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Francisco George defende vacinação de crianças com menos de 5 anos contra a covid-19

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Arno Mikkor / Wikimedia

Presidente da Cruz Vermelha, Francisco George

As crianças maiores de cinco anos devem ser vacinadas contra a covid-19, desde que a segurança e a eficácia da vacina estejam comprovadas cientificamente nestas idades, defende o médico especialista em saúde pública Francisco George.

A vacinação das crianças está a ser a discutida e analisada, tendo a Pfizer já anunciado que a sua vacina contra a covid-19 é eficaz em crianças dos 5 aos 11 anos e que vai requerer autorização nos Estados Unidos para este grupo em breve.

Em entrevista à Lusa, o ex-diretor-geral da Saúde Francisco George não vê entraves na vacinação deste grupo etário, desde que as vacinas “tenham uma base de comprovação científica, da sua segurança e do resultado positivo”.

“Se as coortes estudadas por epidemiologistas perceberem que as crianças são fontes de transmissão do vírus, da infeção, e que precisam de ser protegidas, e se tivermos a certeza da segurança da vacina, não vejo porque não”, diz em entrevista à agência Lusa na sede da Cruz Vermelha Portuguesa, instituição a que preside, no Palácio da Rocha do Conde D’Óbidos, em Lisboa.

Em Portugal, as crianças são vacinadas desde a nascença até à entrada no ensino secundário, observa o médico que durante 12 anos foi diretor-geral da Saúde, cargo que deixou em 20 de outubro de 2017, na véspera de completar 70 anos, pondo fim a uma carreira de 44 anos ao serviço da Função Pública.

Então, questiona: “Se há reforço para as outras vacinas, e se há vacinação de crianças com menos de 5 anos para outras doenças, porque é que não há de haver também para estas?”.

Quanto à terceira dose da vacina, defende que a sua necessidade é ditada pelo nível de anticorpos produzidos pelas vacinas anteriores e que a decisão terá de ser tomada com base científica.

“Não são as opiniões, sobretudo de comentadores, que devem ser ouvidas em termos dos comentários que formulam, que são livres, que são justos, que são legítimos, mas não tem base científica”, declara.

Portanto, sustenta, “não há aqui nenhuma opinião a não ser aquela que é baseada na demonstração de que o número de doses anteriores [da vacina] tenha protegido o cidadão, a sua família, a comunidade, através da medição em laboratório dos anticorpos que circulam no soro”.

Entre 1980 e 1991, Francisco George esteve na Organização Mundial da Saúde e em 1990 desempenhou as funções de epidemiologista do Programa Mundial de Luta Contra a Sida como coordenador para a África Austral.

Desde então lidou com outras crises epidémicas, como a SARS – Síndrome Respiratória Aguda Severa, em 2003, a infeção respiratória do Médio Oriente, dez anos depois, e agora com o coronavírus SARS-CoV-2, uma “doença nova” que surgiu na China no final de 2019.

Francisco George fala com entusiasmo da atual pandemia pelas medidas tomadas para a combater, mas sobretudo da vacina: “É extraordinária. Ao contrário de outras, é uma vacina inteligente” e “é absolutamente seguro ser vacinado”.

“É espantoso como a evolução científica, com base nos conhecimentos recentes da biologia molecular, foi agora adaptada ao fabrico com sucesso destas vacinas”, em que é inoculada uma proteína mensageira do vírus, em vez do vírus morto ou atenuado, diz com eloquência.

Considera também “absolutamente único” a desinfeção com um álcool-gel que “não é abrasivo e protege as mãos”.

“Nunca mais vamos deixar de ter a higiene das mãos em conta”, diz, destacando os benefícios desta medida, a par com o uso da máscara, na diminuição da frequência de “muitas outras doenças” como a gripe.

À pergunta se a população deve usar máscara na rua no outono/inverno, responde rapidamente que “só traz benefícios”.

E se esta medida deve voltar a ser obrigatória nos períodos de maior atividade gripal, a resposta vem em jeito de pergunta: “Mas porque não? qual é o problema?”.

“É socialmente aceite se for caso disso, não vejo nenhuma preocupação”, refere, e pode ser até usada de forma espontânea pela população.

Voltando à vacina contra a covid-19 e se esta devia ser obrigatória, Francisco George afirma que não, mas reitera o apelo deixado na sua última intervenção enquanto diretor-geral de Saúde, para que se altere a Constituição de 1976, que apenas prevê o internamento compulsivo de portadores de anomalia psíquica.

“Eu não estou a defender a obrigatoriedade da vacina, estou a defender que, por exemplo, um doente que tenha ébola não possa sair do hospital e entrar no metropolitano. Isso é que eu defendo”, justifica.

