Milhares de palestinianos famintos saquearam armazém da ONU em Gaza

Um armazém do Programa Alimentar Mundial foi esta quarta-feira saqueado por uma multidão de palestinianos em Deir el-Balah, no centro de Gaza, revelou o organismo da ONU, em divergência com Israel sobre a entrega de ajuda no enclave. A multidão não deixou nada para trás.

Pelo menos quatro pessoas morreram, segundo as autoridades hospitalares, quando centenas de palestinianos invadiram hoje um armazém de alimentos do Programa Alimentar Mundial (WFP) na Faixa de Gaza, num novo episódio de desespero associado à distribuição de comida.

A agência da ONU confirmou pelo seu lado dois mortos e vários feridos depois de “hordas de famintos” terem invadido um armazém em Deir al-Balah, no centro do território.

“Uma multidão de pessoas famintas invadiu o armazém em busca de alimentos que tinham sido pré-posicionados para distribuição”, revelou WFP em comunicado, insistindo no “acesso humanitário seguro e irrestrito para permitir distribuições imediatas e ordenadas de alimentos” na Faixa de Gaza.

De acordo com imagens da agência France-Presse, foram ouvidos tiros e a multidão não deixou nada para trás, levando sacos de comida, paletes de madeira e tábuas.

“O WFP tem alertado consistentemente para a deterioração da situação e para os riscos representados pela limitação da ajuda humanitária a pessoas famintas que necessitam desesperadamente de assistência”, acrescentou.

As mortes no centro de Deir al-Balah ocorreram um dia depois de uma multidão ter sido dispersada a tiro, alegadamente por militares israelitas, quando invadia um novo posto de distribuição de ajuda humanitária em Rafah, no sul do enclave, criado por uma fundação apoiada por Israel e pelos Estados Unidos.

Este incidente provocou pelo menos uma morte 48 feridos, informou hoje o Ministério da Saúde do território. Um hospital de campanha da Cruz Vermelha indicou que entre os feridos no local estavam mulheres e crianças com ferimentos de bala.

Acusações cruzadas

Israel acusou esta quarta-feira a ONU de tentar bloquear a distribuição de ajuda no território devastado por 600 dias de guerra, enquanto a ONU insistiu que estava a fazer tudo o que era possível para recuperar as limitadas quantias autorizadas pelas autoridades israelitas.

A ONU e outras organizações humanitárias rejeitam o novo sistema de distribuição de ajuda à Faixa de Gaza, afirmando que não será capaz de satisfazer as necessidades dos 2,3 milhões de habitantes e permite que Israel utilize os alimentos como instrumento de controlo da população.

A ajuda da ONU tem chegado ao território aos poucos nas últimas duas semanas, e os obstáculos apontados a Israel são numerosos.

Israel voltou a entrar em conflito aberto com a ONU, desta vez sobre o sistema de ajuda humanitária gerido pela Fundação Humanitária de Gaza (GHF), criada nos Estados Unidos sem a aprovação das Nações Unidas.

“A privatização da ajuda e o uso da ajuda como arma constituem um precedente muito perigoso. Não só em Gaza, mas também noutros conflitos”, alertou hoje a coordenadora da ONU para o processo de paz no Médio Oriente, Sigrid Kaag, perante o Conselho de Segurança numa sessão sobre a Palestina.

Israel defendeu este sistema e acusou a ONU de tentar sabotá-lo, num discurso duro do seu embaixador em Nova Iorque, Danny Danon.

Estão a usar ameaças, intimidação e represálias contra as ONG que decidiram participar no novo mecanismo humanitário. A ONU escolheu mais uma vez o lado errado: não só se recusa a condenar o Hamas, como também se está a juntar ativamente a ele para bloquear essa ajuda”, criticou o diplomata israelita.

Este discurso, acompanhado de um ataque ao coordenador humanitário das Nações Unidas, Tom Fletcher, soma-se a numerosas discordâncias de Israel com a ONU, que acusa de ter um pendor antissemita, de se aliar ao Hamas e de duvidar, por princípio, das versões dos acontecimentos fornecidas por Israel.

Ajuda insuficiente

O Exército israelita revelou  que entraram em Gaza 121 camiões que transportavam farinha e alimentos pertencentes à ONU e a outros grupos humanitários.

A maior parte da carga ainda não chegou à população civil, de acordo com o Gabinete das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA).

O OCHA alertou hoje, em comunicado, que, desde a semana passada, cerca de 800 camiões foram autorizados a entrar em Gaza, mas pouco mais de 500 deles chegaram ao lado israelita de Kerem Shalom e apenas a carga de pouco mais de 200 camiões chegou ao lado palestiniano devido a “condições de segurança e restrições de acesso”.

O gabinete denunciou ainda que as autoridades israelitas continuam a rejeitar as tentativas das organizações humanitárias de coordenar os movimentos em Gaza, incluindo uma operação planeada hoje para recuperar combustível em Rafah.

A Faixa de Gaza, com uma população de cerca de 2,1 milhões de habitantes, foi sujeita a um bloqueio de ajuda (alimentos, medicamentos e outros bens básicos, como combustível) durante quase três meses, até que Israel permitiu o acesso limitado a bens na semana passada.

Israel iniciou há uma semana e meia uma nova operação terrestre e aérea no território, após ter quebrado em meados de março o cessar-fogo em vigor com o grupo Hamas.

O conflito foi desencadeado pelo ataque do pelo grupo terrorista palestiniano Hamas em 7 de outubro de 2023 no sul de Israel, que fez cerca de 1.200 mortos, na maioria civis, e mais de duas centenas de reféns.

Em retaliação, Israel lançou uma operação militar na Faixa de Gaza, que já provocou mais de 54 mil mortos, segundo as autoridades locais controladas pelo Hamas, a destruição de quase todas as infraestruturas do território e a deslocação forçada de centenas de milhares de pessoas.

ZAP // Lusa

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