cameron use o triângulo amoroso para expor as iniquidades enfrentadas pelos passageiros da terceira classe no desastre iminente – muitos dos quais ficaram presos no convés nos seus aposentos – a trajetória da história de amor toma um rumo absurdo quando Cal persegue os amantes através do navio disparando a sua pistola indiscriminadamente.
A água está a jorrar pelos conveses, as pessoas estão a fugir em todas as direções, e ainda assim Cal ainda acha necessário castigar Jack e Rose.
Menos é mais
Enquanto Cameron constrói a sua história em torno da enorme atração do “rei do mundo” Leonardo DiCaprio, uma das principais virtudes do filme de Baker é a escolha de Kenneth More para o papel principal de Charles Lightoller. O papel real de Lightoller na evacuação do navio foi amplamente documentado e é fonte de muita controvérsia devido à sua estrita adesão ao código “mulheres e crianças primeiro”.
O foco de Baker em Lightoller dá ao filme um centro moral e é baseado em relatos de testemunhas oculares documentados por Walter Lord. Lightoller encarrega-se da evacuação a bombordo. Ele aconselha as pessoas a “controlarem-se” e “lembrarem-se de si mesmas” quando a situação ficar fora de controlo.
No entanto, Lightoller fica mal no filme de Cameron. No final dos anos 1950, ele é retratado como galã, mas no final dos anos 1990, ele é retratado como menos do que competente.
O foco de Cameron muda para William Murdoch (Ewan Stewart), outra personagem da vida real que foi responsável por lançar muitos botes salva-vidas e salvar centenas de vidas. Mas a certo ponto, Murdoch é mostrado a receber um suborno de Cal por um lugar num barco. Esta é uma fabricação completa que mancha o bom nome de um homem heroico. Cameron mais tarde reconheceu que deveria ter tido mais cuidado com esta importante figura histórica.
ZAP // The Conversation
