Apesar de ser condenado por todas as entidades, não há consenso para definir um enquadramento jurídico para o ato sexual.
A prática conhecida como “stealthing“, que consiste na remoção não consentida do preservativo durante o ato sexual, tem sido tema recorrente no país, especialmente após a proposta do PAN para criminalizar o ato como um crime de fraude sexual. Mas a proposta enfrenta resistência de várias entidades jurídicas.
O PAN propôs que o stealthing fosse definido como “prática de ato sexual mediante falsificação, fraude ou ocultação de informações relevantes que condicionem o consentimento”, com penas que podem atingir três anos de prisão.
No entanto, o Conselho Geral da Ordem dos Advogados (OA), o Conselho Superior do Ministério Público (MP), o Conselho Superior da Magistratura e também a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) discordam da sugestão do partido, avança o Público este domingo.
Então, o que é fraude sexual?
Para a Ordem dos Advogados, o stealthing não deve ser enquadrado como fraude sexual. Esta última é definida como “engano sobre a identidade da pessoa”, enquanto o stealthing configura uma “prática de ato sexual em circunstâncias não consentidas, em violação do consentimento”.
Assim, a OA recomenda que seja criado um tipo penal específico ou que a prática seja incluída no crime de violação, com uma moldura penal mais próxima deste crime.
A definição de “consentimento” na proposta também levanta críticas por parte da OA e do MP, que consideram inadequado definir esse conceito fora do código penal: viola princípios de legalidade e técnica legislativa, dizem as entidades, que sugerem ainda que a pena prevista para o stealthing seja agravada em casos de gravidez ou transmissão de doenças sexualmente transmissíveis.
O Conselho Superior do Ministério Público expressa preocupação com a insegurança jurídica da proposta do PAN: considera que a remoção do preservativo sem consentimento é um ato concreto que não se enquadra adequadamente no crime de fraude sexual, porque a fraude pressupõe o “aproveitamento do erro da vítima sobre a identidade do agente”, enquanto o stealthing é “um engano quanto a uma das condições que se determinaram como essenciais para a prossecução daquela relação sexual em específico”, cita o jornal Público.
Tal como a OA, o MP recomenda uma reflexão mais profunda sobre a criação de um tipo penal autónomo ou a inclusão no crime de violação, com penas proporcionais à gravidade do ato.
Stealthing pode ser violação?
A possibilidade de enquadrar o stealthing como violação é defendida pela APAV, que acredita que a prática preenche os requisitos do crime de violação, uma vez que retira à vítima o consentimento pleno ao ato sexual.
Segundo a associação, o stealthing representa uma violação da liberdade sexual e de outros direitos fundamentais da vítima, como o direito à escolha sobre a gravidez e à proteção contra doenças sexualmente transmissíveis.
No entanto, a OA e a Magistratura discordam desta abordagem. Para os advogados, o crime de violação não se aplica, pois o ato sexual é inicialmente consentido, sendo o consentimento violado apenas com a remoção do preservativo.