Rússia aceita adesão da Ucrânia à UE e quer afastar Zelenskyy. Mas o que quer realmente Putin?

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ZAP // Firdaus Omar / Flickr; Freepik

A Rússia aceita a adesão da Ucrânia à União Europeia, mas não à NATO, e quer afastar Volodymyr Zelenskyy do poder. Estas são as condições de partida para um acordo de paz, mas as reais intenções de Vladimir Putin vão para lá destas metas temporárias.

“A adesão da Ucrânia à União Europeia é um direito soberano de cada país”. As palavras são do porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, que, em conferência de imprensa telefónica, citado pela agência francesa AFP, revelou algumas das exigências da Rússia para alcançar um acordo de paz.

“Ninguém tem o direito de ditar as regras a outro país”, mas isso é “completamente diferente quando se trata de questões de segurança e alianças militares“, sublinhou ainda Peskov, referindo-se à NATO [Organização do Tratado do Atlântico Norte], e reforçando que a Rússia não admite a adesão da Ucrânia a esta entidade.

A integração da Ucrânia na NATO, ou de qualquer outro país que se encontre na zona de influência russa, é uma linha vermelha para Putin.

Esta foi a principal razão que levou à guerra na Ucrânia. Mas a administração de Donald Trump já afirmou publicamente que a Ucrânia não vai aderir à NATO, colocando em cima da mesa o desejo de Putin mesmo antes de terem sido negociadas as condições para a paz.

Enfraquecer a Europa e a NATO

É “impossível” falar de paz na Ucrânia sem discutir “um regulamento a longo termo” e sem um “exame global das questões de segurança” na Europa, alertou também Peskov.

A Rússia quer reorganizar a arquitectura de segurança europeia, nomeadamente com a retirada das forças da NATO da Europa oriental, e com a redução da presença militar dos EUA.

Em última instância, trata-se de enfraquecer a NATO – e já sabemos que Donald Trump também não morre de amores pela organização, tendo anunciado a intenção de reduzir os gastos neste âmbito.

Um diplomata norte-americano definiu esta reaproximação entre os líderes da Rússia e dos EUA como “uma aliança entre um presidente russo que quer destruir a Europa, e um presidente americano que também quer destruir a Europa”.

Europa como “actor secundário no drama dos homens fortes”

Na Rússia, a reaproximação dos EUA é vista como “um triunfo” de Putin, e como um sinal de “respeito” e reconhecimento”, conforme sublinharam os jornalistas de investigação russos Andrei Soldatov e Irina Borogan num artigo de opinião no jornal online Politico.

Mas a forma como Trump descartou a Ucrânia e a União Europeia das negociações para a paz também é “o reconhecimento público de que a Ucrânia e a Europa devem ter um papel subordinado” no desenho de qualquer acordo, salientaram os jornalistas.

Putin quer ver a Europa no seu “verdadeiro lugar neste admirável mundo novo: o de actor secundário no drama dos homens fortes“, consideraram também.

Já a Ucrânia fica reduzida a “um cliente ou estado falido na folha de pagamento dos EUA, confrontado com a realidade de retribuir o apoio militar e económico que recebeu durante a guerra e de conceder aos EUA direitos para extrair os seus recursos naturais, incluindo metais de terras raras” – argumentos que Putin entende, e defende, vincaram os jornalistas no artigo citado.

A cabeça de Zelenskyy e a “subjugação da Ucrânia”

A destituição do presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy é outra das exigências de Putin, como se depreende das palavras de Peskov.

O porta-voz do Kremlin sublinhou que Putin está disposto “a negociar com Zelenskyy”, “se necessário”.

Mas alertou que “o quadro jurídico dos acordos deve ser discutido tendo em conta a realidade”, notando que Moscovo não reconhece “legitimidade” ao Presidente ucraniano porque o seu mandato expirou oficialmente em Maio de 2024.

A Lei Marcial que vigora na Ucrânia, desde a invasão russa, suspendeu todos os actos eleitorais no país.

O desejo de Putin será, então, afastar Zelenskyy para colocar no poder alguém “mais complacente” e que “pressione pela federalização da Ucrânia“, e para que “o russo se torne a segunda língua oficial”, e “que as escolas russas e a cultura russa sejam institucionalizadas”, sublinhou o director de segurança internacional do Royal United Services Institute, Neil Melvin, em declarações à Euro News.

Além disso, Putin gostaria de tornar a Ucrânia numa espécie de estado “neutro”, desarmando o país e retirando todas as tropas estrangeiras do território.

Claro que também quer “ganhar” definitivamente os territórios ucranianos que anexou, bem como as partes das regiões de Donetsk e Luhansk que ainda não foram ocupadas.

