Poderá Assad beber um chá descansado com Putin? E podemos confiar nos “libertadores” da Síria?

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kremlin.ru / Wikimedia

Bashar al-Assad, Presidente da Síria

A queda do regime de Bashar al-Assad deixa a Síria mergulhada na incerteza, com o mundo a olhar à distância para os “libertadores” do país com desconfiança. Mas o próprio Assad também deve temer pelo futuro, apesar da promessa de proteção de Vladimir Putin.

A Rússia concedeu asilo ao ditador deposto da Síria e assegura que não pretende entregá-lo para um eventual julgamento no Tribunal Penal Internacional de Haia (Holanda), pelas violações dos direitos humanos que promoveu no seu próprio país.

O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov, já garantiu que Assad “está seguro” na Rússia, conforme declarações à NBC News.

De resto, como sublinhou também Ryabkov, a Rússia “não integra a convenção que instituiu o Tribunal Penal Internacional”, organismo que, no ano passado, emitiu um mandado de prisão contra o presidente russo Vladimir Putin.

A importância da Síria para a Rússia

A Rússia, a par do Irão, foi um dos grandes aliados do regime de Assad, e ajudou a manter o ditador no poder durante os últimos anos.

A derrota de Assad é, portanto, também uma derrota para Putin que foi forçado a abandonar o aliado à sua sorte para se concentrar nos esforços de guerra na Ucrânia.

Agora, resta aos russos salvar as suas bases na Síria, e isso pode implicar negociações com os “libertadores” do país, o grupo rebelde Hayat Tahrir al-Sham (HTS).

Nesta altura, é o HTS que tem com o controle de Damasco, a capital síria e o centro de poder do país. Mas a nação é um rendilhado de forças e de divisões que deixam tudo em aberto para os próximos tempos.

Independentemente de quem estiver no poder, a Rússia acredita “fortemente” que a Síria deve “ser soberana e unificada”, sublinhou Ryabkov à NBC News.

Um posicionamento que abre a porta a negociações com quem quer seja devido à importância que as bases russas na Síria têm em termos geoestratégicos em África. E isso pode ser uma péssima notícia para Assad.

Estará Assad realmente seguro nas mãos de Putin?

Nesta altura, Assad, a esposa Asma e os três filhos estão a salvo em Moscovo numa fuga que poderia estar preparada há muito. Talvez não seja um pormenor o facto de os três jovens terem estudado russo durante vários anos.

Além disso, terão chegado a passar férias na Rússia, nomeadamente na Crimeia, o território ucraniano anexado pelo regime de Putin em 2014.

Mas a aparente tranquilidade actual desta família privilegiada pode ser meramente aparente.

“Putin pode recebê-los em Moscovo, mas eu não beberia o chá dele“, aponta a cronista inglesa Marina Hyde num artigo de opinião no jornal The Guardian em jeito de “memorando para os Assad”.

Marina Hyde destaca que “o líder russo pode ser um anfitrião caloroso e atencioso”, mas que “também pode estar zangado com o facto de Assad ser agora o seu problema“.

Deste modo, nota que Assad pode ter de se preocupar sobre “se o entregador de comida é realmente o entregador de comida“.

 

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No túnel de incertezas, pode especular-se também sobre a possibilidade de Putin usar Assad como moeda de troca com os rebeldes que controlam boa parte da Síria nesta altura.

Se for preciso defender os interesses militares e geoestratégicos russos, entregando aos sírios o ditador que foi seu aliado nos últimos anos, o pragmático Putin não hesitará.

Líder dos rebeldes islâmicos tenta tranquilizar o mundo

Entre todas as dúvidas, o mundo está em suspenso devido aos receios quanto às intenções dos rebeldes islâmicos que depuseram o Governo de Assad.

O líder do grupo Hayat Tahrir al Sham (HTS), Abu Mohammed al Jolani, já disse que os Governos estrangeiros não têm de preocupar-se.

O medo vinha da presença do regime; o regime acabou”, sublinhou Jolani aos jornalistas, em Damasco, como cita a Sky News. “O país caminha para o desenvolvimento e para a reconstrução” e “para a estabilidade”, acrescentou.

As pessoas estão exaustas da guerra, por isso o país não está preparado para outra e não vai entrar noutra”, garantiu ainda Jolani, reforçando que a “fonte” de todos os “medos” vinha das “milícias iranianas, do Hezbollah e do regime que cometeu os massacres que vemos hoje”.

O novo primeiro-ministro sírio que está a garantir a transição de poder também assegurou que a nova aliança no poder vai “garantir” os direitos de todos os grupos religiosos, apelando aos milhões de refugiados que fugiram da guerra para voltarem para casa.

Por outro lado, o líder do HTS também prometeu justiça para as vítimas do regime de Assad, garantindo que aqueles que estiveram envolvidos nas torturas de detidos políticos “não serão perdoados”.

Vamos persegui-los na Síria e pedimos aos países que entreguem aqueles que fugiram para que possamos obter justiça”, salientou Golani num comunicado da televisão estatal síria publicado na app de mensagens Telegram.

Jolani está classificado como “terrorista” pelos EUA, devido às suas ligações a extremistas islâmicos, nomeadamente à Al Qaeda.

Mas, nos últimos tempos, o líder do HTS tem tentado afastar-se desse passado e até já assumiu que pretende ser tratado pelo nome de nascimento, Ahmed al Sharaa, abandonando o “nome de guerra” por que ficou conhecido.

Susana Valente, ZAP //

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