Primeiro-ministro Edi Rama quer fazer da Albânia o primeiro país do mundo a abolir o dinheiro em espécie. Críticos dizem que “é perigoso”, devido à elevada informalidade e aos hábitos da população.
O primeiro-ministro da Albânia, Edi Rama, conquistou o seu quarto mandato em maio, prometendo aos cidadãos albaneses que lideraria o país rumo à adesão à União Europeia (UE) até 2030. Em meados de julho, anunciou outro plano fundamental para o mesmo período.
“Temos a ambição de que, até ao final desta década, a Albânia se torne uma sociedade sem dinheiro em numerário, o que significa que todas as interações e transações financeiras serão totalmente digitais”, disse Rama a representantes de startups e do setor da tecnologia e inovação no encontro “Albânia 2030 — uma visão para a integração europeia”.
“O que é necessário é mais qualificação”, prosseguiu, enfatizando que as ferramentas necessárias para uma Albânia sem dinheiro vivo já existem. “Acredito que, se conseguirmos traçar corretamente o roteiro para o futuro, esse objetivo será totalmente alcançável e libertará o país de um pesado fardo de práticas ultrapassadas e ineficiências que sobrecarregam o quotidiano”, afirmou Rama.
Rama quer fazê-lo sob a principal justificação de haver neste momento muitas transações a acontecer “por baixo da mesa”, e abater esse dinheiro ‘sujo’ é a prioridade do sistema inédito.
Estimativas citadas pelo Politico indicam que a economia informal — a parcela da economia não contabilizada nas estatísticas oficiais — representa entre 29% e 50% do Produto Interno Bruto (PIB).
Tudo parece muito simples e direto. Mas será mesmo?
“Prefiro dinheiro vivo”
Na Albânia, o dinheiro vivo ainda é rei e muita gente ainda faz a típica jogada de esconder maços de notas debaixo do colchão. Por exemplo, Mimoza A., de 62 anos, de Tirana, conta que no seu dia-a-dia a única vez que usa um cartão bancário é quando levanta o seu salário na caixa multibanco perto do seu apartamento.
“Não é comum que pessoas da minha geração usem cartão para pagar compras no supermercado ou no cabeleireiro. Eu prefiro dinheiro vivo e irei sempre preferir”, disse à DW. Mimoza não está sozinha; a maioria das pessoas no país pensa assim.
Quando a Albânia se libertou das amarras da ditadura comunista, há 35 anos, não possuía um sistema bancário e financeiro moderno. As coisas progrediram lentamente após a transição para a democracia, com as caixas multibanco a serem introduzidas apenas em 2004.
Arben Malaj, que foi ministro das Finanças e da Economia de 1997 a 2005 e trabalha atualmente como especialista financeiro e docente, acredita que o populismo é o motor por trás da ambição de Rama de ter uma economia sem dinheiro. Malaj diz que há uma série de fatores cruciais que dificultarão a concretização de uma sociedade sem dinheiro nos próximos cinco anos.
“A elevada taxa de informalidade, especialmente no setor agrícola, que representa grande parte do Produto Interno Bruto (PIB), é muito superior à de qualquer outro país da região. Uma grande percentagem da população vive em zonas rurais. Além disso, a maior parte do rendimento dos emigrantes – milhares de milhões de euros por ano – é enviada por fora dos canais oficiais de pagamento. E os principais parceiros comerciais da Albânia – Turquia, Grécia e Itália – também apresentam elevadas taxas de informalidade”, disse o ex-ministro à DW.
O especialista alerta ainda que qualquer redução no uso do dinheiro vivo exigiria um enorme investimento em cibersegurança.
Ambição “perigosa”
Especialistas em cibersegurança como Besmir Semanaj consideram o plano de Rama não só irrealista, mas também “perigoso”.
Semanaj usa como exemplo os ataques cibernéticos massivos a instituições governamentais em 2024. Os alvos incluíram o sistema e-Albania (o portal de serviços governamentais) e os sites do Parlamento albanês e do Instituto de Estatística.
