A forma como passamos do estado de sono para o estado de vigília é mais complexa do que se possa pensar. A forma e, mais importante, o momento em que acordamos pode ter um grande efeito na forma como nos sentimos imediatamente a seguir.
Sabemos há muito tempo, pelo menos, desde que a banda REM existe, que o sono acontece em ciclos. Existe a fase I do sono, em que, talvez, intuitivamente, ainda estamos acordados — é nesta que podemos sentir que estamos a “adormecer”, talvez com alguns solavancos hipnóticos pelo caminho.
Eventualmente, passa-se para a fase II do sono, ou “sono leve“, do qual se pode acordar com bastante facilidade. Passa-se depois para a fase III, o nível mais profundo do sono, do qual é mais difícil acordar.
Oscilamos por estas fases ao longo da noite, pontuando cada queda e subida com uma explosão de sono REM e, mais frequentemente do que se possa pensar, um pequeno período de vigília.
Ao longo deste ciclo, o nosso cérebro está a passar por algumas mudanças incríveis. As nossas ondas cerebrais, normalmente uma oscilação alfa constante quando estamos relaxados, mudam para um padrão teta — um ritmo frequentemente associado à formação da memória e à navegação o que é interrompido esporadicamente por explosões súbitas e curtas de atividade neural conhecidas como “fusos do sono”.
Por fim, no sono profundo, as nossas ondas cerebrais abrandam de tal forma que se tornam ondas delta, com frequências tão baixas como 0,5 Hz.
Sabe-se tudo isto, graças ao EEG, ou seja, à eletroencefalografia, mas o que ainda não se sabe até agora é como é que acordamos deste ciclo. Poderá essa mesma técnica ser utilizada para responder a esta nova questão?
Segundo o IFL Science, uma equipa suíça achou que valia a pena tentar. “A eletroencefalografia convencional […] é a técnica padrão para registar o sono num ambiente naturalista e em distúrbios clínicos”, salientam no seu novo artigo – mas “as alterações regionais do EEG no momento exato da transição do sono para a vigília não foram investigadas em pormenor”.
Documentar o que acontece no cérebro quando acorda é “de grande interesse”, escrevem os autores, no estudo publicado no Current Biology, “não só para compreender melhor como o restabelecimento regional da vigília afeta a cognição e o comportamento, mas também porque muitos distúrbios do sono, incluindo a insónia e as parassónias, são caracterizados por despertares incompletos, excessivos ou anormalmente temporizados”.
“Compreender melhor a dinâmica espacial subjacente a estes despertares pode, assim, melhorar a sua deteção e ajudar a identificar os substratos neurais subjacentes”, sugerem.
Pode pensar-se que acordar é o mesmo que adormecer, mas ao contrário. Acontece que não é esse o caso. Rachel Rowe, neurocientista da Universidade do Colorado em Boulder, que não participou no estudo, disse que “acordar é uma onda ordenada de ativação que se move da frente para trás do cérebro”.
Foi essa a conclusão a que a equipa chegou ao analisar mais de 1000 despertares — tanto espontâneos como resultantes de um alarme — experimentados por 20 participantes no estudo, cada um com 256 sensores EEG no couro cabeludo. Para ser claro, são muitos sensores: “Na sua configuração habitual, [um EEG] utiliza apenas alguns elétrodos”, refere o documento.
Mas “a surpresa é a consistência [deste padrão] em todos os despertares”, disse Francesca Siclari, investigadora do Instituto Holandês de Neurociências e autora sénior do estudo. A marcha do sono para a vigília começa, ao que parece, na parte da frente, em regiões associadas à função executiva e à tomada de decisões; o estado de alerta espalha-se depois para trás através do cérebro, acabando numa região na parte de trás associada à visão.
Pelo menos, é o que acontece normalmente. “O cérebro responde de forma diferente aos sinais de excitação, dependendo da fase em que se encontra”, continuou Stephan, numa declaração sobre a investigação.
E acordar da frente para trás? Tecnicamente, isso só acontece quando acordamos do sono REM — que é o sono associado a sonhos vividos, quando a atividade cerebral é mais semelhante à de quando estamos acordados. Aparentemente, é também um estado do qual precisamos de ser sacudidos: quando acordamos do sono REM, “o córtex responde imediatamente com uma atividade rápida, semelhante à do despertar”, explicou Stephan.
O despertar do sono não-REM, pelo contrário, é um processo mais gradual — e tem um passo extra, com o estado de alerta a começar lentamente num “hub” central do cérebro. É só depois disso que o padrão padrão da frente para trás começa.
A razão para isso é fundamental para o funcionamento do sono não-REM, explicou Stephan. “No sono não-REM, os neurónios que ligam os centros de excitação ao córtex alternam entre estados de atividade e de silêncio — uma dinâmica conhecida como ‘biestabilidade’”, disse. “Como resultado desta biestabilidade, qualquer estímulo de excitação desencadeia primeiro uma onda lenta, antes de passar a uma atividade mais rápida.”
“Em contraste, o sono REM não tem este padrão biestável”.
Assim, com o processo de despertar agora compreendido com mais pormenor do que nunca, podemos finalmente dizer adeus àquelas manhãs horríveis em que nos arrastamos para fora da cama? Bem… talvez, na verdade — porque, ao que parece, existe um padrão percetível de como nos sentimos acordados com base em como e quando acordamos.
“Descobrimos um novo aspeto em que as ondas lentas podem apresentar comportamentos muito distintos e opostos”, disse Stephan. Algumas ondas lentas estão a agir como elementos de excitação — fazem parte do sinal “acorda!”. Quanto mais estas ondas ocorrem imediatamente antes do despertar, mais alerta se tende a sentir ao acordar”.
Entretanto, explicou, “as outras ondas lentas — quer estejam presentes antes de acordar ou persistam depois — são a razão pela qual por vezes nos sentimos tão sonolentos nos primeiros momentos do dia”.
É apenas um passo inicial, mas a equipa espera que os seus resultados possam ser utilizados em futuras investigações sobre vários distúrbios do sono.
Com uma investigação mais aprofundada, as suas descobertas podem ajudar a prever a sonolência nas pessoas com apneia do sono ou a controlar as convulsões relacionadas com o sono. “Se compreendermos melhor o processo, poderemos também identificar melhor os sinais de hiperexcitação nos distúrbios do sono”, afirmou Stephan.
De um modo geral, “este estudo fornece uma nova perspetiva sobre o percurso do cérebro entre o sono e a vigília”, acrescentou, “oferecendo uma janela para uma das transições mais fundamentais da consciência humana”.