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20 anos depois, aldeias no Peru ainda sofrem com derrame de mercúrio

Em junho de 2000, um camião derramou mercúrio, da mina de ouro Yanacocha, a maior da América Latina, em três aldeias do Peru. 20 anos depois, os moradores ainda sofrem as consequências deste acidente.

Quando Francisca Guarniz Imelda, que vive em Choropampa, viu o mercúrio derramado na estrada da sua casa, pegou nele com as próprias mãos e levou-o para dentro. “Pensámos que era valioso. Era um líquido prateado brilhante. As crianças começaram logo a apanhá-lo.”

20 anos depois, conta o jornal The Guardian, Imelda tem dificuldades a andar, está a perder a visão e sofre de problemas renais. E não é a única, numa localidade que se tornou uma verdadeira “cidade fantasma”.

Em declarações ao jornal britânico, o presidente da Câmara, Ronald Mendoza Guarniz, diz que estão a “enterrar os vizinhos um por um”. E os residentes continuam a queixar-se de não ter recebido qualquer apoio ou compensação depois deste desastre.

Na altura, uma investigação da Corporação Financeira Internacional (IFC) descobriu que as vasilhas não estavam bem presas ao camião e, por isso, uma delas tombou. A empresa que explora a mina, a Minera Yanacocha, enviou uma equipa de limpeza e ofereceu dinheiro aos locais para que devolvessem o mercúrio. Mas só um terço foi recuperado.

No total, 755 dos três mil habitantes das três aldeias afetadas pelo derrame foram hospitalizados. Alguns tinham níveis de mercúrio na urina cinco vezes acima do limite máximo recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

“A exposição prolongada ao mercúrio causa problemas no sistema nervoso central, digestivo, renal e imunitário. O mercúrio que as pessoas levaram para casa vai continuar a emitir vapores durante muitos anos“, explica ao diário inglês Raúl Loayza Muro, toxicologista da Universidade Cayetano Heredia.

Euyasik / Wikimedia

A mina de ouro Yanacocha, no Peru

Mais tarde, tanto a Minera Yanacocha como a empresa de transporte Ransa concordaram em pagar uma indemnização aos moradores. Porém, os contratos declaravam que ambas não eram responsáveis pelo derrame e que não podiam ser processadas.

A Yanacocha também concordou em retribuir com um seguro de saúde para doenças relacionadas com este acidente, e a maioria dos habitantes assinou. O jornal destaca que, naquela época, 87% era analfabeta e assinava com a sua impressão digital.

Duas décadas depois, começaram a surgir problemas de saúde que não estão abrangidos por esse seguro de saúde, deixando os moradores incapazes de pagar os tratamentos. E a ação legal contra a mina é opção apenas para as 80 famílias que não assinaram o contrato em questão.

A empresa de mineração afirma que trabalhou com as autoridades peruanas para lidar com o impacto deste derrame e que uma avaliação de risco ambiental, realizada dois anos depois, “confirma que, depois de terem sido feitos os esforços de remediação, não havia perigo de contaminação para os habitantes ou para o ambiente nas áreas onde ocorreu o acidente”.

A Minera Yanacocha disse ainda que alocou um montante equivalente a 14 milhões de euros em programas de monitoração, assistência médica, recuperação do mercúrio, remediação ambiental e limpeza doméstica.

A advogada Mirtha Vásquez, que este ano foi eleita para o Congresso do Peru, está a tentar encontrar uma forma mais abrangente de ajudar as pessoas afetadas. “Estou a submeter uma proposta sobre o tratamento de pessoas afetadas por metais pesados. Espero que, finalmente, seja criada uma política que ajude as vítimas.

Porém, para a maioria destes peruanos, esperança é algo que já se esgotou. “Nós somos os esquecidos”, lamenta o autarca de Choropampa.

ZAP //

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