Mas quer mais do que terras – quer a “subjugação da Ucrânia de forma mais ampla“, analisou Melvin.

O que é que Putin quer mesmo?

Olhando para o longo prazo, o objetivo de Putin não é, realmente, uma “paz sustentável”, nem tão pouco tornar, de repente, os EUA no grande “amigo da Rússia”, salientaram também os jornalistas Andrei Soldatov e Irina Borogan no Politico.

A desconfiança face ao eterno inimigo persiste e o Ocidente, no seu todo, continua a ser visto como o outro “traiçoeiro” que “sempre procurou a destruição completa da Rússia”, realçaram os jornalistas.

Como uma “fortaleza cercada”, a Rússia “não pode ter verdadeiros aliados”, vincaram também.

Neste cenário, Putin tentará “usar Trump para obter uma vantagem — optando por uma jogada táctica, uma vez que a paz estratégica é impossível”, destacaram Soldatov e Borogan.

O director de segurança internacional do Royal United Services Institute, Neil Melvin, salientou na Euro News que não nos podemos esquecer que Putin tem “uma visão história particular da Rússia“, e que vê “muitas das terras da Ucrânia contemporânea”, e de outros países próximos, como “sendo russas porque foram tomadas por vários czares russos”.

É a isso mesmo que está atento o Presidente da Letónia, Edgars Rinevics, que não tem mensagens de tranquilidade para os seus cidadãos, muito pelo contrário.

“Nunca deixem de entrar em pânico”, escreveu no seu perfil na redes social X, o antigo Twitter, o chefe de Estado da nação que faz fronteira com a Rússia e que fez parte da ex-União Soviética.

Sem se referir à Rússia de Putin, parece claro que é à sua ameaça que se refere. Até porque, no passado recente, Rinkevics já tinha alertado para uma possível agressão russa, mesmo antes da invasão da Ucrânia.

A defesa dos direitos da Ucrânia é também uma questão de sobrevivência para o pequeno país báltico de cerca de 2 milhões de pessoas – e para vários outros Estados da região.

Susana Valente, ZAP // Lusa

11 Comments

    • Golfo do México, Groenlandia, Panamá, Canadá, resortes turisticos em Gaza … Já deves ter ouvido falar recentemente, só para não ter que te dar lições de história.

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      • Queres me explicar a ocupação militar da Moldávia, Geórgia e da Ucrânia (desde 2014) ou que mal fez os Tchetchenos fizeram de mal ao Putin?

  1. “…federalização da Ucrânia“, e para que “o russo se torne a segunda língua oficial”, e “que as escolas russas e a cultura russa sejam institucionalizadas…”

    Tem Putin toda a razão. Foi a opressão dos russos da Ucrânia que levou à intervenção militar russa na Ucrânia. É o que é feito em todos os países civilizados onde há várias comunidades com línguas diferentes.

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    • Putin está a querer dizer várias coisas: entre elas, que tem medo da NATO (o que parece estranho) e que quer Zelenskyy retirado para depois meter lá um fantoche. Só que todos os intervenientes estão atentos às manobras do ditador russo.

    • Opressão dos russos da Ucrânia! Coitainhos! Se querem ser russos não é preciso roubar o território ucraniano.
      É só atravessar a fronteira para leste.

      • Poder-se-ia ter dito o mesmo aos albaneses do Khosovo, que podiam ir para a Albania, mas o que a NATO disse foi, reconheça-se a independência do Khosovo e, para tal conseguir, bombardeie-se a Sérvia.

        Não é, José Cunha?

    • Caro prof. NCS, se está tão preocupado com a opressão dos Russos pelos Ucranianos, deve reler a história daquelas regiões desde meados do séc. XVIII. Vai ver quem é que oprimiu quem ao longo deste séculos.

  2. Trump está a mostrar que é um cobarde , nada mais . A Europa que sempre foi cobarde espero que perante este facto se torne finalmente a potência militar que pode ser, pois económica já é. Ter um exercito poderoso, ter armas modernas, e reforçar o nuclear dos paises que já o têm como a França e Reino Unido servirá para manter a Russia no seu canto

  3. Está visto que para Putin a União Europeia não assusta ninguém e se mais tarde quiser invadir novamente Ucrânia, Polónia, Letónia etc… não é pelo facto de pertencerem a UE que irá inibir a sua ofensiva. O predomínio da agenda woke no seio da UE e as suas políticas delirantes têm descredibilizado a força da Europa, individualmente cada país ainda não percebeu que sozinhos são insignificantes nestas megas nações autocráticas que se estão a formar, e que, ou deixam de olhar para o seu umbigo e passam a ter uma visão de união e lutar em conjunto para uma UE grande e poderosa ou então o futuro não será risonho para nenhum europeu.

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