O objetivo é que “não haja diferença entre anomalia psíquica e doença contagiosa” e, para isso, “a Constituição pode e deve ser mudada para ir ao encontro dos interesses da saúde pública, defende, frisando que este “é um tema urgente que não pode ser ignorado”.

“É necessário criar princípios inteligentes, mais flexíveis, que não tornem difícil a prevenção e o controle dos problemas em saúde pública”, evitando-se assim estar a decretar-se “sucessivamente estados de emergência” como aconteceu com a covid-19.

Covid-19 pode vir a ser erradicada

O médico e antigo diretor-geral da Saúde considera que ainda é cedo para se perceber o que se vai passar com o novo coronavírus, mas admite que “há ferramentas e meios que a ciência hoje disponibiliza que podem vir a controlar e eliminar o vírus”.

“É possível que isso venha a acontecer. Ninguém pode dizer que nunca nos libertaremos deste vírus. Mas também ninguém pode dizer que nos vamos libertar o vírus dentro de pouco tempo”, afirma.

A luta contra o Sars-Cov-2, que provoca a doença covid-19, é um assunto que está, diz, em análise permanente, a nível mundial.

E acrescenta: “Nós, aqui em Portugal, também deveríamos ter mais pensamento sobre estas questões, e equipas que devem seguir estes problemas, para antever na medida do possível aquilo que possa acontecer”.

Porque, garante, é preciso antecipar a reemergência ou a emergência de novos problemas.

Na entrevista, Francisco George não se cansa de enfatizar a importância do estudo, da análise científica, do trabalho de prevenção. Porque a natureza de um vírus como o atual assim o exige.

Cauteloso, o especialista não quer avançar se no inverno vai haver, como no ano passado, um aumento exponencial de casos de covid-19. E lembra, sem ser crítico, mas compreendendo, declarações de Graça Freitas, atual diretora-geral da Saúde, no início da pandemia, a minimizar a importância do novo coronavirus.

“Aquilo que se diz hoje pode perder atualidade, é verdade naquele dia, mas pode não ser verdade uma semana depois. Este vírus apresenta uma capacidade de mutação que nós já conhecemos pela formação das variantes que estão a circular. Isso é verdade, mas ainda é cedo para antever o final da pandemia. Nós ainda não podermos dizer acabou”, diz.

As variantes, explica, resultam de um conjunto de mutações do vírus durante a fase de replicação nas células, e estão relacionadas com a magnitude da propagação epidémica, pelo que é mais passível de acontecerem em países grandes, como a China ou a Índia.

Um conjunto de pequenas alterações formam uma variante e essa variante adquire características que podem ser melhores ou piores do que a estirpe inicial, diz, para explicar o quanto é difícil ter certezas nesta matéria.

Mas certo é que a história recente da medicina mostrou que os vírus podem ser eliminados e controlados. Aconteceu, lembra, com a varíola, considerada erradicada, deve acontecer com a poliomielite.

E há as vacinas, sobre as quais Francisco George fala diversas vezes. E entetanto surgirão os medicamentos, admite.

Segundo Francisco George, os Estados, sobretudo no ocidente, não fazem investigação científica no sentido de produção de vacinas, o que compete às empresas farmacêuticas.

O que agora aconteceu, refere, foi que se percebeu que, tendo o vírus sido sequenciado, era mais rápido procurar uma vacina do que um antiviral.

“E foi isso que aconteceu em todos os centros da indústria farmacêutica, de diferentes continentes, que produziram uma vacina quase simultâneo, se bem que com características distintas”, diz.

E acrescenta: “No que respeita aos medicamentos a linha de trabalho foi estudar os antivirais que tinham sido ensaiados na epidemia de ébola de 2014”.

Nessa linha de investigação foram selecionados alguns medicamentos que agora estão em fase avançada de estudo e que podem “estar acessíveis em breve”.

E conclui Francisco George: é natural que venhamos a ter em breve mais medicamentos.

“Ainda bem que não estou lá (à frente da DGS)”

Para Francisco George, a comunicação sobre a covid-19 terá de no futuro ser analisada, mas deixa uma certeza, a de que “a comunicação não foi a melhor”.

E não o foi “quer por parte de autoridades do Governo quer por outros”, diz.

“Eu mesmo tive dificuldade em compreender a versatilidade das medidas semanais em função deste ou daquele indicador, se eram quatro pessoas à mesa se eram seis, se era dentro se era fora, se como máscaras sem máscara”, diz.

No auge da pandemia de covid-19 diz Francisco George que se criou confusão porque foram sendo anunciadas e comunicadas questões sucessivamente, anulando outras anteriores.

