Libertação será (quase) total. Variante mais patogénica é improvável, mas planos de contingência devem estar prontos a serem ativados.
Das poucas certezas que temos é que há uma vida pré e outra pós-pandemia. E há uma pandemia pré e pós-vacinas, de acordo com o Jornal de Notícias, assente nas lições apreendidas nestes dois últimos anos de pesadelo sanitário.
Se é certo que se aproxima o dia da (quase) libertação, projetado pela Direção-Geral da Saúde para 3 abril, e que a primavera/verão fazem antever um novo respirar, o módulo outono/inverno obriga a monitorização e cuidados reforçados.
Se as máscaras, os testes rápidos, as medidas restritivas, o teletrabalho, o ensino à distância e o fecho de setores da economia vão regressar, parece improvável.
Mas as respostas estarão sempre na Ciência, sequenciando genomas, vigiando os vírus em circulação e a sua gravidade e com vacinas dirigidas e novos antivirais.
Se parece inverosímil o aparecimento de um novo vírus ou de uma variante mais patogénica, o SARS-CoV-2 deixou já bem claro o seu fator surpresa.
Independentemente de a Organização Mundial de Saúde declarar o fim da pandemia, “estamos hoje numa fase em que o nosso convívio com o vírus tem características muito diferentes, não se traduzindo” em doença grave e morte como há um ano.
A razão está nas vacinas, diz o investigador do Instituto de Medicina Molecular (iMM) Miguel Prudêncio.
“Hoje, a vastíssima maioria da população tem algum tipo de imunidade contra a infeção e doença grave, o que permite que o vírus conviva connosco sem grandes consequências”, explica.
Tal como vários peritos, Miguel Prudêncio entende que o SARS-CoV-2 “será mais um vírus respiratório a circular na comunidade”. Como o influenza, o VSR ou o rinovírus.
Com a diferença de que, para este, como para a gripe, temos vacinas. “Temos de encarar o futuro com regresso à normalidade absoluta, cientes de que vai continuar a circular”.
Proteger os mais vulneráveis e máscaras
Seja pela idade, seja por comorbilidades, o novo normal deverá acautelar as franjas da população mais vulneráveis. É um ponto assente, com concordância científica e política.
Tanto mais que, explica o pneumologista Filipe Froes, “o novo normal será diferente do pré-pandemia porque, nesta fase, o SARS-CoV-2 não é igual ao influenza, compará-los é um erro de cálculo, porque é mais transmissível e acarreta maior gravidade”.
E, ao contrário da gripe, “ainda não se adaptou ao hospedeiro, havendo um grau de incerteza”. Razão pela qual devemos “garantir que o convívio com o vírus não se traduz em consequências graves para esta população mais vulnerável”, afirma o investigador do iMM.
A DGS revelou já estar a analisar o fim da obrigatoriedade da máscara em espaços interiores, numa altura em que poderemos estar a um mês do nível 0 definido pela pneumologista Raquel Duarte, isto é, abaixo dos 20 óbitos por um milhão de habitantes a 14 dias.
Uma meta “ambiciosa” para o epidemiologista Manuel Carmo Gomes. “Não sei se é irrealista”. Lá chegados, os peritos apontam a “promoção de máscara perante sintomas respiratórios ou perceção de risco”, numa lógica de autogestão.
Admitindo o presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública que, entrando no módulo inverno e de maior atividade gripal, a DGS avance com a recomendação de “uso de máscara e de algum comprovativo de vacinação“.
Por sua vez, Miguel Prudêncio preconiza mesmo a sua obrigatoriedade “em ambiente hospitalar, nomeadamente nas Urgências”, devendo ainda “ser incentivado nas visitas a lares na época de inverno”, a que se junta o bom senso.
Vigilância e confinamento
Com a previsível integração do SARS-CoV-2 nas redes sentinela da gripe e de outros vírus respiratórios do INSA, todos concordam que a libertação deve ser monitorizada de perto pela Ciência.
“2022 será agora um assunto para os técnicos, que têm de monitorizar, a sociedade rapidamente vai deixar de se preocupar”, frisa Carmo Gomes.
