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“Atitude de jogo”. Orcas juvenis podem estar na origem de incidentes com barcos em Portugal e Espanha

Um grupo de três orcas juvenis pode ser responsável por incidentes com embarcações ocorridos ao longo das costas portuguesa e espanhola desde o verão, disseram à agência Lusa especialistas em cetáceos.

“Conseguimos identificar três indivíduos, todos juvenis, que podem estar numa atitude de jogo. Os barcos atraem os animais, que lhes tocam, conseguindo reações e mesmo mover a embarcação, o que é curioso para elas”, afirmou a bióloga marinha Rute Esteban.

Com doutoramento em orcas (Orcinus orca) em Gibraltar, a especialista espanhola disse haver “relatos antigos” de animais que “entraram em contacto com barcos”, mas a diferença agora, é “tratar-se de um comportamento repetitivo”.

Os encontros iniciaram-se no verão e há cerca de 30 relatos em quase toda a costa atlântica ibérica, desde Gibraltar (a sul) até à Corunha (a norte), tendo o último sido registado na madrugada de 14 novembro ao largo de Sines, quando uma embarcação com três tripulantes a bordo teve de ser rebocada pela Polícia Marítima após um grupo de orcas ter danificado o leme, quando navegava a 30 milhas náuticas (cerca de 55 quilómetros) da costa.

Rute Esteban sublinhou que o leme “é dos elementos mais frágeis dos barcos”, ficando facilmente danificado, e que apenas com a recolha de imagens com qualidade se pode perceber o que realmente se passou debaixo de água.

O biólogo Francisco Martinho faz uma comparação do comportamento das orcas jovens com “os cães que perseguem os carros”, por isso, a recomendação é “parar o motor, baixar velas, o que acaba com a perseguição”. Uma recomendação feita também pela Autoridade Marítima Nacional.

Segundo o biólogo, imagens “com alguma qualidade” obtidas na zona da Galiza, permitiram identificar e batizar os três exemplares: duas mais ativas, a “Branca” e a “Negra” – que apresenta “um corte monumental na cabeça” – e a “Cinzenta”, que “aparenta ser mais velha, agindo como mero cúmplice”.

Francisco Martinho adiantou que não foi possível aferir “a idade, nem a procedência” dos três animais, acreditando-se que poderão fazer parte de um dos grupos de Gibraltar.

Élio Vicente, responsável pelo Porto de Abrigo do Zoomarine, disse à Lusa que os incidentes registados “não se tratam de um comportamento de predação” e lembrou que o “biosonar” destes animais “lhes permite saber perfeitamente que o objeto não é alimento”.

Para o biólogo marinho, a hipótese de se tratar de uma “reação negativa”, uma vez que alguns destes animais podem ter sido “abalroados por embarcações” quando estavam à superfície, “é muito pouco provável”.

Os encontros entre orcas e embarcações motivaram a criação de um grupo informal de biólogos e estudiosos de cetáceos de diferentes grupos de investigação que procuram trocar informações e encontrar uma explicação para estes incidentes.

Sara Magalhães, proprietária de uma empresa de observação de cetáceo e um dos membros do grupo, referiu a existência de “cinco famílias” de orcas “já bem conhecidas” que se alimentam de atum em Gibraltar, porta de entrada anual para a desova dos atuns no Mar Mediterrânico.

A migração do seu principal alimento torna a zona um “sítio espetacular” para as orcas se alimentarem, seguindo depois os cardumes ao longo da costa atlântica, adiantou a bióloga.

Apesar de serem populações “bem estudadas”, não há certezas sobre a proveniência dos três indivíduos que os especialistas pensam serem os responsáveis pelos incidentes com embarcações.

Sara Magalhães disse terem existido incidentes em 2018 e 2019 na zona de Sagres com “duas crias que se enredaram em cabos” de sinalização das linhas de covos (armadilhas de pesca) e que tiveram de ser resgatadas por estarem em risco de afogamento, o que pode indicar um “comportamento de grande curiosidade”.

Élio Vicente reforçou a necessidade de “continuar a acompanhar” os relatos e obter imagens que permitam ver “a fluidez do comportamento, a aproximação e a forma como os diferentes animais se organizam na interação com o leme” ou outras estruturas das embarcações.

No caso de um possível encontro, o especialista recomenda “precaução, evitar interações negativas, avisar as autoridades, não entrar dentro de água e minimizar ao máximo a motivação dos animais para continuar as interações, adotando uma atitude o mais passiva possível”, para reduzir ao máximo os estímulos sonoros e visuais que possam suscitar a curiosidade dos animais concluiu.

As orcas, mamíferos da família dos golfinhos, atingem, quando adultas, tamanhos entre os cinco e os oito metros de comprimento e são animais sociais com estruturas familiares muito coesas.

// Lusa

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