Uma empresa de biohacking diz que já tem alguma das chaves para a longevidade. Agora, está a testar as suas controversas terapias genéticas na chamada “Hong Kong da Caraíbas”.
Próspera, nas Honduras, não é uma cidade qualquer. Antes de mais, é gerida por uma empresa privada. Tem as suas próprias leis, juízes e polícia, além de impostos baixos e uma intervenção mínima do Estado.
Esta cidade aparentemente utópica é fruto da visão do venezuelano Erick Brimen e do guatemalteco Gabriel Delgado. Ambos já não estão envolvidos no projeto por questões de transparência. Próspera já conquistou até a alcunha de “Hong Kong das Caraíbas”.
Próspera nasceu de uma legislação controversa que permitiu que empresas internacionais pegassem em pedaços das Honduras e estabelecessem as suas próprias micro-nações.
Muita atenção tem sido dada ao uso da Bitcoin como moeda legal. No entanto, embora no papel pareça um paraíso na Terra, Próspera está muito longe disso.
A cidade está a ser usado pela Minicircle, uma empresa de biohacking, para testar terapias genéticas controversas, aproveitando-se da regulamentação “favorável à inovação” da cidade hondurenha.
Biohacking é a prática de misturar biologia com a ética hacker. Abrange um grande espectro de práticas e movimentos, desde especialistas que projetam e instalam aprimoramentos corporais, como implantes magnéticos, até biólogos que conduzem sequenciamento genético nas suas próprias casas. Biohacking está a emergir numa tendência crescente de desenvolvimento científico e tecnológico não-institucional.
Num anúncio publicado em março do ano passado, a Minicircle convidava voluntários para “aceder NFTs para um ensaio clínico da fase I de plasmídio de folistatina em Próspera, Honduras”.
O anúncio era para ensaios clínicos de uma terapia genética. Os interessados tinham de comprar um NFT para participar. Ao concluir o estudo, a Minicircle prometia o pagamento em criptomoedas.
A empresa está registada em Delaware, nos Estados Unidos, e segundo o MIT Technology Review, quer fundir elementos da via tradicional de testes de medicamentos com o espírito dos “biohackers”.
A Minicircle está a tentar desenvolver terapias genéticas que visam condições como distúrbios musculares, HIV, baixa testosterona e obesidade.
O objetivo da empresa é fugir ao elevado escrutínio ético de países como os Estados Unidos e encontrar soluções para promover a longevidade no “faroeste legal” da cripto-cidade hondurenha.
“Todo o sistema Big Pharma agora está centrado em fabricar medicamentos extremamente caros para doenças extremamente raras que poucas pessoas têm”, disse o fundador e CEO da Minicircle, Mac Davis, no podcast Finding Founders em junho de 2020. “Quero fazer medicamentos acessíveis para doenças que todos têm”.
“As chaves para imortalidade: já descobrimos algumas delas. A nossa escolha é apenas experimentar e não sermos prejudicados pelo medo e pela regulamentação“.
Nem todos estão tão empolgados com o projeto quanto Mac Davis. Vários cientistas mostram-se preocupados com o perigo de terapias, não aprovadas, com células estaminais. Peritos temem a florescente e, por vezes, inescrupulosa indústria do turismo médico.
“Uma preocupação com espaços como este [Próspera] é que pode não haver muitos recursos para garantir que a investigação médica seja adequadamente supervisionada”, diz Leigh Turner, diretor executivo do programa de bioética da Universidade da Califórnia, citado pelo portal do MIT.
A Minicircle abriu a sua primeira clínica de terapia genética em Próspera, formalmente administrada como Zona de Emprego e Desenvolvimento Económico (ZEDE) nas Honduras. Estas zonas equiparam-se a Singapura, Macau ou Hong Kong.
Pelo menos um ensaio clínico para a terapia genética com folistatina parece já estar em andamento. Embora o trabalho da Minicircle pareça assentar em conhecimento científico consolidado, alguns aspetos preocupam os cientistas. Por exemplo, a empresa assume-se como “a primeira plataforma de terapia genética reversível do mundo”.