Vincent Muscat, que confessou ter matado Daphne Caruana Galizia, deu em tribunal o relato mais completo até agora do plano para assassinar a jornalista maltesa.
De acordo com o jornal britânico The Guardian, Vincent Muscat disse, perante jornalistas e familiares de Daphne Caruana Galizia, que usou, juntamente com outros dois homens, binóculos e um telescópio para acompanhar os movimentos da jornalista durante vários dias antes de plantar e disparar o carro-bomba que a matou em 2017.
A morte de Daphne Caruana Galizia foi recebida com indignação em toda a Europa e envolveu o partido do governo de Malta num escândalo político que levou à renúncia do primeiro-ministro em 2019.
Sete homens admitiram ou foram acusados de cumplicidade no crime, incluindo o magnata Yorgen Fenech, que se declarou inocente de ser o mentor, e Melvin Theuma, um motorista de táxi que confessou ser o intermediário no assassinato.
Antes da audiência, Muscat pediu desculpas à família de Caruana Galizia.
Muscat, que como Theuma se tornou testemunha oficial, disse que conheceu dois outros homens acusados de envolvimento direto no assassinato, George e Alfred Degiorgio, antes das eleições gerais de Malta em junho de 2017.
“Alfred Degiorgio chegou-se a mim e disse-me que havia um bom trabalho para mim”, disse Muscat ao tribunal esta quinta-feira. Segundo a testemunha, Degiorgio disse que o trabalho era matar Caruana Galizia e que tinha sido acordado um preço de 150 mil euros.
“O plano era seguir os seus passos e disparar quando chegasse a hora certa. Após a eleição, Theuma deu-nos sinal verde. Deu-nos um adiantamento de 30 mil euros numa bolsa de couro castanha. A quantia foi paga em notas de 50. Ficámos com 10 mil cada e começámos o trabalho. Alfred e eu seguimo-la até Bidnija”, a vida onde morava a maltesa.
Segundo Muscat, os três homens usavam binóculos e um telescópio para observar de perto os movimentos de Caruana Galizia e passaram dias inteiros a observá-la.
“Estaríamos sentados lá em dois tijolos”, disse. “Era desconfortável e ficavámos dolorido. Eu comprava três maços [de cigarros] de Rothmans Red por dia. Colocávamos as pontas numa garrafa de água para não deixar rastros. Vimos Daphne no seu sofá com um portátil até as duas da manhã. ”
Muscat disse que o plano original era disparar contra Caruana Galizia na sua casa: “O plano era fazer com que Alfred disparasse debaixo da árvore. Eu ia tirá-lo de cena num carro roubado. George começou a inventar desculpas [de como] a arma era muito barulhenta”.
Então, os homens optaram por usar uma bomba. “George Degiorgio sempre quis uma bomba… uma bomba coloca-se à noite e vai-se embora. Mais silencioso, menos pânico”.
Os homens começaram a discutir a obtenção de uma bomba de Jamie Vella, que se declarou inocente no mês passado de cumplicidade no assassinato. Muscat disse que a bomba tinha uma face de aço inoxidável e um aparelho no qual o cartão SIM seria inserido. “Envia-se uma mensagem específica para o cartão SIM da bomba”, disse. “Explodiria segundos depois.”
Muscat disse ainda que tinha dito aos supostos cúmplices que estava preocupado que um carro-bomba pudesse acabar por matar outras pessoas, ao que lhe responderam: “Vamos em frente, mesmo que outros estejam com ela no carro”.
Enquanto vigiavam a casa de Caruana Galizia, notaram na noite de 15 de outubro de 2017 que tinha estacionado o carro do lado de fora do portão da sua casa. Muscat pegou na bomba, que estava escondida numa caixa de sapatos, e, com os outros cúmplices, colocou-a debaixo do banco do motorista.
Às 5h da manhã seguinte, Muscat e Alfred Degiorgio voltaram a um ponto privilegiado com vista para a casa. No início da tarde, viram Caruana Galizia partir e informaram George Degiorgio, que estava num barco, pronto para disparar a bomba à distância.
George detonou a bomba antes que o irmão lhe desse permissão. O carro de Caruana Galizia estava fora de vista e Muscat disse que não ouviu a explosão, mas olhou para trás e viu uma nuvem de fumo.
Muscat reiterou as alegações que fez anteriormente à polícia de que levou Alfred Degiorgio para se encontrar com o ex-ministro da Economia Chris Cardona na preparação para o assassinato e que Cardona terá dado uma dica aos homens antes de serem presos em dezembro de 2017.
Ao jornal Malta Independent, Cardona disse que as alegações eram “loucura e mentiras flagrantes”. “Nunca soube de nenhum projeto para matar alguém”, disse Cardona. “Isso é pura ficção maligna.