“Penso que não terá sido a melhor” comunicação, reafirma, considerando no entanto que, mesmo assim, sobretudo os comerciantes e a restauração terão percebido, de maneira geral, essas medidas.

“Nem tudo foi mau, mas a esse nível poderíamos ter feito mais e melhor”, diz Francisco George na entrevista à Lusa, na sede da Cruz Vermelha Portuguesa, entidade a que preside atualmente.

O ex-diretor-geral afirma que também não queria ser ele a estar nesse papel. Francisco George esteve no cargo entre 2005 e 2017, sendo substituído pela atual responsável, Graça Freitas. O novo coronavirus surgiu dois anos após ter deixado o lugar.

Na entrevista o antigo responsável pela pasta (Graça Freitas era diretora adjunta) não critica, antes elogia, o trabalho nesta matéria da sua sucessora e da ministra da Saúde, Marta Temido.

Francisco George ri-se quando confrontado com a pergunta se em algum momento pensou que era bom estar ele ainda no lugar e na “linha da frente” da luta contra a pandemia: “O meu pensamento foi sempre mais egoísta, foi no sentido de ‘ainda bem que não estou lá’”.

“Sou muito amigo e reconheço grande competência à ministra da Saúde, reconheço competência muito elevada à minha sucessora, com quem eu sempre trabalhei. Tenho imensa confiança na Direção-Geral da Saúde, nos governantes, sobretudo neste caso concreto o Ministério da Saúde. Estou absolutamente tranquilo. E penso que o meu egoísmo é compreensível, ninguém com bom senso gostaria de estar no inferno que vivemos”, declarou.

“Vamos ter mais pandemias, isto sabemos desde sempre”

Diretor-geral da Saúde entre 2005 e 2017, em entrevista à Agência Lusa Francisco George acha estranho que não se tivesse admitido que podiam surgir novas doenças e não houvesse uma preparação para elas, à luz de outros coronavirus neste século (Sars logo no início do século e depois, em 2012, o Mers).

Mas Francisco George vai mais atrás, recua a 1980, lembra o aparecimento da sida, também uma doença que até então não existia.

“O que é estranho neste processo é que muitos governos, muitos governantes, muitos médicos, muitos cidadãos, não tenham compreendido o fenómeno de 1980 com o aparecimento de um novo vírus, de uma nova doença que até então não tinha existido”, diz.

Um ano antes, em 1979, ninguém admitia que novas doenças pudessem surgir, as faculdades não ensinavam aos seus estudantes cenários desta natureza, de novas epidemias. As lições, afirma, eram baseadas sobretudo no controle dos problemas, acabar com doenças como se tinha feito com a varíola.

“Era o tempo do controle do paludismo. Era o tempo do controle do sarampo, que também foi eliminado, do controlo e eliminação da poliomielite. Eram esses os temas de estudo nas academias, e nunca o cenário de poder surgir uma questão nova”.

Mas surgiu. E nessa altura, em 1980, as autoridades académicas e os governos foram alertados para a necessidade de reforçar as unidades de saúde pública. Mas Francisco George é perentório: em Portugal, apesar dos “sucessivos alertas”, até internacionais, as unidades de saúde pública “nunca foram motivo de atenção”.

“Muitas vezes os programas eleitorais falavam do reforço da saúde pública, mas depois na prática não havia reforço”, diz, considerando que um dia é preciso olhar para trás “com duas lupas”, uma política e outra científica, e ver o que aconteceu desde 1980.

É preciso ver, considera, as promessas e os porquês do não cumprimento dessas promessas em termos de saúde pública, como é preciso um olhar de base científica para perceber os erros que terão sido cometidos.

“Um deles podemos já adiantar, a saúde pública e as suas infraestruturas, as suas estruturas, foram surpreendidas com, digamos, a força deste furacão” que foi a covid-19.

Por isso, defende, é preciso dar atenção aos equipamentos de saúde pública, ao seu pessoal, e reforçar a defesa do país até em termos de segurança nacional, através do reforço das unidades de saúde pública.

“Sempre foi uma luta, que considero que a nível pessoal terei feito, mas provavelmente não terei feito o melhor, porque se tivesse feito melhor o resultado teria sido outro”, reconhece.

Em Portugal, resume, faltou atenção à saúde pública, e ainda que tivessem existido anúncios “não houve desenvolvimento daquilo que tinha sido anunciado para reformar a saúde pública a nível nacional”.

Em tom professoral, Francisco George explica que o sistema português de saúde foi concebido em três grandes componentes, a componente centros de saúde, a componente médicos de família e a componente hospitalar.

