Seis razões para Putin recusar cessar-fogo na Ucrânia (e seis para aceitar)

ZAP //

A “batata-quente” está do lado de Vladimir Putin depois de a Ucrânia ter aceitado a proposta dos EUA para um cessar-fogo imediato de 30 dias na guerra com a Rússia. O que esperar da Rússia?

Após as negociações entre representantes de EUA e Ucrânia em Jeddah, na Arábia Saudita, ficou delineado um acordo de cessar-fogo imediato, mas provisório de 30 dias, para a guerra iniciada pela Rússia.

Este acordo repara a relação entre EUA e Ucrânia depois da visita conturbada de Zelenskyy, o Presidente ucraniano, à Casa Branca, onde foi humilhado por Donald Trump e o seu vice-Presidente, JD Vance.

Na altura, Trump realçou a Zelenskyy que a Rússia tinha “todas as cartas na mão” no âmbito das negociações para um acordo de paz. Agora, Putin tem realmente o baralho todo – é o momento de ver se está, ou não, a fazer “bluff” quanto às intenções de paz.

O que diz o acordo de cessar-fogo definido por EUA e Ucrânia

A proposta de cessar-fogo acordada entre EUA e Ucrânia define um cessar-fogo imediato, mas provisório, por 30 dias, com a possibilidade de ser prolongado.

Com a aceitação do acordo, os EUA retomam a ajuda militar à Ucrânia e também voltam a partilhar informações dos serviços de inteligência norte-americanos com o Governo ucraniano.

Contudo, o acordo não prevê garantias de segurança para a Ucrânia como Zelenskyy queria.

E também não ficou definido qualquer entendimento quanto à participação dos EUA nas receitas da venda de minerais raros existentes na Ucrânia.

No acordo, está ainda prevista a troca de prisioneiros de guerra, bem como a libertação de detidos civis e o regresso de crianças ucranianas que foram raptadas pela Rússia.

6 razões para Putin concordar com o cessar-fogo

Nesta altura, especula-se quanto à resposta de Putin a este entendimento entre ucranianos e norte-americanos. O jornalista e escritor Owen Matthews, autor do livro “Overreach: The Inside Story of Putin’s War Against Ukraine” (Excesso de alcance: A história interna da guerra de Putin contra a Ucrânia), adianta seis razões que podem levar o Presidente russo a aceitar o cessar fogo.

A primeira razão avançada por Matthews num artigo de opinião para a revista britânica The Spectator, é o desejo de Putin manter as boas relações com os EUA.

O também jornalista e escritor Michael Evans reforça esta ideia, noutro artigo na The Spectator, salientando que Putin está interessado na “transformação das relações com a Casa Branca” depois de vários anos a “sofrer um congelamento ao estilo da Guerra Fria”, esperando que Donald Trump lhe dê “o estatuto de destaque mundial que perdeu” após a invasão da Ucrânia em Fevereiro de 2022.

Assim, a resposta do Kremlin quanto ao cessar-fogo é também “um momento de verdade para a relação estranhamente calorosa entre Putin e Trump”, como nota o jornalista Matthew Chance numa análise para a CNN.

Em troca de todo este “namoro, concessões e elogios” ao homólogo russo, Trump espera que “o líder do Kremlin colabore — ou arrisque a sua ira”, acrescenta Chance.

A Casa Branca já ameaçou a Rússia com novas sanções se, porventura, não aceitar o acordo de cessar-fogo.

Elites russas e a economia “estrangulada”

O segundo bom motivo para aceitar o acordo é o facto de a guerra estar “a estrangular lentamente a economia da Rússia“, nota ainda Matthews. Apesar de o país ter aguentado as sanções, as taxas de inflação e de juros elevadas fazem sofrer as famílias.

Além disso, o esforço de guerra levou a uma escassez dramática de trabalhadores qualificados para vários sectores, e os gastos militares consomem uma fatia demasiado pesada no Orçamento de Estado.

Há também que contar com as aspirações das elites russas que “começam a irritar-se com restrições de viagens, sanções pessoais e contas bancárias congeladas”, sublinha Matthews, notando que Putin “eliminou milhares de milhões da riqueza” dos oligarcas.

