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Trump ameaça “destruir” economia turca caso a intervenção militar na Síria ultrapasse limites

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Jim Lo Scalzo / EPA

O Presidente dos EUA, Donald Trump

O Presidente dos Estados Unidos (EUA) ameaçou, na segunda-feira, “destruir” a economia da Turquia, no caso de uma eventual intervenção de Ancara na Síria contra as milícias curdas locais que ultrapasse os limites, após anunciar a retirada das forças norte-americanas da região.

“Como disse antes, e apenas para reiterar, caso a Turquia faça algo que eu, na minha grande e inigualável sabedoria, considere que está fora dos limites, destruirei e aniquilarei totalmente a economia da Turquia”, disse Donald Trump no Twitter.

“Já o fiz anteriormente!”, acrescentou, numa referência à queda da lira turca, que em agosto perdeu 25% do seu valor após os EUA terem convertido a libertação do missionário protestante Andrew Brunson, que entretanto regressou ao país, numa causa diplomática.

Na noite de domingo, Donald Trump anunciou a retirada das tropas norte-americanas do norte da Síria, que na segunda-feira justificou para assegurar que “chegou a hora de sair de guerras ridículas sem fim”.

“Os EUA fizeram muito mais do que poderia ser esperado, incluindo a captura de 100% do autoproclamado califado do EI. Chegou a hora que outros na região, alguns com uma grande riqueza, protejam o seu próprio território”, argumentou.

No fim de semana, o Presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, advertiu que está “iminente” uma intervenção militar em território sírio contra as milícias curdas sírias na zona leste do rio Eufrates, e sugeriu que Ancara não deve esperar pelo apoio dos EUA nesta operação.

O objetivo consiste em eliminar as milícias curdas sírias das Unidade de Proteção Popular (YPG), um dos mais próximos aliados de Washington no combate contra o Estado Islâmico, mas consideradas “terroristas” por Ancara devido aos seus vínculos com o banido Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), a guerrilha curda ativa na Turquia.

Em comunicado, a Casa Branca anunciou que a Turquia passará a ser “responsável” por todos os combatentes do Estado Islâmico que se encontram no norte da Síria e foram capturados nos dois últimos anos, após o grupo jihadista ter perdido o controlo territorial dessa região.

Desde há vários anos que o governo turco exige uma “zona segura” no nordeste da Síria ao longo da fronteira comum, uma proposta que finalmente foi concretizada em 07 de agosto com Washington, também com o objetivo de recolocar nessa região cerca de dois milhões de refugiados sírios que se encontram na Turquia.

Este território está controlado pelas milícias curdas da Síria, e a retirada militar norte-americana – cerca de dois mil militares que forneciam treino e apoio logístico às YPG – poderá permitir à Turquia concretizar uma das suas prioridades, através da ocupação do território do nordeste da Síria e expulsar os curdos.

Turquia a postos para iniciar ofensiva na Síria

A Turquia garante que tem tudo a postos para iniciar uma ofensiva na Síria. O Ministério turco das Relações Exteriores faz saber que os preparativos ficaram concluídos na noite de segunda-feira, segundo noticiou a TSF esta terça-feira.

UNAOC / Flickr

Recep Tayyip Erdogan, Presidente da Turquia

A possibilidade de uma operação militar turca no norte da Síria ganha força depois de os EUA terem começado a retirar tropas da zona de fronteira, abandonando a aliança com os curdos, que auxiliaram Washinton na luta contra o Daesh.

A Turquia diz recear as forças “terroristas” curdas, e pretende ocupar uma faixa de pelo menos 30 quilómetros onde possa alocar dois milhões de refugiados sírios.

Como referiu o Público, Recep Tayyip Erdogan afimrou que o seu Exército – o segundo mais poderoso da NATO, a seguir ao dos EUA – estava pronto para atacar. “Há uma frase que costumamos dizer: podemos chegar a qualquer momento, sem nenhum aviso. Para nós, está completamente fora de questão continuarmos a tolerar as ameaças destes grupos terroristas”, disse, citado pelo site do canal Al-Jazira.

Trump enfrenta a fúria dos seus apoiantes no Senado

A decisão de Donald Trump de ordenar um recuo das tropas norte-americanas está a ser criticada em vários setores da política e da vida militar norte-americana, incluindo por figuras próximas do Presidente.

“O comunicado da Casa Branca não tem qualquer relação com os factos no terreno”, disse ao New York Times Brett McGurk, o antigo enviado especial da Casa Branca na coligação internacional contra o Daesh. “Se a decisão for posta em prática, os riscos para o nosso pessoal vão aumentar de forma significativa, e vai acelerar o ressurgimento do ISIS [acrónimo em inglês para Daesh]”.

