O grande êxodo de refugiados ucranianos não é um acidente — faz parte do plano de Putin

7

EPA/Roman Pilipey

Refugiados junto a um carro, em Zaporizhzhya

Mais de 6,3 milhões de ucranianos fugiram do seu país desde que a Rússia o invadiu pela primeira vez no final de fevereiro de 2022.

A União Europeia acolheu refugiados ucranianos, permitindo-lhes entrar nos seus 27 Estados-membros sem visto e viver e trabalhar cá por até três anos.

Os cidadãos europeus também abriram as suas portas – e bolsos – para hospedar ucranianos e ajudá-los a encontrar creches, por exemplo, e outros serviços.

Mas ainda há uma realidade desconfortável: os refugiados ucranianos também são peões políticos do Presidente russo, Vladimir Putin, destinados a destabilizar politicamente a União Europeia e a NATO.

Muitos polacos, por exemplo, inicialmente ofereceram-se para ajudar os ucranianos. Mas agora, mais de dois meses após o início da guerra, há sinais de que a compaixão está a desaparecer.

A população de Varsóvia aumentou 15% desde o início da guerra, levando o autarca da cidade, Rafal Trzaskowski, a propor uma estratégia para lidar com os custos crescentes.

Hospedar refugiados ucranianos pode custar aos países mais de 30 mil milhões de dólares apenas no primeiro ano, de acordo com análise do Center for Global Development. Isto pode representar novos desafios para a economia europeia, que já está sob stresse com a alta inflação.

Associação entre migração e segurança

Nos últimos anos, especialistas em segurança nacional têm considerado cada vez mais a migração humana como um fator-chave que pode influenciar a estabilidade política.

Isto acontece porque o número de pessoas forçadas a migrar principalmente pela violência ou pelas alterações climáticas quase duplicou de 2010 para 2020 – passando de 41 milhões para 78,5 milhões nesse período, de acordo com a ONU.

Em alguns casos, como durante a guerra civil de Ruanda na década de 1990, líderes políticos e militares forçaram ou encorajaram as pessoas a migrar para outros países.

Uma migração em massa pode funcionar como ferramenta política de duas maneiras. Em primeiro lugar, a chegada repentina de muitas pessoas pode sobrecarregar a habitação, os cuidados de saúde e outros recursos e testar a paciência das populações recetoras.

Isto pode colocar pressões mais amplas sobre coligações políticas como a União Europeia, que depende dos Estados-membros – alguns deles relutantes – para compartilhar os custos de acolhimento de migrantes.

Não é a primeira vez

Esta não é a primeira tentativa de Putin de usar a migração em massa para promover as suas ambições políticas na Europa.

Este tipo de tática remonta a uma prática da era soviética de “engenharia étnica”, que significa tentar exacerbar as tensões políticas com base nas diferentes origens religiosas, étnicas ou linguísticas das pessoas.

De acordo com autoridades e especialistas ocidentais, Putin ajudou a criar a crise migratória europeia de 2015 e 2016 a partir do Médio Oriente. Estima-se que 1,3 milhões de pessoas em busca de asilo e outros migrantes chegaram à Europa nessa época.

A maioria dos migrantes era da Síria, como resultado da guerra civil. Putin e o presidente sírio Bashar Assad usaram bombas e outras armas para aterrorizar civis e forçá-los a deixar as suas casas para a Turquia e países da União Europeia.

Em 2016, o general da Força Aérea dos EUA Philip Breedlove, que serviu como comandante militar da NATO na altura, alertou que Putin e Assad estavam “deliberadamente a armar a migração numa tentativa de sobrecarregar as estruturas europeias e quebrar a determinação europeia”.

Em resposta à onda de recém-chegados, a União Europeia concordou em acolher refugiados sírios que estavam na Turquia. Mas Hungria, Polónia, Eslováquia e República Checa recusaram-se a aceitar os refugiados.

Isto resultou em tensão política entre os países da UE – e um aumento de partidos políticos anti-migrantes e nacionalistas em lugares como Itália e Alemanha, que aceitaram um grande número de sírios. A preocupação pública com a imigração também levou os cidadãos britânicos a votar em 2016 pela saída do Reino Unido da União Europeia.

Novas migrações forçadas

Poucos meses antes da guerra na Ucrânia, a cartilha de migração como arma de Putin inspirou o aliado político, o presidente da Bielorrússia, Alexander Lukashenko.

Lukashenko prometeu publicamente às pessoas do Iraque e de outros países que, se viessem para a Bielorrússia, ele ajudá-las-ia a entrar na União Europeia. Lukashenko forneceu aos migrantes transporte gratuito para a Bielorrússia e para a fronteira polaca.

Mas os guardas da fronteira polaca impediram violentamente que esses imigrantes entrassem no país.

Em dezembro de 2021, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, chamou a tática de Lukashenko de “ataque híbrido”.

“Esta não é uma crise migratória”, disse von der Leyen. “Esta é uma tentativa de um regime autoritário de tentar destabilizar os seus vizinhos democráticos. Isso não vai dar certo”.