Tirar Zelenskyy do poder

O cessar-fogo pode também dar a Putin mais possibilidades de afastar Zelenskyy do poder, com o intuito de promover a eleição de um novo líder político “fantoche” que lhe permita controlar a Ucrânia.

Essa foi a receita nos anos que se seguiram à independência da Ucrânia em 1991, com subornos a políticos e financiamentos aos partidos da oposição pró-Rússia.

E, por fim, 30 dias é um período muito curto que não deverá permitir à Ucrânia um grande fortalecimento militar. Por outro lado, é tempo suficiente para Putin “exigir concessões a Kiev – principalmente sobre a fórmula para a futura neutralidade da Ucrânia e a dimensão do seu exército”, reforça Matthews.

As 6 razões pelas quais Putin pode não concordar

Mas Matthews também avança cinco razões para Putin não aceitar o cessar-fogo, colocando à cabeça o facto de o Presidente da Rússia acreditar que é “um grande mestre da geopolítica” e que pode exigir mais concessões para aceitar um cessar-fogo.

O jornalista repara que a “política externa de Putin sempre foi oportunista” e que “ele vai apanhar o que puder”.

Por outro lado, “Putin detesta perder” e aceitar o cessar-fogo nos termos definidos pela Ucrânia e pelos EUA, pode ser visto como uma derrota.

Claro que a máquina de propaganda da Rússia, e o controle que o Kremlin tem sobre a informação do país, permitirá transformar qualquer acordo numa vitória. Mas podem ser “levantadas questões – especialmente pelos ultranacionalistas de direita russos auto-intitulados “patriotas” – sobre o porquê de todo este sacrifício titânico”, aponta Matthews.

“Se a Ucrânia continuar o seu rumo pró-Ocidente e se mantiver democrática e livre, será claro que a invasão não resultou em nada”, o que poderá “minar seriamente a imagem de Putin como um protector infalível do seu povo”, destaca o jornalista no The Spectator.

Outra razão política que pode afastar Putin de um acordo é o facto de o seu regime precisar de “um inimigo externo para sobreviver”, como nota Matthews.

Um dos pretextos para a invasão da Ucrânia foi a luta “contra os nazis” que dominariam o país. E nos seus discursos aos russos, Putin repete sempre a ideia de que é o “protector do seu povo de um Ocidente beligerante”. “Se de repente fizer um acordo com Washington, qual será então a sua narrativa?”, questiona o jornalista.

Desmobilizar o exército “será perigoso”

Além das questões mais políticas, há também factores operacionais que podem afastar Putin da ideia do cessar-fogo.

“Uma vez interrompida a guerra, poderá ser difícil remobilizar” a “força heterogénea” do exército russo, analisa Matthews.

Além disso, a Rússia tem, actualmente, vantagem na linha da frente e pode perdê-la, refere na BBC o analista pró-Kremlin e antigo conselheiro de Putin, Sergei Markov, considerando que “se [Putin] aceitar a sugestão dos EUA, isso levará a uma situação perigosa”.

Por outro lado, desmobilizar o exército “será perigoso”, avisa Matthews, destacando que estamos a falar de “centenas de milhares de homens ultra-violentos e traumatizados pela batalha”, e que poderiam ser mobilizados por uma “direita nacionalista que poderia facilmente desenvolver uma narrativa de traição contra o Kremlin ladrão”. E essa é a “maior ameaça ao poder de Putin”, considera.

“Um assunto inacabado para Putin”

Putin e Trump devem abordar o cessar-fogo numa conversa telefónica nas próximas horas.

Espera-se também que o Presidente americano envie o magnata imobiliário e diplomata Steve Witkoff, que foi nomeado como o Enviado Especial dos EUA para o Médio Oriente, a Moscovo para ter um encontro cara a cara com o presidente russo.

Mas, nesta altura, há mais dúvidas do que certezas, sendo que uma das principais se prende com as quatro províncias ucranianas ocupadas pelos russos – Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia – que são “um assunto inacabado para Putin”, como nota Michael Evans na Spectator.

Um dos principais objectivos de guerra de Putin é o controle total destas regiões. A retirada da ajuda militar dos EUA à Ucrânia é uma oportunidade de ouro para alcançar essa meta, o que pode levar o Presidente russo a adiar um sim ao cessar-fogo.

Susana Valente, ZAP //

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