A Solar Orbiter publicou um “tesouro” de resultados científicos

(dr) ESA

Para uma missão que ainda não tinha entrado na sua fase científica principal, a Solar Orbiter gerou muita ciência espetacular. Na semana passada foram publicados vários artigos científicos da fase de cruzeiro da missão.

Observações forenses da superfície solar, medições de uma explosão gigantesca de partículas energéticas e um encontro com a cauda de um cometa são apenas alguns dos destaques dos mais de cinquenta artigos que perfazem uma edição especial da Astronomy & Astrophysics e apresentados no passado dia 14 de dezembro na reunião anual da União Geofísica Americana.

“Os resultados publicados demonstram a variedade da ciência solar que a missão está a tornar possível e sinalizam a riqueza de dados que agora é transmitida para a Terra”, diz Yannis Zouganelis, cientista adjunto do projeto Solar Orbiter na ESA.

A fase de cruzeiro da Solar Orbiter começou no dia 15 de junho de 2020 e durou até 27 de novembro de 2021. Durante esse período, a sonda obteve dados científicos com os seus instrumentos in-situ, que estão concebidos para medir o ambiente em torno da nave espacial.

Também utilizou o seu equipamento de sensoriamento remoto para observar o Sol a fim de caracterizar e calibrar esses instrumentos. Alguns destes dados revelaram-se de tão boa qualidade que permitiram a realização dos primeiros estudos científicos antes da fase científica principal, que começou no final de novembro de 2021.

Vendo “fogueiras” solares em mais detalhe

Quando a Solar Orbiter abriu os olhos pela primeira vez, após o seu lançamento em fevereiro de 2020, o seu EUI (Extreme Ultraviolet Imager) descobriu uma série de erupções solares em miniatura que os cientistas apelidaram de “fogueiras”.

Estas podem desempenhar um papel fundamental na explicação da temperatura de mais ou menos 1 milhão de graus da atmosfera exterior do Sol, a coroa, que tem desafiado a explicação durante muitas décadas.

Nos últimos resultados, o instrumento EUI tem vindo a adquirir algumas observações em modo de “alta cadência”, transmitindo uma imagem da coroa solar a cada dois segundos.

Estas sequências de imagem estão entre as observações com cadência mais alta da coroa solar já registadas no ultravioleta extremo. Os dados revelam uma classe dinâmica de fogueiras que disparam jatos de gás eletrificado conhecido como plasma a velocidades de cem quilómetros por segundo. Observa-se que estes jatos existem apenas durante 10 a 20 segundos.

“Estamos agora a chegar à essência deste processo”, diz Pradeep Chitta, do Instituto Max Planck para Pesquisa do Sistema Solar, em Gotinga, Alemanha, que liderou este estudo. Ele compara o passado como tendo vista fraca, sendo apenas capaz de ver imagens desfocadas. No entanto, agora o EUI está a trazer para foco as fogueiras e com cada vez mais nitidez.

E a visão só vai continuar a melhorar à medida que a Solar Orbiter se aproxima do Sol. E, graças a uma atualização nas estações terrestres da ESA, a nave espacial pode devolver mais dados de alta cadência do que o previsto antes do lançamento.

O primeiro evento de partículas altamente energéticas da Solar Orbiter

Para além das fogueiras a “pequena escala”, a Solar Orbiter também testemunhou o seu primeiro evento de grande escala. No dia 29 de novembro de 2020, o Sol expeliu o primeiro evento generalizado de partículas energéticas em vários anos.

O Sol passa por um ciclo de atividade magnética que dura aproximadamente 11 anos e este evento em particular foi o primeiro evento generalizado de partículas energéticas do ciclo 25.

Como o nome indica, o evento espalhou partículas ao longo de uma grande faixa do Sistema Solar interior. Quando a erupção atingiu a distância da Terra, as partículas ejetadas estavam espalhadas por mais de 230 graus de longitude solar.

Foram detetadas não só pela Solar Orbiter, mas também pela Parker Solar Probe e pela STEREO-A da NASA, e pela SOHO da ESA/NASA, todas as quais estavam perto da órbita da Terra mas com longitudes solares diferentes.

Portanto, a questão é qual foi a dimensão da região de origem do evento no Sol, e quanto é que a erupção cresceu depois de ter sido lançada? É aqui que o objetivo da Solar Orbiter de “ciência de ligação” se torna importante.

