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Proposta do PCP para IRS “pode ser difícil de acomodar” (e batata quente da Saúde está nas mãos do BE)

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António Pedro Santos / Lusa

Secretária de Estado do Orçamento, Cláudia Joaquim

Cláudia Joaquim, secretária de Estado do Orçamento, considera que todas as medidas que sejam permanentes ou estruturais podem não ser as melhores. Quanto ao Bloco de Esquerda, defende que é ao partido de Catarina Martins que caberá ultrapassar o diferendo com o Governo.

A secretária de Estado do Orçamento, Cláudia Joaquim, disse à Lusa que a proposta do PCP para adicionar um escalão ao IRS “pode ser difícil de acomodar” no OE2021. “Uma diminuição estrutural de receitas de impostos pode ser difícil de acomodar num ano muito particular como 2021”, justificou, quando questionada acerca da proposta do PCP para o aumento de um escalão do IRS, que teria consequências de diminuição de receita.

“Todas as medidas que sejam permanentes ou estruturais podem neste momento não ser as melhores, porque isso faz com que estejamos a vincular para mais anos medidas que ou do lado da receita, e no exemplo que deu [a proposta do PCP], de diminuição da receita, ou do lado da despesa, que seja um aumento de despesa estrutural, é importante serem muito bem pensadas neste momento”, defendeu a governante.

A também antiga secretária de Estado da Segurança Social (2015-2019) disse ainda que num “cenário de incerteza”, é necessário “pensar em medidas que sejam extraordinárias e alocar os recursos a essas medidas extraordinárias, para poder ser reavaliado durante o próximo ano, no Orçamento do Estado para 2022”, e em ocasiões futuras.

Para Cláudia Joaquim, o debate do OE2021 na especialidade deve ser feito “a pensar no contexto que vivemos”, relacionado com a pandemia de covid-19, pois “foi também nessa perspetiva que o Orçamento do Estado foi pensado [e] que foi negociado com os partidos à esquerda”.

A governante salientou ainda a importância da “assunção de compromissos” também na continuação da negociação com os partidos à esquerda do PS no parlamento. “Não me quero estar a antecipar àquilo que é a negociação na especialidade, mas esta tónica é também ela muito importante. Existem sempre margens, mas também limites”, defendeu, acrescentando que “o PCP tem compreendido” e “feito um caminho”.

Batata quente da Saúde nas mãos do Bloco

Na mesma entrevista, a secretária de Estado considerou que caberá mais ao Bloco de Esquerda ultrapassar o diferendo com o Governo relativamente aos diferentes números apresentados na discussão orçamental sobre a Saúde.

“A demonstração destes dados poderá, de alguma forma – mas isso até caberá bastante mais ao Bloco de Esquerda – ser um motivo para ultrapassar a questão e para nos focarmos naquilo que me parece essencial”, disse.

Segundo a governante, da parte do Governo, e além do SNS, “a abertura manteve-se sempre” à negociação durante a discussão na generalidade, sendo importante “que haja uma intenção de convergência e de negociação, e da parte do Governo ela existe”, assegurou Cláudia Joaquim.

No dia 23 de outubro, a deputada do BE Mariana Mortágua questionou o Governo acerca dos números do SNS, afirmando que as tabelas presentes no relatório do OE2021 “estavam pura e simplesmente erradas”, tendo o ministro das Finanças, João Leão, justificado a diferença com questões metodológicas.

A deputada do BE disse então que o OE2021 “concede, em valores orçamentados, para o SNS, menos 143,6 milhões do que estava previsto no Orçamento Suplementar”, tendo o ministro respondido que o orçamento total do SNS aumenta mais de 1.000 milhões de euros, e comparando com o suplementar há um aumento superior a 500 milhões.

No dia 28, o ministro disse que o BE se enganou nas contas, argumentando que o reforço aprovado no Orçamento Suplementar de 2020 não veio exclusivamente de transferências do OE, algo que o BE, segundo João Leão, não teve em conta, acrescentando que no OE2021 “o BE também não quer reconhecer” que haverá verbas para a saúde vindas “dos novos fundos europeus, nomeadamente do programa REACT”.