“E a verdade é que todos nós percebemos que a pandemia teve no início dificuldades, sobretudo porque nenhuma destas três componentes estava preparada para este confronto”, prossegue.

Francisco George recua para outras pandemias antes da covid-19, explica conceitos e compara a atual pandemia com outras.

Pandemia é uma epidemia que se propaga simultaneamente em mais de um continente, e assim foi logo no primeiro trimestre de 2020, afirma, lembrando, no entanto, que os coronavirus são conhecidos dos médicos e cientistas há mais de 50 anos, como são conhecidas as doenças que provocam também em animais.

E recorda a Sars-Cov, um surto de síndrome respiratória aguda grave identificada em 2003, com origem no sudoeste asiático e de natureza zoonótica (vinda da civeta, uma espécie de gato), ou uma década depois outro surto respiratório grave, chamado de Mers-Cov, com mais expressão no Médio Oriente.

Mas porquê mais um coronavírus na China? Explica que a China é um país com excesso de população, onde em todo o lugar cada um se confronta com multidões, pelo que é fácil a transmissão de doenças. “Só quem não conhece a China não percebe a facilidade de transmissão na comunidade”, agravada pelo facto de animais silvestres serem fonte de alimentação.

Um coronavírus é assim chamado porque as espiculas (idênticas a espigas) que se encontram na superfície do vírus, em termos de fotografia eletrónica, fazem lembrar uma coroa. É também assim o SARS-CoV-2, que provoca a doença covid-19, só que este, ao contrário de outros, surgiu em ondas sucessivas, surpreendendo todos.

“Estamos perante uma nova doença que inesperadamente atinge todo o globo, e é bom que se compreenda que a epidemiologia não é como a meteorologia. Na meteorologia os meteorologistas podem antecipar um furacão e classificá-lo, e anunciar com antecedência aquilo que irá acontecer. Mas os epidemiologistas não têm meios, não têm ferramentas, não têm conhecimentos para antever, para antecipar, como acontece na meteorologia, aquilo que irá acontecer”.

Por isso Francisco George confessa-se incapaz de dizer o que vai acontecer quanto ao Sars-Cov-2, identificado na China no final de 2019. Admite-se, diz, que este coronavírus possa ser controlado, quando houver uma vacinação eficaz em todo o planeta.

Mas nega que se saiba ainda pouco sobre o novo coronavírus, diz que pelo contrário há muitas certezas, que a doença foi identificada rapidamente. Devemos espantar-nos, assegura, com a rapidez com que o vírus foi identificado, sequenciado, e feita uma vacina. “Isto é um sucesso”.

E recusa também considerar o Sars-Cov-2 um vírus “bom”, no sentido de que apesar de muito transmissível não ser excessivamente letal. Não se pode dizer tal, frisa, até pelo respeito pelos milhares de pessoas, em Portugal e no mundo, que morreram.

Há vírus que provocam doenças mais graves, mas a letalidade, que é a probabilidade de uma doença provocar a morte, apesar de ser baixa comparada com outros, não pode ser ignorada, diz.

Mas Francisco George recusa considerá-lo um vírus “bom e diz que não sabe como ele vai evoluir. Mas tem uma certeza, uma grande certeza. “Vamos ter mais epidemias, vamos ter mais pandemias, isto sabemos desde sempre”.

// Lusa

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6 Comments

  1. Um dos únicos períodos da Historia onde queremos colocar em risco as crianças para salvar os velhos.

    Talvez seja essa a nova filosofia.
    Uma verdadeira vergonha..

    • Se pensarmos em todas as guerras combatidas sobretudo por rapazes de 18 anos ou menos, infelizmente chegamos à conclusão que sempre se sacrificaram os jovens para proteger os (interesses dos) velhos.

      Claro que em 2021 devíamos já ter há muito quebrado esse ciclo.

  2. É preciso ser atrasado mental para querer administrar um produto estudado à pressa e sem estudos de longo alcance (não quer dizer que tenha efeitos colaterais mas também não quer dizer que não os tenha) a crianças que têm uma probabilidade em 1000.000 de ter complicações graves com a doença.

    Se garantissem que assim as crianças deixavam de ser transmissores, até podia concordar mas também já está provado que os vacinados podem ser portadores e transmissores.

    Se calhar é começar a desconfiar deste tipo de governantes e dirigentes. Não acredito em bruxas mas que as há,Há!

  3. Fazer das crianças coibaias tambem, tipo ratinhos de laboratório.

    O virus não afecta quase NINGUÈM !!!

    Ainda não perceberam isso? O que são 3% ou menos que isso?

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