Plásticos de utilização única passam a ser proibidos no início de julho, após Portugal transpor uma diretiva europeia, com a medida a ser elogiada, mas também criticada por ser pouco ambiciosa.
A diretiva, de aplicação obrigatória em todos os Estados-membros, passa a proibir, entre outros produtos de ou com plástico, talheres, palhinhas, cotonetes, agitadores, varas de balões ou esferovites para recipientes de comida.
O Governo português tinha decidido implementar a medida no ano passado, antecipando largamente as datas da diretiva, mas a pandemia de covid-19 levou ao adiamento e Portugal acaba por estabelecer a proibição nas datas da União Europeia. O projeto de decreto-lei que esteve em consulta pública até dia 13 estabelece o dia 1 de julho.
O projeto de decreto-lei vai “muito em linha” com a diretiva, mas Pedro São Simão, coordenador do Pacto Português para os Plásticos (PPP), diz que se podia ter ido mais longe e que uma versão anterior tinha um ponto que considerava relevante, mas foi retirado. Era o de ser aplicado a embalagens de utilização única, não apenas de plástico mas de qualquer material.
A mesma crítica é feita pelas associações ambientalistas Zero, ANP/WWF e Sciaena (esta especializada em ambiente marinho), que dizem que a proposta final ficou “enfraquecida” face a versões anteriores.
O PPP envolve entidades como empresas, indústria, retalho, marcas, autarquias, universidades, associações do setor e entidades gestoras de resíduos, e estabelece metas para 2025, uma delas a garantia de que 100% das embalagens de plástico serão então reutilizáveis, recicláveis ou compostáveis.
Em entrevista à agência Lusa, Pedro São Simão elogia outra mudança da última versão da lei, com prazos “menos exigentes” e que condicionam menos o escoar de alguns produtos. Porque há produtos que preveem um prazo de adaptação até serem completamente proibidos, alguns por exemplo até um ano. “Em termos de racionalidade de recursos está mais de acordo com o que pensamos”, disse.
Mas volta a lamentar que a União Europeia se tenha apenas focado nos plásticos e não em todos os produtos de uso único. “Eu achava bem, porque o problema é a descartabilidade e não o plástico em si”.
E acrescenta: “Focar-nos nos materiais de uso único é mais importante do que apenas no plástico. Porque esta diretiva aponta para a eliminação de muitos plásticos de uso único, mas abre a porta para substituirmos estes plásticos por outros materiais de uso único. Não sabemos nesta fase se são melhores ou piores, se temos condições para os tratar em Portugal ou não, se cumprem as mesmas funções que os plásticos em termos de segurança alimentar e preservação de alimentos”.
No entender de Pedro São Simão a diretiva, e o decreto-lei que a adapta à legislação portuguesa, pode abrir a porta a que dentro de alguns anos em vez de plástico se esteja a falar de outros materiais que foram entretanto introduzidos.
Porque ainda que o plástico seja visivelmente um material poluente há outros que também o podem ser. E avisa: “há materiais que estamos a colocar no mercado sobre os quais ainda não sabemos as consequências”.
E na verdade, afiança, o importante é “repensar o comportamento” e “toda a cadeia de valor, desde o produtor até ao consumidor”, porque o descartável tem de ser “mesmo revisto” e é preciso procurar soluções “cada vez mais reutilizáveis” ou então “cem por cento circulares”.
“Focando-nos no material é sempre mais fácil desresponsabilizar-nos. Se nos focarmos no comportamento estamos a responsabilizar-nos. É mais difícil assumir a responsabilidade mas é mais fácil tomar ações para a mudar. E é aí que eu acho que a diretiva acaba por falhar”, diz.
Para já a realidade é que a partir de julho vão existir muitas limitações à utilização de plástico de uso único, sobretudo na restauração.
E bem, diz Pedro São Simão, porque há de facto um problema associado à poluição por plástico, e ainda que não seja a Europa o principal poluidor é a Europa o continente que quer assumir a liderança na resolução do problema. E bem, continua, porque há de facto produtos de plástico que são considerados problemáticos e desnecessários. Pena que, lamenta, não estejam incluídas embalagens que misturam papel e plástico, que criam problemas de reciclagem.
Pedro São Simão lembra que há muito se fala da proibição de plástico de uso único e que muitas marcas já de adaptaram, que já quase não há por exemplo cotonetes com plástico. E cita o exemplo das entidades, cerca de uma centena, que fazem parte do PPP, que já se estão a adaptar.
“Quando se conheceu a diretiva todos se anteciparam”, diz, referindo que há marcas de bebidas a mudar a cor das garrafas (para ser mais fácil reciclar), há retalhistas e marcas que usam soluções de reutilização de embalagens, há mais informação em embalagens sobre a forma correta de reciclagem, há mais empresas a incorporar plástico reciclado.
E porque as leis são importantes, não tanto para penalizar mas para incentivar, Pedro São Simão deixa uma sugestão: os fundos que estão a chegar a Portugal deviam ser canalizados para empresas que já inovaram e continuam a inovar.
ANP/WWF, Sciaena e Zero também deixam uma sugestão. Que o Governo aprove uma versão anterior à proposta que esteve em consulta pública. Porque a atual proposta tem “lacunas graves” que podem pôr em causa a eficácia da diretiva.
E dão exemplos. Os objetivos de redução previstos para copos de bebidas e recipientes para alimentos são pouco ambiciosos, além de que a diretiva prevê uma data de aplicação da lei que é julho de 2021, pelo que não se justifica criar um tempo de adaptação, visto que há dois anos que os operadores sabiam que a lei ia entrar em vigor (a diretiva é de 2019).
“Não se compreende qual a razão para o facto da criação de regimes de responsabilidade alargada do produtor nas áreas do tabaco, artes de pesca, toalhetes ou balões, ter sido excluída da presente versão para consulta pública, quando tal consta da diretiva, bem como constava da versão anterior deste documento. Defendemos a sua inclusão, visto ser uma ferramenta fundamental para que os produtores assumam as suas responsabilidades sobre o que colocam no mercado e as efetivas consequências negativas que daí resultam”, dizem também as três associações num comunicado sobre a matéria.
De bom, contrapõem, é a obrigatoriedade de disponibilização de recipientes para comida reutilizáveis nos estabelecimentos com serviço de pronto a comer, estando também previstos apoios para a criação destas alternativas. Isto a partir de janeiro de 2024.
E bom também, uma “medida muito interessante” como a consideram, é que as alternativas ao plástico em determinados produtos só possam ser disponibilizadas com um custo associado.
A lei, segundo a proposta do Governo que esteve em consulta pública, entra em vigor no dia 01. A diretiva estabelece a obrigatoriedade de entrada em vigor no dia 3.
// Lusa