A “nova Índia” está a tornar-se a capital das violações. Mas porquê?

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Violação em grupo de cidadã brasileira volta a chamar a atenção para a violência sexual sem fim no país. Cultura machista, sistema de castas e impunidade contribuem para o cenário assustador.

A polícia da Índia confirmou esta terça-feira que deteve todos os oito suspeitos de envolvimento na violação coletiva da turista brasileira Fernanda Santos. A vlogger, de 28 anos, e o seu marido, de 64 anos, têm viajado pelo mundo nas suas motocicletas há vários anos. Na passada sexta-feira, foram atacados enquanto acampavam à noite, a cerca de 300 quilómetros da capital do estado, Ranchi.

“Eles violaram-me, revezaram-se enquanto alguns assistiam e fizeram-no por cerca de duas horas”, disse a brasileira, que também tem nacionalidade espanhola, ao canal de televisão espanhol Antena 3.

O casal tinha viajado para várias partes da Ásia nas suas motocicletas antes de chegar à Índia, há alguns meses.

Num outro incidente, apenas alguns dias após o ataque à brasileira, a polícia disse que uma artista de palco de 21 anos, do estado central indiano de Chhattisgarh, foi violada pelos seus colegas artistas no distrito de Palamu, em Jharkhand.

Estes crimes surgem na sequência de outro incidente ocorrido no fim-de-semana, quando uma jovem de 17 anos foi alegadamente violada por dois homens ao regressar a casa depois de participar num casamento no distrito de Hathras, no norte de Uttar Pradesh.

A natureza brutal destes ataques chocou a sociedade indiana e, mais uma vez, colocou em cima da mesa a questão da segurança das mulheres. Violações brutais têm sido relatadas na Índia quase diariamente, e os relatórios de agressões sexuais aumentaram nos últimos anos.

Estatísticas não refletem a realidade

Uma média de quase 90 violações por dia foi relatada na Índia em 2022, de acordo com dados do próprio governo indiano. Mas é provável que o número real seja muito maior, pois muitos destes crimes não são denunciados devido ao medo de represálias, aos estigmas em relação às vítimas e à falta de confiança nas investigações policiais.

“Estamos a assistir agora à pior fase da violência sexual e da misoginia”, disse à DW Kavita Srivastava, secretária-geral da ONG de defesa dos direitos humanos Peoples Union of Civil Liberties (PUCL, União Popular pelas Liberdades Civis).

Esta é a nova Índia, onde parece haver um colapso completo do Estado de direito, que afeta diretamente as mulheres, num período que é também de consolidação descarada do patriarcado.” Srivastava, que fez campanha pela segurança das mulheres, diz que a violência contra as mulheres parece ter-se tornado ainda mais normalizada.

“Por exemplo, os trolls nas redes sociais, que querem silenciar, abusar ou violar toda mulher assertiva ou a sua filha, não são responsabilizados”, disse. “Com a crescente impunidade dos violadores e os instrumentos judiciais que se rendem aos políticos, o combate à violação tornou-se difícil.”

Jaya Velankar, diretora da Jagori, ONG especializada em questões femininas, assinala o aumento dos crimes sexuais contra as mulheres no país, bem como o tratamento dado às que estão nos degraus mais baixos do rígido sistema de castas do país, como resultado da cultura de impunidade de cima para baixo, que atua como um fator encorajador.

“Isso é uma reação contra as mulheres que ocupam mais espaços públicos e desafiam a hegemonia masculina em quase todas as esferas da vida”, disse Velankar à DW. “A maioria dos homens está sobrecarregada e não sabe como lidar com os seus egos feridos, e o desemprego generalizado criou um desespero geral“, acrescentou.

Velankar também se referiu aos baixos níveis de condenações, com casos que ficam parados por anos no sistema de Justiça criminal da Índia. “Investigações de má qualidade em casos de violação e recolha deficiente de provas na fase preliminar também são fatores que têm ajudado os detentores de poder e conexões políticas a saírem livres”, disse Velankar.

Falha na proteção das mulheres

Grupos de direitos humanos afirmam que as mulheres do nível mais baixo das discriminatórias hierarquias de castas seculares da Índia – conhecidas como dalit – são particularmente vulneráveis à violência sexual e a outros ataques.

Dizem que os homens das castas dominantes frequentemente usam a violência sexual como uma arma para reforçar as hierarquias repressivas de género e casta.

A violação coletiva e assassinato de Jyoti Singh, estagiária de fisioterapia de 23 anos que ficou conhecida em todo o mundo como “Nirbhaya” (que significa “sem medo”), em dezembro de 2012, provocou indignação e colocou as mulheres no centro das atenções no país, levando a leis mais rigorosas sobre violência sexual e à introdução da pena de morte para violação.

Apesar de tudo, os crimes sexuais não desapareceram. A natureza da violação tornou-se mais agressiva, mais brutalizada e, até certo ponto, tornou-se uma forma de vigilância.

Apesar de um aumento no número de casos de violação relatados e de cada vez mais mulheres se manifestarem, a taxa de condenação no país continua baixa. Em muitos casos, a falta de provas é frequentemente citada como motivo para a baixa taxa de condenação ou para as condenações serem anuladas por tribunais superiores.

// DW

2 Comments

  1. Em muitos aspectos a Índia ainda é um país do terceiro mundo, apesar do seu desenvolvimento e da sua pretensão a superpotência a longo prazo.

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