“Venho das observações in-situ“, diz Alexander Kolhoff, do Instituto para Física Experimental e Aplicada da Universidade de Quiel, Alemanha, que liderou a análise do evento de novembro. “Vemos um evento de partículas em torno da nave espacial e depois vamos às observações de sensoriamento remoto e tentamos localizar a fonte no Sol.”

Neste caso em particular, os dados são inconclusivos sobre se a dimensão da região da fonte, por si só, era suficientemente grande para explicar a grande difusão de partículas. Mas as pistas nos dados são suficientes para prometer bastante à medida que os cientistas continuam a refinar esta técnica.

Rastreando as ejeções “furtivas” de massa coronal

Também fazendo observações minuciosamente detalhadas da superfície solar, Jennifer O’Kane, do Laboratório de Ciência Espacial Mullard do Colégio Universitário de Londres, no Reino Unido. Juntamente com colegas, ela foi em busca das chamadas ejeções “furtivas” de massa coronal.

As ejeções de massa coronal (EMCs) são erupções gigantescas de plasma solar e campos magnéticos que normalmente ocorrem lado a lado com as proeminências solares – um evento magnético explosivo na atmosfera inferior do Sol que expele as partículas para o espaço. No entanto, no caso de uma EMC “furtiva”, não parece haver uma proeminência associada.

Utilizando as mais sofisticadas ferramentas disponíveis de processamento de imagem, Jennifer analisou as imagens solares para ver se conseguia encontrar evidências de um evento desencadeante que lançou uma EMC em abril de 2020.

A força do seu campo magnético, medida pela Solar Orbiter, era também particularmente grande, cerca do dobro de uma EMC normal, mas o quebra-cabeças era que a superfície visível do Sol estava completamente “em branco” nessa altura.

Não existiam manchas solares ou quaisquer outras regiões ativas. Foi apenas a força elevada do campo magnético do plasma, que envolveu a Solar Orbiter, que alertou a equipa para a EMC em primeiro lugar.

Após uma investigação cuidadosa dos dados, Jennifer encontrou uma região escura nas imagens no ultravioleta extremo que indicavam uma cavidade de baixa densidade na coroa solar, que se elevou muito lentamente do Sol.

Lento, neste contexto, é outro termo relativo. Ao passo que as EMCs viajam a centenas ou até milhares de quilómetros por segundo, esta deslocava-se para fora a dezenas de quilómetros por segundo.

“Foi o evento mais difícil que alguma vez estudei”, diz Jennifer, referindo-se ao esforço que foi necessário para encontrar sequer uma pista da sua origem.

De uma perspetiva de previsão do clima espacial, as EMCs furtivas são um desafio particular porque os meteorologistas dependem da observação de um evento no Sol para que possam reconhecer, em tempo real, que algo vai chegar e que isso pode mudar o ambiente espacial perto da Terra.

“Rendez-vous” com a cauda de um cometa

Lorenzo Matteini, do Colégio Imperial de Londres, Reino Unido, liderou outra meticulosa investigação para determinar se a Solar Orbiter havia atravessado a cauda do Cometa ATLAS durante junho de 2020.

A possível travessia foi prevista pouco depois do lançamento da Solar Orbiter e, por isso, a equipa “mexeu-se” para garantir que pelo menos alguns instrumentos estivessem prontos a tempo de obter dados. Contudo, por uma reviravolta mais ou menos cruel do destino, apenas dez dias antes da travessia, o cometa desintegrou-se sob o calor do Sol e a bela cauda desvaneceu.

No entanto, Lorenzo e colegas encontraram evidências consistentes com uma travessia do remanescente da cauda do cometa em dados obtidos dia 4 de junho. Especificamente, viram o campo magnético à volta da Solar Orbiter mudar subitamente a sua polaridade, o que seria de esperar se o campo magnético do Sol fosse arrastado à volta de um pedaço do núcleo do cometa quebrado.

“Esta é a primeira vez que nos encontramos com uma cauda cometária dentro da órbita da Terra”, diz Lorenzo.

E pode não ser a última. Os cometas estão sempre a cair em direção ao Sol. A forma como interagem com o campo magnético do Sol proporciona mais outro método da Solar Orbiter investigar esta fascinante região do Sistema Solar.

Após o seu “flyby” pela Terra de novembro de 2021, a Solar Orbiter encontra-se agora na sua fase científica principal. Todos os envolvidos estão a preparar-se para a próxima passagem pelo Sol, em março de 2022.

“Não podia estar mais satisfeito com a missão. Estes resultados demonstram a incrível ciência que já foi feita, e a que ainda está por vir”, diz Daniel Muller, cientista do projeto Solar Orbiter na ESA.

// CCVAlg

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