Manuel De Almeida / Lusa
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O presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, com o ex-Chefe do Estado Maior da Armada, Henrique Gouveia e Melo
Entre muitas nuvens, o almirante foi mais do que claro no seu apartidarismo e na contenção. Marcelo diz que “todos os Presidentes foram independentes” — e que “todos são diferentes”.
O almirante tem sido sempre muito cuidadoso na sua escolha de palavras, e não fugiu à regra na passada sexta-feira, dia em que finalmente revelou a sua posição política, apesar de não ter anunciado a candidatura à Presidência da República.
Henrique Gouveia e Melo falou de tudo um pouco, mas sempre ‘de passagem’: disse o que deve um chefe de Estado fazer, criticou Trump, afastou-se do Chega, da esquerda e da direita política; pediu uma justiça mais célere e prometeu ir contra os “boys”, passou a correr pela Economia — defende o mercado livre —, e fez tudo para mostrar que o país precisa de uma liderança forte, contra as “ameaças que já não vêm só do Leste”. Deixou de fora da mesa, surpreendentemente… a Defesa e a eventual necessidade de investimento nesta área.
No entanto, uma coisa deixou bem claro, várias vezes, ao longo do texto que partilhou no Expresso: é apartidário, “isento e independente de lealdades partidárias”; defende que “o Presidente não está ao serviço dos partidos”; defende que não devemos eleger um presidente que seja um “instrumento partidário”; defende que “transformar a Presidência num apêndice dos interesses partidários é uma ameaça, e por aí fora.
Uma dessas repetitivas passagens pareceu ter sido uma clara “bicada” às poucas promessas de Luís Marques Mendes, este que já é candidato oficial a Belém.
“As pontes não se constroem sobre redes de influência, compadrios ou intrigas político-partidárias“, escreveu, depois de Marques Mendes ter defendido que o próximo inquilino de Belém deve ter um papel de “construtor de pontes”.
O atual Presidente, Marcelo Rebelo de Sousa, também parece ter levado “farpa”.
“Não basta sonhar ou recorrer a discursos elaborados, repletos de fórmulas gastas e banalidades cínicas”, escreveu o almirante: “um dos poderes informais mais importantes do Presidente é o poder da palavra”, avisa, dando a entender que seria, se fosse candidato a presidente, mais contido do que o professor.
“Quando o Presidente fala, não é um cidadão comum, é a República. Tem a obrigação de usar a palavra seguindo as regras da relevância, isenção, equilíbrio, contenção e gravitas” atirou.
E eis que, dos bastidores, surge Marcelo, um dia depois, para responder e atacar a única grande certeza que Gouveia e Melo nos deu e seu principal argumento, mas sem comentar diretamente, claro, as palavras deste. “Todos os presidentes foram independentes dos partidos”, disse.
“Não há dois presidentes iguais, todos são diferentes. O próximo presidente será diferente do atual e dos Presidentes anteriores”, disse o chefe de Estado, citado pelo Observador, quando confrontado com o artigo do protocandidato e ex-chefe da Marinha: “todos foram independentes de partidos, pela natureza do cargo”.
“O Presidente Eanes não tinha partido, o Presidente Soares divergiu de dois secretários gerais do seu partido, o Presidente Sampaio divergiu de um secretário-geral do seu partido, o Presidente Cavaco Silva, quando propôs acordo com o líder da oposição também se afastou do líder do seu partido. E o atual Presidente foi público e notório que o partido de onde provinha várias vezes manifestou divergências com a coabitação” com o Governo socialista anterior.
A campanha presidencial “começou muito cedo”, avisou Marcelo, e ainda há muito por esclarecer: “vai ser impossível ao fim de um ano haver qualquer coisa de qualquer candidato que não tenha sido escrutinada”.
Marcelo banalizou a função de Presidente da República. Até como político ele havia sido um rasca, um camaleão.