O especialista afirma que esses e outros grandes ataques cibernéticos em 2022 mostram claramente que a Albânia não só está muito exposta, como também não possui a arquitetura necessária para proteger essa infraestrutura crítica.
“Mesmo os países mais avançados da Europa, como a Suécia ou a Noruega, estão a reavaliar a necessidade de manter um mínimo de dinheiro em circulação, precisamente por razões de segurança e prontidão em emergências ou ataques cibernéticos”, disse ele à DW.
“Assim, enquanto as nações mais digitalizadas mantêm ‘previsões offline’, a Albânia afirma que planeia tornar-se 100% digital em menos de dez anos, sem primeiro desenvolver capacidades básicas de protecção cibernética. Uma economia totalmente dependente de sistemas digitais e sem alternativa é uma economia desprotegida e exposta, que ficaria totalmente paralisada por um vírus ou apagão”, afirmou Semanaj.
“Pequenas e médias empresas sofrerão”
Hazis I. trabalha como gerente no sector do turismo há cerca de 40 anos. Atualmente, gere um dos hotéis mais populares de Tirana, frequentado por turistas de todo o mundo.
Normalmente, os turistas estrangeiros preferem usar cartões para pagar as suas contas, o que contrasta fortemente com os hóspedes albaneses do hotel, que ainda preferem pagar em dinheiro, e implica custos mais elevados para o hotel, uma vez que as empresas pagam taxas bancárias por cada transação com cartão. O gerente não está por isso muito entusiasmado com os planos do primeiro-ministro.
“Sou contra esse objetivo de eliminar o uso de dinheiro em numerário, porque podemos lidar com turistas que querem usar cartão para pagar um café que custa 1,50 euros. Mas o que devo fazer com essas pequenas empresas que nos fornecem vegetais ou queijo da quinta para o nosso restaurante?”, questionou.
“Durante o verão, por exemplo, compro melancias regularmente ao agricultor que as vende na esquina. Ele nunca usou pagamentos digitais e tenho a certeza de que nunca usará. Esse plano vai tirar as pequenas empresas do mercado. E até nós teremos muitas dificuldades”, disse à DW.
Falta de metas concretas
Para o ex-ministro Arben Malaj, o objetivo de eliminar o uso de dinheiro em numerário até 2030 não foi definido e, portanto, não é mensurável. Afirma que o governo só poderá estabelecer metas concretas e prazos obrigatórios depois de instituições, grupos de interesse e académicos analisarem de perto o sistema de pagamentos.
“Atualmente, não existe [em nenhum lugar do mundo] uma economia ‘dinheiro zero’. Nos países onde há mínima literacia financeira e falta de conhecimento digital, governação deficiente e baixa qualidade de serviços públicos cruciais – como educação, saúde, coesão e solidariedade social – e onde a corrupção percebida é elevada, é impossível alcançar um sucesso significativo e sustentável no curto prazo”, afirma Malaj.
O Banco da Albânia registou nos últimos dez anos um aumento nos pagamentos eletrónicos.
“O público beneficiou de custos mais baixos, produtos adaptados às suas necessidades e maior acesso aos serviços de pagamento, o que se refletiu num aumento de dois dígitos no uso de pagamentos eletrónicos, atingindo 21 desses pagamentos per capita [por ano], em comparação com apenas dois em 2015”, afirmou o diretor do banco, Gent Sejko, em comunicado à imprensa no ano passado.
Ainda há muito a percorrer
Para Semanaj, tudo isso ainda está muito abaixo do padrão da UE, onde os Estados-membros contabilizam mais de 300 transações digitais per capita por ano.
“O comércio eletrónico é limitado [na Albânia]”, disse. “Plataformas internacionais como a Stripe não operam na Albânia, e as pequenas e médias empresas dependem de bancos locais que oferecem portais que costumam ser muito caros de integrar. O PayPal existe para pessoas singulares, mas não é uma solução integrada para as empresas albanesas. Isso significa que o comércio online é limitado e bloqueia o acesso da Albânia ao comércio digital global.”
ZAP // DW