Um receio partilhado por um dos políticos mais próximos do Presidente norte-americano, o senador Lindsey Graham, do Partido Republicano – um dos defensores do Presidente norte-americano no processo de destituição que foi lançado pelo Partido Democrata na Câmara dos Representantes.

Numa primeira reação, esta segunda-feira, Lindsey Graham referiu-se à decisão de abrir caminho às tropas turcas no Nordeste da Síria como “um desastre anunciado”, e salientou quatro consequências negativas para os EUA: “Assegura o regresso do ISIS; obriga os curdos a alinharem-se com Assad e o Irão; destrói as relações da Turquia com o Congresso norte-americano e será uma mancha na honra da América, ao abandonar os curdos”.

Sanções à Turquia

Numa decisão que corta com o passado recente de apoio a Donald Trump, e logo no momento mais sensível para o Presidente norte-americano, Lindsey Graham anunciou que vai propor ao Senado que aplique sanções à Turquia no caso de uma invasão da Síria, e que recomendará a expulsão do país da NATO se as forças curdas forem atacadas.

“Espero que as sanções contra a Turquia – se vierem a ser necessárias – sejam à prova de veto”, afirmou, deixando o Presidente norte-americano numa situação difícil: ou recua e enfrenta a fúria de Recep Tayyip Erdogan, ou mantém a sua decisão e arrisca-se a sofrer uma derrota política num Senado com maioria do seu partido.

O senador republicano apontou ainda o risco de os EUA perderem aliados em futuras guerras, e disse que a decisão de Donald Trump “envia o mais perigoso sinal possível”: “A América não é um aliado confiável e é só uma questão de tempo até que a China, a Rússia, o Irão e a Coreia do Norte comecem a agir de formas muito perigosas”.

“Temos sempre de proteger os nossos aliados, se esperamos que eles também nos protejam”, concluiu Lindsey Graham. “Os curdos foram decisivos na nossa luta bem sucedida contra o ISIS na Síria. Deixá-los lá para morrerem é um grande erro”.

Regresso dos refugiados

Um dos maiores receios dos críticos da decisão do Presidente norte-americano é que o Daesh possa levantar-se na Síria, aproveitando-se do enfraquecimento dos curdos – são eles que gerem, com o apoio norte-americano, os campos e as prisões onde dezenas de milhares de ex-combatentes do Daesh e seus familiares estão retidos.

Num deles, em Al-Hol, no extremo Nordeste da Síria junto à fronteira com o Iraque, mais de 70 mil pessoas, a maioria crianças, vivem em condições deploráveis. Segundo uma reportagem do Washington Post, os guardas curdos são atacados com facas de cozinha, os prisioneiros leais ao Daesh aterrorizam as mulheres, e pelo menos 300 crianças morreram num período de sete meses, entre dezembro de 2018 e julho de 2019.

Esta falta de condições faz do campo de Al-Hol um alvo privilegiado de recrutamento para o Daesh, que pode também vir a beneficiar de possíveis ataques contra os curdos e do fim do controlo que eles ainda exercem nos campos e nas prisões.

Para além de querer travar os curdos, Recep Tayyip Erdogan quer também enviar de volta para a Síria cerca de três milhões de deslocados da guerra que vivem atualmente em campos na Turquia – uma situação insustentável para o seu Governo, numa altura em que os refugiados e deslocados são vistos como culpados pela fraca prestação da economia.

Para isso, a entrada do Exército turco no Norte da Síria tem como objetivo o estabelecimento de uma zona livre, com pouco mais de 30 quilómetros de profundidade e quase 500 quilómetros de largura, para onde milhões de refugiados serão enviados.

ZAP // //

5 Comments

  1. Enfim… mais uma Trampada!…
    Primeiro os americanos abandonam os curdos (os únicos que combatiam mesmo o Daesh!) para serem aniquilados pelos turcos e agora, que já perceberam que pode dar para o torto, o Trampa saiu-se com esta!…
    .
    Melhor piada do Trump:
    “na minha grande e inigualável sabedoria”
    Hahahaaaa….

      • Não!
        A Síria, à custa de certos “génios do bem”, não tem Estado nenhum…
        Aliás, tem um Estado completamente destruído por uns iluminados que já deviam saber que o mundo não é a preto e branco!!
        E, se não fossem os curdos a limpar alguma porcaria, o serviço que os americanos, (e franceses, etc), fizerem na Síria, ainda seria mais “bonito”!…
        Agora traíram-nos e vão abandonar-los como fizeram aos Talibans no Afeganistão (e que deu um belo resultado)…
        .
        Já estou como diz o outro: “e depois querem que haja paz no mundo”!

      • Caro Eu!
        A sua resposta embora correta está incompleta.
        O Daesh foi destruido sim pelos curdos…mas não se pode esquecer do papel dos russos e dos sirios, estes sim os grandes destruidores do estado do Daesh.

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