“É desonesto” responsabilizar médico e técnica do INEM por morte no dia da greve

Tiago Petinga / Lusa

O bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes

O bastonário da Ordem dos Médicos considerou este sábado revoltante e desonesto que se responsabilize um médico e uma técnica de emergência no caso da morte de um homem no dia em que decorreu uma greve no INEM.

Numa publicação no Facebook, o bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes, manifestou este sábado a sua perplexidade pelo que diz ser “a estranha lógica de culpar e sacrificar quem trabalha“.

“O absurdo, de contornos quase kafkianos, surge quando, perante esta tragédia, se decide responsabilizar precisamente aqueles que, em pleno caos e condições particularmente adversas, procuraram cumprir o seu dever profissional e ético”, escreve o bastonário.

Um médico e uma técnica de emergência, que aceitaram estar de serviço nesse dia conturbado, são inesperadamente apontados como culpados, transformados em verdadeiros bodes expiatórios numa inversão chocante da realidade”, acrescenta Carlos Corte.

O bastonário referia-se às conclusões do relatório da Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS) relativo ao atraso no socorro a um utente de 53 anos, de Pombal, que morreu no dia 4 de novembro do ano passado e que foram conhecidas esta quarta-feira. De acordo com o relatório, a morte no “poderia ter sido evitada.

Numa nota nesse dia, o Ministério da Saúde, referindo-se às conclusões da IGAS, disse que “a eventual demora na chegada do socorro do INEM, e ao contrário do que foi aventado por alguns, não é atribuída à existência de greve no INEM, nem sequer a uma demora no atendimento da chamada pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes”.

Citando a versão do relatório da IGAS que lhe foi enviada, o Ministério adianta que “as causas da demora serão outras” e que estarão relacionadas “com a alegada “falta de zelo, de cuidado e de diligência” de dois profissionais que intervieram no processo de socorro”.

Sobre esses comportamentos, o relatório do IGAS considera que os profissionais “não atuaram segundo as boas práticas da emergência médica” e que se lhes “exigia outra atitude mais célere e expedita, em concreto na triagem e despacho de meios”.

Para o bastonário “é profundamente revoltante e desonesto que, num país onde frequentemente os verdadeiros responsáveis são poupados às críticas e às consequências, sejam precisamente os trabalhadores, os que enfrentam diariamente dificuldades reais, a ser sacrificados no altar das conveniências do momento”.

Segundo Carlos Cortes é por isso “imperioso e urgente pôr fim a esta lógica perversa. As instituições públicas têm o dever de prestar contas com transparência e seriedade. Que sejam identificados e responsabilizados os verdadeiros autores das falhas, não aqueles que cumpriram, apesar das adversidades, a missão de salvar vidas, indo ao encontro dos doentes”.

“Ficamos atentos aos próximos episódios deste lamentável folhetim que, por enquanto, permanece muito mal contado“, conclui o bastpnário na sua publicação.

O caso remonta a 4 de novembro, dia em decorreram, em simultâneo, duas greves — uma dos técnicos de emergência pré-hospitalar às horas extraordinárias e outra da administração pública.

Segundo o bastonário, esta foi uma greve “amplamente anunciada, previsível e do conhecimento geral. Exceto, ao que parece, das autoridades responsáveis por garantir o funcionamento básico e mínimo do sistema nacional de emergência médica”.

Cortes lembrou que ficaram “milhares de chamadas sem resposta, caos instalado, angústia generalizada, socorro gravemente comprometido e, no meio deste cenário dramático, uma vítima mortal conhecida, em Pombal”.

Mais de metade das 7.326 chamadas feitas para o INEM em 04 de novembro de 2024, o dia da greve de técnicos que teve maior impacto na atividade do instituto, foram abandonadas, concluiu uma inspeção da IGAS.

ZAP // Lusa

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