“Há uma perda total de controlo”. Por que é que casos como o Titan nos prendem tanto?

OceanGate

Submarino turístico Titan da OceanGate

Há várias razões que explicam por que é que casos como o desaparecimento do Titan prendem tanto a atenção da mesma opinião pública que todos os dias fecha os olhos a tragédias em massa.

O desaparecimento do submersível Titan, o resgate de 13 jovens de uma caverna submersa na Tailândia ou o salvamento de 33 mineiros que estiveram presos numa mina durante quase dois meses no Chile. Todas estas histórias têm detalhes e protagonistas muito diferentes, mas prenderam a atenção de milhões de pessoas em todo o mundo da mesma forma. Porquê?

Poucos dias antes do desaparecimento do Titan, houve mais um trágico naufrágio de um barco com migrantes no Mediterrâneo, que fez mais de 300 vítimas mortais. O alarido e a rápida mobilização internacional de recursos na missão de resgate do Titan contrastou muito com a realidade da crise migratória na Europa, que há anos se arrasta com trocas de acusações entre os Governos e até casos onde os navios das ONGs que resgatam os migrantes foram impedidos de atracar.

A razão mais aparente para a diferença de tratamento entre estes casos é a enorme diferença na fortuna e influência dos passageiros do Titan e da traineira que afundou na costa grega.

A tripulação do submersível da OceanGate incluía um bilionário britânico, um bilionário paquistanês e o seu filho adolescente, o maior especialista do mundo no Titanic e o CEO da empresa, que também nasceu no seio de uma família rica e era descente de dois assinantes da Declaração da Independência norte-americana.

Já sobre as pessoas que iam a bordo da traineira, sabe-se que a maioria era oriunda do Paquistão, que está a viver uma das piores crises económicas em décadas, e que estava a fazer uma viagem da Líbia até Itália.

A conclusão imediata a que se chega é que este é mais um caso em que os ricos e poderosos beneficiam de um tratamento especial, mesmo quando sabiam os riscos e decidiram avançar na mesma com uma viagem fútil e turística, ao mesmo tempo que pessoas desesperadas a fugir da guerra e da pobreza são deixadas para morrer.

Um milhão de mortes é uma estatística

Mas isto não conta a história toda. Afinal, alguém se lembra dos nomes dos 33 mineiros no Chile ou dos meninos presos na caverna na Tailândia ou das várias crianças que nos últimos anos têm caído em poços em várias partes do mundo? Ao que se sabe, nenhum deles era milionário ou particularmente influente; tratavam-se de pessoas normais cujas situações limite deixaram o mundo a suster o fôlego e fizeram correr muita tinta na imprensa.

Uma razão que pode ajudar a explicar por que é que damos tanta atenção a casos isolados enquanto ignoramos tragédias em massa é um fenómeno conhecido como entorpecimento psíquico, que consiste no desligamento emocional de atrocidades que envolvam muitas pessoas.

Isto pode parecer contraintuitivo, já que seria de esperar que o ultraje crescesse à medida que o número de mortos também aumenta. No entanto, dá-se o contrário, visto que já houve tantos afundamentos no Mediterrâneo que estes acontecimentos já parecem quase rotineiros. Nas palavras atribuídas a Estaline, “a morte de uma pessoa é uma tragédia; a de milhões, uma estatística”.

Por outro lado, em situações como as do Titan ou das crianças presas em poços, sabemos os seus nomes, vemos as suas fotos, conhecemos as suas biografias e lemos os testemunhos angustiados das suas famílias e, nos casos com um desfecho feliz, podemos acompanhar as operações de salvamento e o alívio de todos.

É quase como se os conhecêssemos pessoalmente, o que faz crescer a nossa empatia e ligação emocional com a tragédia.

É coisa de pesadelo

As condições extremas em que as pessoas nestes casos mediáticos são submetidas também são uma grande razão para todo o fascínio, já que despertam alguns dos nossos medos mais primitivos, como o receio do oceano profunda, a claustrofobia, o isolamento — e lembram-nos da fragilidade do nosso corpo e da nossa mortalidade.

“Há um fascínio com pessoas que estão em circunstâncias que estão completamente além do seu controlo. Acho que as pessoas ficam tão obcecadas com histórias como esta porque reflectem uma perda completa de controlo e de esperança”, afirma Lawrence A. Palinkas, professor de Políticas Sociais e Saúde, à Insider.

Também é difícil não nos imaginarmos em situações semelhantes. “A probabilidade de alguém pagar a quantidade de dinheiro para estar num submersível para visitar o Titanic é muito pequena. Mesmo assim, isto impela as pessoas a pensar nas suas próprias vulnerabilidades. Pode deixar alguém numa circunstância existencial ter de contemplar como reagiria numa situação daquelas“, acrescenta.

A esperança de um final feliz também alimenta muito do interesse. No caso do Titan, o fim foi trágico e com muitos paralelos com o próprio Titanic — era um design inovador descrito como totalmente seguro, tal como o Titanic era “inafundável”; o CEO ignorou os muitos conselhos de especialistas sobre o submersível, da mesma forma que o capitão do Titanic fez ouvidos moucos aos avisos sobre o gelo na água; e tanto o submersível como o próprio navio tinham uma tripulação rica e afluente.

Há até quem sugira que o Titanic é amaldiçoado e que foram as almas das vítimas que pereceram no naufrágio que se vingaram daqueles que tratam o seu lugar de descanso eterno como uma mera atracção turística.

Se este caso correu mal, “nem tudo está totalmente perdido até que esteja” e há 33 mineiros no Chile que são uma prova viva de que os milagres também acontecem. “Estamos a viver numa fase da história em que a esperança é uma mercadoria muito rara para muitas pessoas”, refere.

“Ao longo dos séculos, as pessoas sempre tiveram esperança de sobrevivência daqueles que presumivelmente estavam em situações desesperantes. Faz parte do nosso tecido social e parte do que nos torna humanos“.

Adriana Peixoto, ZAP //

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