Para Filipe Froes, coordenador do extinto gabinete de crise da Ordem dos Médicos, a monitorização faz parte de um de três pontos-chave para o futuro: “Redefinir uma nova carga de doença, monitorização e minimização da carga de doença”.
Com planos de contingência e níveis de vigilância para qualquer eventualidade. Até porque “é quase certo que apareçam novas variantes que, tal como a Ómicron, fujam aos anticorpos induzidos pelas variantes anteriores, mas muito provável que não cause doença mais grave, até porque já estamos todos protegidos”.
A resposta tende para o não, mas resulta num “nim”, porque, hoje, ninguém pode garantir que não voltaremos a confinar, a restringir setores económicos e a fechar a Educação.
“Voltar a confinar só se vier uma nova variante mais patogénica, que provoque doença mais grave, o que é pouco provável”, diz Carmo Gomes.
A mesma linha de raciocínio segue Tato Borges, que considera a “probabilidade de nos fecharmos todos em casa relativamente baixa”.
Admite, no entanto, que mediante as informações das redes-sentinela, possam surgir recomendações quanto à organização dos tempos de trabalho.
Colocando-se a questão de quando tínhamos atividade exponencial de gripe, nunca se entrou em teletrabalho. “Porque nunca foi necessário. Mas se tivermos um acréscimo significativo de doença e mortalidade temos de agir, quer para este vírus quer para outros que possam surgir”, responde Froes. “Não sendo o expectável, temos de nos preparar para o pior e esperar o melhor“, conclui.
O novo normal não se faz sem vacinação. No caso, sem o seu reforço. Estando neste momento a Comissão Técnica de Vacinação contra a covid-19 a avaliar como será o futuro em termos de imunização. Nomeadamente, em que altura do ano, a que população e que tipo de vacina.
“Estão a decorrer ensaios em duas empresas, há reuniões regulares, estamos a acompanhar os resultados e os estudos laboratoriais”, diz Manuel Carmo Gomes, que integra aquela Comissão.
Explicando estar também em dúvida “a formação da vacina, se polivalente ou monovalente”, sendo necessário perceber a sua eficácia. A vacina contra a gripe, por exemplo, é atualmente tetravalente (protege contra quatro cepas do vírus).
Para já, e como já admitido por outros peritos, “o mais provável é que se passe a ter uma vacinação seletiva, dirigida a certos grupos”, como a população idosa e/ou com comorbilidades, explica Carmo Gomes. Num reforço sazonal, tal como se faz já com a inoculação contra a gripe, entende Miguel Prudêncio.
“Vai, provavelmente, adquirir periodicidade sazonal, podendo equacionar-se que seja coincidente com a da gripe, até porque sabemos hoje que não há problema em receber as duas aos mesmo tempo”, afirma o investigador do iMM.
Dois anos em pandemia
A 2 de março de 2020, a ministra da Saúde, Marta Temido, anunciava os dois primeiros casos de portugueses infetados, ambos em hospitais do Porto: um médico de 60 anos vindo de uma estância de esqui no Norte de Itália e um outro homem de 33 anos, com ligação a Valência, Espanha.
As medidas adotadas nos dois anos de pandemia para apoio ao emprego, rendimento das famílias e trabalhadores abrangeram até agora 3,5 milhões de pessoas e 180 mil empresas e custaram 5.165 milhões de euros à Segurança Social.
Desde o início da pandemia, contabilizam-se 3.262.618 infeções por SARS-CoV-2. O que não corresponde ao total de portugueses, devido aos casos de reinfeção.
No período em análise, contam-se 21.063 óbitos por covid-19. Só em janeiro de 2021, morreram 5.785 pessoas, numa média diária de 187.
O fim das restrições “é uma projeção”, vincou a diretora-geral da Saúde. 3 de abril é, neste momento, o dia apontado para o fim de todas as restrições impostas para combate à pandemia. Dia em que Portugal deverá ficar abaixo dos 20 óbitos a 14 dias por um milhão de habitantes.
De acordo com Graça Freitas, o uso de máscaras em espaços interiores já está a ser estudado. De acordo com o “Our World in Data”, a 21 de fevereiro Portugal era mesmo o país da Europa com o menor número de restrições em vigor.
Coronavírus / Covid-19
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