Polónia, Hungria e Eslováquia estão agora entre os países que recebem o maior número de refugiados ucranianos. Enquanto a Polónia recebeu 3,1 milhões de ucranianos, a Hungria recebeu 550.000 e a Eslováquia admitiu 391.000.

Mantendo-se em linha com as táticas anteriores da Rússia durante a guerra na Síria, os militares russos estão novamente a atacar civis na Ucrânia – levando milhões a fugir de casa e do país.

Hospitalidade a desgastar-se

Enquanto algumas comunidades europeias chamam os ucranianos de “convidados” e não de “refugiados”, outras comunidades locais estão sobrecarregadas.

Em Varsóvia, por exemplo, será necessário construir 75 novas escolas para educar crianças refugiadas ucranianas.

“É como sentar numa bomba-relógio”, disse Agnieszka Kosowicz, presidente do Fórum de Migração Polaco. “Os polacos simplesmente não têm recursos para sustentar os seus níveis iniciais de generosidade”, explicou.

Até agora, os políticos europeus não chamaram à onda de refugiados ucranianos de crise. Alguns especialistas dizem que isso ocorre porque os ucranianos são predominantemente brancos e cristãos.

Outras situações de migração mostram que as semelhanças culturais e étnicas nem sempre evitam a instabilidade política.

Na Turquia, por exemplo, a maioria dos residentes turcos e refugiados sírios são predominantemente muçulmanos. Mas as sondagens públicas mostram um declínio constante na tolerância aos sírios nos últimos dez anos.

Putin sabe que as ansiedades económicas alimentam a retórica anti-migração na Hungria, França e outros países. Isto pode criar novas ameaças à solidariedade da UE e, por extensão, à segurança europeia.

Siga o ZAP no Whatsapp

7 Comments

  1. Quando é que deixam de tentar ver o mundo através dos olhos de Putin (assanino, violador, destruidor, mentiroso compulsivo) e da Rússia (imperialista, como os EUA nunca foram)?
    Ouçam os Ucranianos e desprezem toda e qualquer ideia, por muito racional que seja e que esta definitivamente não o é, por ser tão rebuscada (esqeceram-se que a operação especial do Putin duraria apenas 3 dias?).

    Se for para falar da Rússia, que seja para falar dos mais de 22000 mortos civis em Mariupol, enterrados em valas comuns e espalhados em supermercados como lixo a apodrecer , em vez de procurarem atributos positivos a estes fascistas/comunistas/imperialistas.

  2. É bom não esquecer que há quem acuse os EUA de terem fomentado a guerra civil na Síria para provocar uma onda de refugiados que fossem desestabilizar a Europa. Sim, porque os EUA são uns grandes aliados da Europa…

  3. O Ocidente diz que Putin é maluco porque não conseguem controlá-lo nem prever o que ele faz. O mesmo dizem do presidente chinês. São dois presidentes sem medo dos EUA pois ambos dizem o que pensam e ameaçam os EUA sem medo. As televisões nem sempre mostram o seu discurso completo para não enfraquecerem a imagem do presidente dos Estados Unidos. Mas na verdade os Estados Unidos não lidam bem com a perda da hegemonia que ganharam no final da segunda guerra mundial. A China e Rússia cresceram de tal forma que passaram a ser vistas como ameaças para os americanos.
    A única vantagem da guerra a leste para o cidadão comum é atrasar a implementação da nova ordem mundial.
    A Rússia não é propriamente a Alemanha nazi que queria conquistar o mundo. A guerra da Rússia é com as suas províncias e antigas províncias e já existe há muitos anos.
    Os últimos 8 anos foram de intensos bombardeamentos ucranianos às populações das regiões de Lugansk e Donetsk com o exército ucraniano azof a matar indiscriminadamente mulheres e crianças. Em 8 anos mataram milhares de pessoas e foi esta a razão principal para a dita invasão à Ucrânia. Só pecou por tardia.
    Sobre isto as televisões Ocidentais não passaram notícias pois isso iria contra os interesses dos EUA.
    A invasão à Ucrânia só não aconteceu mais cedo porque Trump nunca teve políticas bélicas como tem Biden.
    A nova ordem mundial está a ser travada por Putin que não alinha nos interesses globalistas Ocidentais liderados pelos EUA sendo os restantes países meros lacaios nas mãos dos americanos. Com laboratórios também na Ucrânia os americanos fazem as mais diversas experiências e se o Covid saiu de algum laboratório não foi da China mas sim dos laboratórios americanos ao serviço da agenda global de Davos. Culparam a China do vírus como agora culpam a Rússia pela guerra.
    Inventam tudo sobre Putin, incluindo que ele está doente, porque não conseguem saber nada dele. Putin mantém uma postura extremamente calma, determinado e inabalável. Tal como o presidente chinês.
    Obviamente que a saída do Reino Unido da União Europeia não foi ingénua face ao que se passa pois os ingleses já sabiam o que ia acontecer. O Covid era peça bem conhecida na agenda.
    Ironia do destino ainda virá a ser Rússia o destino cobiçado de muitos Europeus e Ocidentais para reencontrarem a liberdade que a Europa e o Ocidente se preparam para proibir.

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.