Três dos 13 juízes do Tribunal Constitucional continuam em funções quando os seus mandatos já terminaram. Os constitucionalistas apontam falhas “inadmissíveis” e apelam a mudanças da lei.
Esta segunda-feira, chegou ao fim o mandato de nove anos do juiz João Pedro Caupers no Tribunal Constituticional, instituição a que também preside desde fevereiro de 2021.
Caupers junta-se assim ao vice-presidente Pedro Machete e a Lino Ribeiro, outros dois juízes que continuaram em funções no Palácio Ratton após o fim dos seus mandatos em Outubro de 2021 e Julho de 2022, respectivamente. Isto acontece porque são os outros juizes que elegem os substitutos, não havendo um prazo limite para a escolha.
Nuno Garoupa, professor de Direito da Universidade George Mason, descreve a situação como “uma das maiores crises institucionais do Estado de direito democrático que Portugal teve nos últimos 47 anos”, mas aponta que o “curioso” é que “ninguém quer saber”.
Sendo uma das maiores crises institucionais do Estado de direito democrático que Portugal teve nos últimos 47 anos, o curioso é que ninguém quer saber – nem partidos, nem comentadores, nem juizes, muito menos os eleitores! https://t.co/0p3cYjIY8L
— Nuno Garoupa (@NGaroupa) March 6, 2023
A lei da eutanásia, por exemplo, voltou a ser chumbada em Janeiro quando dois juízes já tinham terminado o mandato. “Esta parece-me ser uma crise sem precedentes e sem grande termo de comparação na União Europeia”, refere.
O Parlamento pode avançar com uma lei que proíba o arrastamento dos mandatos, mas Nuno Garoupa considera que esta opção não é a ideal por poder interferir com o trabalho do tribunal, relata o Público.
Em vez disso, a melhor respota seria o Presidente da República e os líder partidários apelarem publicamente a acção rápida dos juízes. “Mas tem havido um alheamento da questão por parte destes responsáveis políticos”, lamenta.
No blogue I·CONnect, da Revista Internacional de Direito Constitucional, a constitucionalista Teresa Violante dá o seu parecer sobre o que está em causa. “O Tribunal Constitucional tem enfrentado um impasse na renovação da sua composição devido a uma falta de consenso a nível judicial e não político”, aponta.
A perita recorda a polémica em torno da nomeação de António Almeida Costa, o juiz com posições anti-aborto e críticas à liberdade de imprensa, que era o favorito da ala conservadora.
Teresa Violante aponta que os juízes conservadores retaliaram contra o chumbo a António Almeida Costa bloqueando o processo “até ao final do mandato do actual presidente, alegando, alegadamente, temer que o partido político maioritário no poder esteja a tentar controlar o Tribunal“. A constitucionalista acredita que este argumento serve “para manter o impasse na renovação” dos juízes.
Pode um mandato no TC tornar-se vitalício?
A constitucionalista aponta mesmo que o prolongamento dos mandatos pode violar a Constituição, dado que a cláusula em questão “prolonga os mandatos para além do prazo de 9 anos constitucionalmente consagrado.”
O constitucionalista e professor universitário catedrático Jorge Bacelar Gouveia aponta que o que está em causa é um possível prolongamento indefinido dos mandatos dos juízes, o que descreve como uma “intolerável degradação do Tribunal Constitucional”.
Bacelar Gouveia escreveu uma carta ao Presidente da Assembleia da República onde alerta para estes riscos. “Basta que os juízes eleitos nada façam para substituírem os juízes cooptados que estão em prolongamento de funções, com os seus mandatos caducados, para os mesmos permanecerem nos seus cargos indefinidamente, no limite estes cargos se transformando mesmo em cargos vitalícios!“, aponta.
O especialista considera “inadmissível” o facto de os juízes eleitos pelo Parlamento serem sujeitos a audições pelos deputados e os juízes cooptados não. “Há uma subliminar distinção entre juízes constitucionais de “1ª classe” – os cooptados, sobre os quais nada se pergunta no que tange à sua aptidão para a função – e juízes constitucionais de “2ª classe” – estes “fustigados” por uma audição parlamentar pública, cada vez mais exigente e rigorosa”, explica a Augusto Santos Silva.
O professor universitário propõe assim mudanças na lei que impeçam a prolongação dos mandatos após o seu fim e que imponham audições parlamentares para todos os candidatos a juízes.