Um vídeo de um protesto anti-confinamento na Alemanha tornou-se viral depois de uma manifestante se ter comparado à resistente anti-nazi Sophie Scholl.
Sophie Scholl era uma estudante de 21 anos que foi executada em 1943 por imprimir e divulgar panfletos antifascistas. A jovem fazia parte de um círculo de resistência chamado Rosa Branca.
Uma manifestante anti-confinamento, que se apresenta no vídeo como Jana de Kassel, disse: “Eu sinto-me como Sophie Scholl porque tenho sido ativa na resistência por meses, faço discursos, vou a protestos, distribuo folhetos…”
Durante o seu discurso, Jana é interrompida por um dos comissários do evento que se recusa a “fazer mais segurança para estes disparates”. Depois, a jovem atira o microfone ao chão e sai do palco.
O ministro das Relações Exteriores alemão Heiko Maas acusou o manifestante de “amnésia histórica inaceitável” e de minimizar o Holocausto. “Nada liga os protestos do coronavírus aos membros da resistência. Nada!”, escreveu o ministro no Twitter.
https://twitter.com/HeikoMaas/status/1330460397032366082
A relação complicada da Alemanha com o seu passado
Manifestações anti-confinamento têm acontecido em toda a Alemanha desde junho, chegando ao auge em agosto, quando manifestantes terão tentado invadir o Parlamento, em Berlim.
Os protestos fazem parte de um movimento chamado Querdenker (pensadores laterais), que une diferentes grupos políticos, canalizando a indignação com o que é visto como uma violação das liberdades civis. Embora também associado às teorias da conspiração covid-19, apresenta-se como um movimento que luta pela defesa da liberdade.
No centro das preocupações sobre uma emergente “ditadura corona” está a nova Lei de Proteção contra Infecções aprovada pelo parlamento alemão, que permite impor medidas anti-coronavírus, mesmo que isso signifique restringir liberdades constitucionais. Alguns compararam-na ao Ato de Habilitação de 1933, que deu a Adolf Hitler, como chanceler, o poder de promulgar leis sem a aprovação do Parlamento.
A manifestanta parece ver-se como uma jovem mulher que luta pela liberdade contra o que é visto como o governo a impor restrições inconstitucionais às liberdades dos cidadãos.
Outros vêem os comentários como uma apropriação da notável bravura e sofrimento de outra pessoa, que lhes falta subtileza ou nuance, criando um paralelo histórico redutor entre uma jovem que foi guilhotinada por falar contra o estado nazi e uma jovem a exercer o seu direito de liberdade de expressão publica e livremente numa democracia.
Comparações históricas: inspiração ou banalização?
Na Alemanha, Sophie Sholl é um nome familiar e, ao lado de Anne Frank, tornou-se um ícone cultural – a personificação da resiliência e da esperança perante as atrocidades nazis.
A cultura da memória alemã do pós-guerra foi dominada por debates sobre como lembrar o passado, sobre o que é aceitável ou tabu. Mais de 75 anos desde o fim da II Guerra Mundial, esses debates continuam politicamente carregados.
Os comentários de Maas sugerem que há algo intocável em figuras como Scholl e Frank. Implica um consenso de que existem indivíduos com os quais nunca é social, política ou mesmo moralmente aceitável comparar-se. O furor em torno de Jana de Kassel pode ser o início desse debate – e não necessariamente o fim dele.
Para fazer justiça a Scholl e figuras como ela, é necessário usar essa experiência como base para o diálogo e um envolvimento mais sério com vozes do passado.
ZAP // The Conversation