À Lusa, Cláudia Joaquim disse que a tabela em discussão no plenário, geradora da discórdia, “não inclui os fundos comunitários”. Em números posteriormente dados a conhecer pelo Ministério das Finanças, e que não constam do OE, foi divulgado que, com a inclusão dos fundos comunitários no orçamento do SNS, o valor previsto no OE2021 para o SNS ascende aos 12.106 milhões de euros, superiores aos 11.300 milhões com que o SNS ficou depois da aprovação do orçamento suplementar de 2020, e aos 10.055 milhões de 2019.

Caráter extraordinário dos apoios sociais

A secretária de Estado do Orçamento vincou ainda que o apoio social extraordinário previsto no OE2021 deve manter esse caráter e não tornar-se permanente. “O importante é que ele seja extraordinário porque depois haverá oportunidade de avaliar qual foi o seu impacto, o seu efeito, e repensar as atuais prestações. Isso faz parte da política e da avaliação das medidas de política.”

A governante referia-se ao Apoio Extraordinário ao Rendimento dos Trabalhadores, que foi inicialmente orçado em 450 milhões de euros para 2021 e que o Governo, entretanto, alargou para 633 milhões de euros.

Uma das reivindicações do BE para o Orçamento, além de diferenças nas formas de atribuição do apoio, era que este se tornasse uma nova prestação social a ser avaliada no final do ano, ajustada em 2022 e tornada definitiva em 2023, último ano da legislatura, podendo absorver as outras prestações não contributivas.

“O que me parece prematuro é quando se cria uma prestação desta dimensão estar já a assumir que ela é permanente quando ainda nem sequer se avaliou”, disse Cláudia Joaquim à Lusa, quando questionada acerca desta intenção inicial do BE. Um dos argumentos da governante é que a “estimativa de despesa desta prestação nunca seria esta num contexto que não fosse este”, relacionado com a pandemia.

Cláudia Joaquim abordou mais algumas das questões que o BE reivindica para o Orçamento e que levaram ao voto contra dos bloquistas na votação da generalidade. Relativamente à reivindicação da reversão das regras de atribuição do subsídio de desemprego para o período antes da troika, a secretária de Estado reconhece que, “quando é referido que antes da troika o prazo de atribuição do subsídio de desemprego é maior, mas o prazo de garantia [tempo de trabalho necessário para aceder ao subsídio] também era maior”.

Segundo a governante, isto significa que “havia menos pessoas a conseguir aceder ao subsídio de desemprego”, pelo que para este continuar a existir enquanto substituto dos rendimentos do trabalho “num quadro de sustentabilidade da Segurança Social, não se pode mudar só uma variável, ela tem que ser equilibrada”.

Já sobre o alargamento da condição de recursos para acesso ao subsídio social de desemprego, Cláudia Joaquim disse que o apoio “pressupõe que há uma contributividade, ou que houve”, “mas é uma prestação paga por Orçamento do Estado, por receitas de impostos”, e que por isso exige a condição de recursos.

A proposta de Orçamento de Estado para 2021 foi aprovada na generalidade, com os votos favoráveis do PS e as abstenções do PCP, Pessoas-Animais-Natureza (PAN), Partido Ecologista “Os Verdes” (PEV) e das deputadas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues. O PSD, BE, CDS-PP e os deputados únicos do Chega, André Ventura, e da Iniciativa Liberal, João Cotrim de Figueiredo, votaram contra o diploma do executivo.

A votação final global está marcada para 26 de novembro.

ZAP // Lusa

1 Comment

  1. ,,, “A secretária de Estado do Orçamento, Cláudia Joaquim, disse à Lusa que a proposta do PCP para adicionar um escalão ao IRS “pode ser difícil de acomodar” no OE2021. ”

    Se esta senhora tivesse uma pensão de reforma de € 650,00 e tivesse de pagar de IRS cerca de € 1.600,00 por ser viúva, ficando sem subsídios de férias e de natal, talvez não conseguisse compreender onde “acomodar” as migalhas que sobram para o resto das despesas da casa, farmácia, transportes, etc..

    Falar de barriga cheia é realmente muito diferente…

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